
Eu sei que é piada. Sei que “psicólogos” poderia ser colocado entre aspas. Não quero ser o “problematizador das piadas”. Sei também que entre as pessoas da minha idade é raro ver alguém que não tenha sido submetido a surras ou ao menos umas palmadas, em especial os meninos, já que a cultura dizia que “não se bate em meninas“. (Até nesse aspecto é interessante combater o patriarcado: nesse modelo são os meninos as principais vítimas das sevícias parentais).
Entretanto, não acho mais aceitável a glamorização do espancamento de crianças com a desculpa de que isso produz bons cidadãos, com adequada “castração” e “leais respeitadores das leis”.
O que me deixa abismado é ver a enorme aceitação desse tipo de “pedagogia da violência” entre as pessoas da minha geração. No fórum onde essa imagem foi apresentada a aceitação foi quase unânime. A exceção foi de algumas poucas mulheres que disseram “não apanhei, mas meus irmãos, muito“, e eu.
Crianças que passaram por estas torturas cresceram traumatizados, marcados pela dor, inseguros, raivosos e carregando uma ferida profunda e inconsciente, até porque a fonte de seus males inconfessos é a mesma dos seus amores mais profundos e primitivos, produzindo uma insuportável dicotomia em suas almas.
Crianças que foram surradas por seus pais não são adultos saudáveis; são sobreviventes da dor, cheios de cicatrizes que são obrigados a carregar por toda sua vida. Não há nenhuma razão para se romantizar espancamento infantil, e não é verdade que estes recursos produziram “cidadãos de bem”; sua única função foi criar uma geração de ressentidos que acreditam na violência como solução dos problemas.
Muitas dessas crianças hoje fazem o sinal da arminha ou carregam cruzes flamejantes.
Hoje tenho filhos adultos e netos. E se querem saber, dei palmadas nos meus filhos, mas aprendi que bater em crianças é sinal de fracasso, não ensina nada além de medo, e não produz cidadãos saudáveis e produtivos. Não condeno quem bateu, até porque eu também apanhei; condeno a ideologia da violência banalizada contra os pequenos, como se fosse algo inócuo ou parte do desenvolvimento normal das crianças.