A atual enchente de Porto Alegre é a maior da história já registrada, superando a enchente de 1941, que ficou tão famosa e ainda presente no nosso imaginário. Curiosamente as enchentes, distantes entre si por 83 anos, começaram nas mesmas datas, nas chuvas de final de abril. Estamos ainda tentando salvar vidas e abrigar famílias que perderam tudo. Amigos queridos tiveram suas casas invadidas pelas águas e nada puderam fazer. Sequer foi possível trazê-los para a Comuna, pois as vias estão interditadas.
Toda a solidariedade para que muito ou tudo perdeu. Toda a ajuda para quem está sem casa, sem suas roupas, sem comida. Para alguns só podemos dizer “que se vão os anéis e fiquem os dedos”, mas para outros nem isso. Esperamos que as águas venham a baixar para ser possível contabilizar o estrago e iniciar a reconstrução da cidade. Espero que esta seja a principal lição a aprender: a tese do Estado Mínimo defendida pelos reacionários da direita deste Estado provou-se uma tragédia. A defesa Civil descapitalizada, a falta de manutenção das bombas, a dificuldade de bombeiros e agentes da defesa Civil são consequências diretas de uma visão política que descapitaliza, enfraquece e empobrece o poder público.
Várias personalidades se ofereceram para ajudar. Jogadores de futebol até abrigaram atingidos pelas chuvas em suas mansões, mas isso – apesar de louvável – mostra a falha do Estado em oferecer estes serviços. Não cabe aos cidadãos comuns a realização destas tarefas; elas são responsabilidade do Estado, organizando e promovendo as ações para salvaguardar a vida de todos. Aqui, entretanto, é proibido apontar as falhas gritantes de financiamento da Defesa Civil e a falta de previsão para a catástrofe que há muito estava anunciada porque isso serviria para “politizar a tragédia”. Imaginem se o Lula e o PT estivessem à frente da prefeitura e do governo do Estado o quanto estariam batendo, mas como os mandatários são apoiadores do Bolsonaro estão sendo protegidos
Diz a lenda que em 1941 muitas mulheres grávidas ficaram ilhadas e sem condição de receber assistência no parto. Com isso teriam dado à luz crianças com problemas mentais, dando origem à uma expressão típica da nossa cidade: o “abobado da enchente“, usada quando queremos, jocosamente, criticar alguém que fez uma tolice. É evidente que o termo era usado para desqualificar as mulheres que tinham seus filhos sem o auxílio de médicos, assim como tratar a ação dos obstetras como “salvadora”. Bem sabemos o quanto isso está longe da verdade. Há uma outra versão que relaciona o termo ao surto de leptospirose, uma relação direta das enchentes e o contato com a espiroqueta dos dejetos de ratos, mas ainda acredito mais na primeira versão.
Porém, sobra uma verdade invertida nessa história. Na realidade, as enchentes não são capazes de produzir “abobados” como expresso no dito popular. Pelo contrário: por tudo que pudemos ver até agora, “são os abobados que produzem as enchentes”, conduzidos por uma ideologia fracassada que destrói a estrutura de serviços públicos em nome do fortalecimento da classe burguesa, cujo único objetivo é o lucro.



