Minha mãe sempre dizia que as “palavras carregam energia”, mas Freud já dizia isso antes dela. As palavras desnudam nossos conceitos, que por sua vez modulam nossas atitudes. Quando, mesmo há muitos anos durante a residência, um colega me dizia que havia “feito cinco partos no último plantão” aquilo me informava de forma muito clara como era o específico olhar desse profissional sobre seu trabalho. Uma das questões mais delicadas sobre o ofício das doulas (mas também funciona sobre o trabalho de parteiras e médicos) se relaciona com o protagonismo dos profissionais no cenário do parto. Eu conheço muitas doulas que falam exatamente isso que foi dito aqui em cima: “minhas mãezinhas”, “minhas barrigas”, etc., e isso me parece uma necessidade (absolutamente humana, por certo) de ser protagonista do evento, junto com a mãe. Mesmo entendendo essa necessidade eu acredito que tais questões devem ser educadas e controladas em todos aqueles que trabalham com nascimento humano.
Max sempre me disse que “parteiros não devem ser os que brilham, mas os que refletem a luz”. Portanto concordo plenamente com a ideia de que precisamos nos educar para uma essencial humildade sobre nosso papel como cuidadores do parto. E gosto de pensar que quando brilhamos demais sempre é à custa de um desaparecimento da luz que emana de quem está parindo. Claro que muitas vezes o protagonismo dos profissionais é necessário, como no caso de uma medicação adequada ou uma cesariana salvadora. Entretanto, tal expropriação pode ocorrer de forma abusiva, como a alienação que brota de uma cesariana desnecessária e as consequências funestas que ela pode trazer para uma mulher que realmente deseja parir, mas também pode ser através de uma palavra mal colocada que, mesmo sutilmente, desloca a gestante do centro de nossas atenções, retirando dela a liberdade e o poder de tomar decisões.
Por parte dos profissionais de saúde ocorre uma intromissão (sempre bem intencionada, por certo) numa relação que apenas se inicia: a família que se forma em frente aos nossos olhos. Para além das questões relacionadas com a mãe, a construção da paternidade é ainda mais delicada do que a da maternidade, porque nossa (masculina) participação (ao contrário da materna) é dispensável e (portanto) frágil. Dessa forma, por nos faltar a materialidade visceral dessa ligação, ela precisa ser construída pelas palavras. Entretanto, muitas vezes os profissionais de saúde – que deveriam ser elementos facilitadores dessa ligação – funcionam como os principais obstáculos para a elaboração da conexão pai-filho. Se essa intromissão é ruim para a mulher, deslocada do centro das decisões, para o pai pode ter um efeito decisivo e dramático, que poderá se tornar o capítulo final de um afastamento que talvez nunca mais possa ser consertado. Nós, os profissionais da saúde, nos encontramos exatamente no vértice dessa encruzilhada, e temos a possibilidade de levar nossos clientes a uma experiência positiva de ligação afetiva. Todavia, nossas atitudes e nossas palavras podem se tornar desastrosas e produzir marcas profundas de afastamento.