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Assédio

Vou repetir o que já disse em outro lugares, mesmo sabendo que este tipo de defesa é uma trilha fácil para o cancelamento: O ator da Globo, Március Melhem, acusado de assédio por suas colegas de trabalho, é culpado de ser um amigo leal, um excelente profissional, um chefe justo, um parceiro de trabalho correto e um colega em quem se pode confiar. Digo isso depois de analisar pormenorizadamente as palavras das acusadoras e da advogada e de me deter em todas as respostas e provas apresentadas por Március em seu canal no Youtube.

Essas mulheres acreditavam que suas palavras poderiam suplantar os fatos, as provas e as evidências apresentadas. Pior, tinham fé no mito da “palavra sagrada”, ou seja, que qualquer acusação feita por mulheres tem valor de prova, e não precisa nenhuma evidência que a suporte. Esse julgamento público sobre a honra de um sujeito, se viesse a dar ganho de causa a estas oportunistas, geraria um caos jurídico insuportável, criando uma jurisprudência frontalmente inconstitucional que transformaria todo homem em cidadão de segunda categoria e as mulheres em seres acima da lei.

Maíra Cotta, a advogada das acusadoras, colocou essas mulheres – e a si mesma – em um caldeirão infernal do qual não podem mais sair. Estão presas em suas falas traiçoeiras, enredadas nas mais sórdidas mentiras e não tem mais como se livrar das amarras que elas mesmas criaram. Pergunto agora: quem, a partir de agora, poderá confiar nas mulheres que se comportarem dessa forma? Pense nisso… basta namorar uma mulher, apaixonar-se por ela, trocar mensagens de amor, fazer planos, trocar intimidades e, anos mais tarde, depois de uma ruptura amorosa, esta mesma mulher que lhe jurou amor e consideração poderá afirmar que “em verdade durante todo esse tempo fui assediada e abusada, mas na época não me dei conta”.

Ora, como suportar essa absurda insegurança jurídica?? Como aceitar que a palavra das mulheres pode ser mais valiosas do que as provas materiais? Como aceitar que o comportamento das mulheres nunca é responsabilizado, mas o dos homens sempre? Por que ninguém questiona o assédio profissional ao qual Március foi submetido por essas oportunistas? Pelo amor que temos às mulheres, e pela necessidade de proteger as mulheres que realmente sofrem abusos e assédios, este caso deve ser exemplar e emblemático, mostrando que o uso de mentiras e fraudes como ferramenta de vingança pessoal precisa ser duramente reprimido. Este caso, que oportunisticamente se confunde com a “causa” feminista, ao contrário do que pode parecer vai acrescentar mais uma barreira para a contratação de mulheres para as áreas artísticas.

Pensem bem: quem contrataria uma mulher sabendo que ela pode, a qualquer momento, transformar as brincadeiras – que ela mesma propõe e executa – em assédio!!! Quem teria segurança de contratar Dani Calabresa? Quem poderia confiar numa mulher que brinca contigo, te “encoxa“, passa mão no teu peito, manda nudes, te convida para viajar e depois, de um instante para o outro, diz que tudo o que ela fazia há anos era mentira, dissimulação e encenação, porque tudo que sofria, na verdade, era abuso mascarado de intimidade, e que na época não falou porque tinha “medo”? Para estas acusadoras (e a advogada delas), as ações podem ser contraditórias e sem nexo causal algum, pois basta a suposta vítima dizer que se sentia coagida e constrangida (mesmo sem materialidade, como é o caso) para que suas queixas sejam aceitas como válidas. As ações paradoxais destas mulheres apontam o oposto – que elas participavam ativamente dos jogos sexuais e brincadeiras, as quais revelavam intimidade – mas mesmo assim a narrativa delas é levada em consideração, e o homem é mais uma vez colocado como culpado “até prova em contrário”.

Não é possível admitir um relato tão incoerente e oportunista quanto esse. E vejam bem: para criar culpa em Március é necessário acreditar que suas acusadoras são tolas, idiotas, infantis, incoerentes e têm uma sensibilidade de freiras carmelitas, horrorizadas com as “brincadeiras pornográficas” do chefe. Ora, a mensagens de WhatsApp destroem completamente essa perspectiva. Se há lascívia nessa história ela partiu delas, assim como partiu dessas moças o assédio praticado contra ele, claramente para obter vantagens profissionais com a proximidade que elas criavam. Não há dúvida que entre elas não há nenhuma noviça. Espero que a justiça venha, por fim, reconhecer a inocência de Március, em nome dos homens que amam suas mulheres, dos homens que desejam proteger o feminino e das mulheres que amam a verdade.

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Condenações eternas e blindagens

Quem ataca tanto o Cuca não deveria se gastar tanto. Ainda temos o caso do Caetano para ser discutido. Pense apenas no seguinte: em ambos os casos é importante lembrar do conceito de “anacronismo”. Eu disse ambos. Caetano teve relações sexuais com uma menina virgem de 13 anos. Dizer que “a lei na época” era assim é contextualizar no tempo, lembrar que faz 40 anos, que o mundo (e a lei) eram diferentes, etc… Ok, não tenho nada a reclamar desta perspectiva, mas ela só vale para o Caetano? É importante lembrar que o horror que temos hoje das relações sexuais com meninas mais jovens não existia – com a mesma intensidade – nos anos 80.

Enquanto isso…

Caetano Veloso continua blindado; talvez por ser de esquerda, poeta, baiano ou muito delicado, e não um brutamontes ligado ao futebol, como o Cuca. No seu caso foi muito pior: foi crime confesso, quase na mesma época do caso com os jogadores na Suíça. Entretanto, não há sequer inquérito. No caso de Cuca há pelo menos dúvidas e debates. As meninas tinham a mesma idade. No caso de Paula ela ainda era virgem. Por que lançamos sobre os dois casos olhares tão distintos? Quando Olavo de Carvalho chamou Caetano de “estuprador” – algo que todos os lacradores de esquerda fizeram com o técnico Cuca – ele foi condenado a pagar 3 milhões de reais de indenização ao músico – só não pagou porque morreu antes de saldar a dívida. Por que esta seletividade? Por que a severidade com um e a compreensão com outro?

Sabem qual a desculpa usada para o Caetano? Anacronismo. Sim, o fato de julgar um caso ocorrido há 40 anos atrás por valores de hoje. Há 4 décadas ainda havia milhões de mulheres no Brasil que haviam se casado antes da maioridade. Sim, crianças ainda. Muitos dos que estão lendo essas linhas aqui tiveram uma avó ou (no meu caso) bisavó que foi mãe aos 14 anos. Muitos conhecemos mulheres solteiras cujo primeiro filho nasceu quando ela tinha apenas 13 anos. A imprensa – espelho da sociedade – tratou os casos do Caetano e do Cuca como sendo “quase” normais, corriqueiros, da mesma forma como tratava todos os casos dos ídolos do Rock e suas relações com as groopies menores de idade. David Bowie teve inúmeros casos, Mick Jagger também tem vários casos constrangedores. Jerry Lee Lewis casou com sua prima, menor de idade, ainda nos anos 50, e nem precisamos falar de Charlie Chaplin, bem antes. Mas naquele tempo…. quem não? Tais situações eram vistas pela sociedade francamente patriarcal como algo banal. O horror (justo) que sentimos hoje não existia àquela época, da mesma forma como achávamos normais castigos físicos (até violentos e humilhantes) contra crianças.

Chamar de “crime hediondo” é anacronismo. Hediondo é hoje, há 40-50 anos não era. Eu vivi essa época e sei como estes casos eram vistos e tratados. Então, vamos continuar a passar pano pro Caetano Veloso, o estuprador? Ou vamos entender os crimes nos tempos e épocas em que ocorreram? Não me ofende tanto a dureza da pena (no caso de Cuca, a prisão perpétua da opinião pública), quanto o fato de julgarmos delitos iguais como se fossem diferentes.

PS: Antes que digam que estou passando pano digo que hoje estes crimes seriam julgados com uma severidade completamente diferente, com o que concordo. Porém lembrem que os fatos são de quase 40 anos atrás. E “passar pano” é o que se faz com um ídolo de esquerda que agiu da mesma forma e jamais foi punido por isso. Nada justifica olhar para estes casos de forma diversa. Essa escolha que se faz é passional. E longe de mim defender Cuca ou seu atos, mas exijo sobre suas ações algo que é o sustentáculo do direito: a isonomia.

As leis, sobretudo no que diz respeito aos crimes sexuais mudaram dramaticamente nos últimos anos. Um exemplo típico é que o crime de manter relações sexuais com uma menor de idade era “perdoado” se o autor contraísse matrimônio com a vítima. Essa, aliás, é a desculpa de muitos que acusam Cuca para perdoar Caetano – e ainda complementam: “era a lei à época” Todas as legislações no mundo inteiro diminuíram a idade limite. Concluo que existe aqui uma brutal falta de isonomia. Por que um sujeito é massacrado nas redes sociais e o outro protegido? Essa é a questão mais chamativa nesse caso. A prisão perpétua para crimes do passado eu já conhecia, pois é aplicada pelos identitários com o cancelamento, mas a “blindagem eterna” é um fenômeno bem mais curioso.

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Violência e Imprints

Uma pesquisa recente na Finlândia (mas não vejo porque seria diferente no Brasil) mostra que as crianças violentas ou vitimadas pela violência tem uma probabilidade muito maior de se tornarem adultos desajustados e violentos. O primeiro grupo é formado por crianças e adolescentes que foram “saco de pancada” na infância, em especial na escola, aqueles que sofreram bullying, que foram maltratados por serem gordinhos, pequenos, fracos ou pouco “inteligentes”. O outro grupo era o dos seus abusadores, os espancadores, os “bullies“, os “malvadões“, os opressores. O estudo descortina o fato de que tanto os agressores quanto as vítimas de bullying tinham um risco aumentado para crimes violentos, quando comparados às pessoas que não haviam intimidado outras pessoas. O bullying é um assunto de extrema importância, até do ponto de vista da economia dos países industrializados. No Reino Unido 16.000 entre 11 e 15 anos crianças faltam à escola, sendo a principal razão os maus tratos dos colegas, e 78.000 quando o bullying é uma entre outras razões.

Ambos os grupos são marcados pelas duas pontas da violência, seja aplicando-a ou sendo vítima dela; imagina-se que a violência seja replicada nos espancadores pelo gozo recidivante de oprimir e nas suas vítimas pela necessidade de vingança, para limpar de sua história as humilhações do passado.

Mas estas ainda são marcas da infância, do tempo da escola ou do início da socialização. Que marcas ainda mais profundas – que os psicólogos contemporâneos chamam de “imprints” – são produzidas quando a violência ocorre na primeira infância, no período pré-verbal e sendo perpetrada por aqueles que mais confiamos e dependemos, como nossas mães e nossos pais? É lícito imaginar que as cicatrizes dessas experiências precoces são ainda mais profundas e mais facilmente produzem comportamentos violentos, derivados das inúmeras dores recalcadas. Nos últimos cinco anos, 35 mil crianças e adolescentes foram mortos de forma violenta no Brasil, segundo levantamento do Fundo Internacional de Emergência das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. No subgrupo de crianças de 0 a 4 anos ocorreu aumento de 27% nos casos. Em 90% dos casos o agressor é da família. Mas, e os sobreviventes? Que tipo de visão de mundo terá uma criança que sofreu agressões durante o período mais frágil de sua vida e ainda por intermédio das pessoas que mais deveriam cuidá-la e protegê-la? Isso sem falar das agressões tão precoces que são capazes de transformar a chegada a este mundo em um trauma poderoso – as violência no parto.

Apesar disso, em uma pesquisa de 2020 realizada com 7038 cuidadores de crianças de 0 a 5 anos residentes em 16 municípios cearenses, incluindo a capital, Fortaleza 84% dos pais acreditam que os castigos físicos e gritos (ou ambos) são importantes e necessários para a educação de crianças. Uma fração enorme dos pais e cuidadores de crianças desta região acreditam na violência como método pedagógico necessário para colocar as crianças no caminho. Acreditam mesmo que a violência, por produzir resultados imediatos como o silêncio e a obediência, seriam capazes de moldar o caráter das crianças, quando na verdade apenas desenvolvem personalidades cujo medo é o sentimento preponderante e a violência sua reação mais natural. Resta-nos questionar como se contrapor a essa proposta, tão arraigada em nossa cultura, que conecta educação e caráter com violência física e psicológica em crianças.

Com o fenômeno do crescimento de organizações de extrema direita fascista no mundo inteiro – onde o estímulo ao armamento e à violência faz parte do ethos desses grupos – é importante questionar de onde estes jovens retiram material subjetivo para sustentar estas ideias. Outro fato marcante é a presença de pessoas de terceira idade nos “acampamentos” em frente aos quartéis pedindo aos militares a decretação de uma nova ditadura. Homens e mulheres de 60-70 anos que certamente foram educados com a severidade das surras, das humilhações e dos castigos, e que hoje afirmam impávidos nas redes sociais “apanhei muito, mas não virei marginal”. A resposta talvez esteja nesta violência muito precoce que sofreram ou impuseram, que ao criar este “imprint” na tessitura maleável da alma infantil, faz desabrochar na juventude e início da vida a opção pela violência física e moral.

Não lhes parece?

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Jesus e Charles Bronson

Existe um caloroso debate acerca dos fatos acerca da vida de Jesus de Nazaré, isso porque os indícios de sua existência real não são conclusivos e não conseguem convencer os estudiosos mais céticos. Presume-se, entretanto, que esse personagem foi apenas um entre mais de 400 conhecidos e autoproclamados “Messias” da Palestina no período de dominação de Roma, cujo objetivo principal era tão somente libertar o povo miserável da Palestina do jugo do Império. Todos eles, inclusive o filho de José e Maria, falharam de forma inquestionável e foram sacrificados por seus dominadores. Jesus sequer foi o mais importante em sua época; como diz Reza Aslan, autor do livro “Zelota” que busca analisar os passos deste galileu que teria vivido entre nós há cerca de 20 séculos, “tivéssemos jornais diários naquela época é bem possível que sua execução ocupasse tão somente uma pequena nota no pé da página policial“.

Por outro lado, sabemos bastante sobre o Jesus mítico, por certo, mas ao analisarmos sua existência através dos textos bíblicos é possível encontrar em sua trajetória uma variada compilação das crenças da sua época, uma mistura rica de tradições de várias partes do mundo antigo, desde tradições egípcias, gregas e romanas até persas e babilônicas. Do ponto de vista histórico o Jesus “homem” é uma curiosidade que dura quase 2 mil anos, mas o filho de Deus foi uma criação coletiva que se adaptou às necessidades humanas do tempo em que foi forjada.

Minha percepção é que o “Jesus histórico” realmente existiu e era o que se pode chamar hoje de um reformista do judaísmo, alguém que desejava a transformação da religião judaica por dentro, um judeu falando das crenças judaicas exclusivamente para judeus, visto que Jesus nunca se referiu a outro povo que não o seu durante toda a sua vida. A ideia de levar sua mensagem aos gentios nunca foi dele, mas de seu seguidor Paulo de Tarso. Assim, o cristianismo tal qual o conhecemos, é uma mistura do apóstolo visionário Paulo com a incorporação desta religião pelo Império Romano do Oriente, através de Constantino, mas quase nada tem a ver com o revolucionário libertador que porventura tenha caminhado pela Palestina.

Inobstante os acalorados debates sobre a figura de Jesus, muito mais importante do que a descoberta desse sujeito que perambulou pela aridez Palestina há 2000 anos é a sua mensagem. Para um observador isento de preconceitos, é fácil perceber que as histórias da Bíblia precisam ser entendidas através de uma exegese profunda e sofisticada, olhando para os fatos narrados como ensinamentos e metáforas que carregam valores e ideias, e não como a descrição factual de acontecimentos. Essa é a essência dos livros “sagrados”, e por isso eles sobrevivem por milênios. Desta forma, o que se encontra na Bíblia, no Corão e no Bhagavad Gita não pode ser alvo de uma leitura histórica, fundamentalista e literal – pois isso seria uma perversão do sentido original de sua escrita – mas de um mergulho profundo nos valores e signos de sua época, para que possa ser entendido em seu contexto e significado profundos.

É por isso que durante minha vida inteira sempre tive um dúvida sincera: será que o Papa ou membros dos altos círculos da Igreja acreditam mesmo nesses milagres descritos no velho e novo testamentos, na multiplicação de tilápias, na transformação de água em vinho, na concepção virginal da mãe de Deus, no Cristo redivivo ao terceiro dia, nas curas, etc? Ou será que eles sabem – por serem homens de rara erudição – que tais descrições bíblicas não passam de belas alegorias, ficções escritas mais de um século após decorridos os fatos, exemplos de vida, valores morais, metáforas e histórias cheias de ensinamentos que servem apenas para oferecer um sentido ao caos da existência, mas que por sua força coercitiva e de coesão social funcionam como um cimento cultural poderoso para a formação de identidades?

Este dilema dos poderosos que controlam o cristianismo sempre me faz lembrar um filme do anos 80, um épico de extrema direita chamado “Desejo de Matar”, com Charles Bronson. Depois de ver a esposa sendo morta e a filha estuprada por um grupo de bandidos (claro, todos imigrantes escurinhos e latinos) o heróis vingador do filme resolve se vingar dos elementos que produziram sua desgraça pessoal. Movido por um ódio imparável, e sendo um veterano da Guerra da Coreia, ele conhecia “as manhas” do ofício de matar, mas teve agir à margem da lei. “Desejo de Matar” foi um dos mais importantes filmes do gênero “vigilante”, sujeitos que tomam a justiça pelas próprias mãos por reconhecerem a incapacidade do sistema judiciário de livrar a sociedade dos maus elementos. O filme, como se pode facilmente apreender, é um libelo fascista, que descreve a luta de “gente de bem” contra vagabundos que invadem e promovem a degenerescência dos valores americanos. Depois de muito treinar com a ajuda de um amigo ele encontra os meliantes e se inicia uma carnificina. Na luta, mesmo ferido, ele consegue matar um a um todos os criminosos e consumar sua vingança, até ser pego pelos seus policiais que estavam à caça do “justiceiro”

No hospital acontece a fala mais brilhante do filme. Os oficiais da polícia confidenciam a ele que houve uma diminuição significativa na taxa de crimes desde que ele iniciou sua busca por vingança. Sua prisão, portanto, de nada serviria à polícia. Os criminosos da cidade estavam com medo do “vingador”, e por isso refrearam suas intenções criminosas. Por este fato, os tiras decidiram se calar e não revelar publicamente sua prisão, preferindo deixar o mito vivo e à solta. Assim, ele foi avisado que nenhuma queixa seria dada e que poderia voltar para casa, desde que abandonasse a cidade para nunca mais voltar.

Ou seja: apesar de ser um criminoso ele cumpriu a importante tarefa de estancar a sangria de crimes na cidade. Um delinquente, um assassino frio e violento, um justiceiro cruel e um animal ferido, mas que cumpriu uma importante função social – a eliminação de vários criminosos e a instalação de um clima de medo entre os que ficaram. Como é fácil perceber, um filme típico da sociedade americana dos anos 70, assustada com o índice de criminalidade urbana, que pretendia justificar a violência tratando os policiais como heróis e os criminosos como uma casta de perversos e degenerados, acusando as leis de apenas ajudarem os meliantes e limitarem a ação da justiça. Suco de fascismo concentrado.

Aqui é que eu estabeleço minha analogia: Não estaria o Papa diante do mesmo dilema? “Eu sei que tudo isso é mentira, que são apenas histórias, que nada é passível de confirmação. Sei também da história terrível da Santa Sé, dos seus delitos horríveis, do poder e da corrupção. Sei dos malfeitos repreensíveis que colorem de sangue sua história. Todavia, reconheço a importância que estes mitos desempenham na coesão dos fiéis, em nome da Santa Igreja, de Jesus – o Cristo, e da Santíssima Trindade. Por entender isso, melhor calar-me diante do que sei, vejo e sinto. É melhor manter o mito vivo e à solta, porque isso exerce um controle moral sobre o rebanho“.

Não parece uma ideia justa?

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Séries Gringas

As séries americanas dos anos 60 e 70 que eu assisti na infância sempre passaram pano para o genocídio americano das população nativas, que veio associado à “Corrida do Ouro”, fluxo de deslocamento em direção ao pacífico anterior à guerra de secessão na segunda metade do século XIX. Entre os programas que eu assistia estavam Daniel Boone, Rin Tin Tin, Os Pioneiros, O Último dos Moicanos e muitos mais, sem mencionar os inúmeros filmes com John Wayne, Audie Murphy, Clint Eastwood, Randolph Scott, Glenn Ford, Lee Van Cleef e outros tantos artistas famosos de “bang-bang”, ou “western”. Todos eles poderiam ser caracterizados como filmes criados para a “exaltação da cultura branca europeia”.

Estas criações de Hollywood tinham como objetivo principal descrever os invasores brancos como “bravos e heroicos”, mas também para estereotipar os índios como violentos e traiçoeiros, ignorantes e bárbaros, ou para apresentar sua versão “civilizada”: o “bom índio”, que se tornou pacífico, subserviente, obediente e servil. Mingo (Ed Ames), o companheiro índio de Daniel Boone (Fess Parker) é o melhor exemplo de “índio bonzinho”.

Estas produções de Hollywood formaram toda uma legião de espectadores – toda a minha geração, que brincou de “Forte Apache” – manipulados pela visão colonialista americana, que escondeu durante mais de um século a barbárie e as matanças da “conquista do Oeste”.

Hoje, o que me resta é sentir vergonha de não ter percebido na época a maquiagem vergonhosa que impuseram à realidade…

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The Root of all Evil

I am sorry to say that right after another mass shooting in USA, but it’s obvious that this country is doomed, and the cause is capitalism and the focus on absolute autonomy of the self. How many more shootings are necessary for americans to understand that this is a systemic disease of american culture, and not a bunch of crazy individuals holding guns?

There’s no penal system big enough to jail all potential shooters in a country that creates a few billionaires while produces a growing population of poor and desperate people. Capitalism is the root of all evil. Without challenging the core of your inhumane system all you can do is weep and count the corpses.

Sorry, again, for your loss….

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A Maçã e o Toca-fitas

Uma menina viciada em drogas foi morta em 1995 ao tentar furtar um toca-fitas de um carro, provavelmente para dar sustento à sua dependência. O matador desferiu 10 tiros de uma sacada no 12o andar de um prédio em frente ao testemunhar a tentativa de furto. Um dos tiros a atingiu nas costas, matando-se na hora. Essa fatalidade voltou a ser debatida nos jornais e uma matéria surgiu no UOL.

A estupidez maniqueísta que atinge boa parte da classe média – e de boa parte do judiciário – não leva em conta algo que seria até simples de entender, não fosse o emburrecimento determinado pelo punitivismo tacanho da mentes mais atrasadas: um sujeito pode ser vítima e algoz ao mesmo tempo, na mesma ação, no mesmo momento.

Cristiane Gaidies, Maçãzinha – a menina que foi morta – era vítima de sua doença (a drogadição) e de uma condição social brutalizante e desumana (pessoa em situação rua). Não há dúvida sobre essas condições, onde ambos os condicionantes surgem de uma situação econômica e social perversa, que produz “sujeitos-lixo”, descartáveis e inúteis. Maçãzinha era uma das milhões de vítimas do capitalismo que, para gerar opulência, luxo e conforto para uma parcela diminuta do mundo precisa manter uma gigantesca massa de deserdados date que a sustenta. Por outro lado, Maçãzinha estava realmente cometendo um crime de furto, provavelmente para sustentar seu vício. Não é difícil entender que ela era vítima e ladra, ao MESMO tempo.

Por seu turno, o sujeito que desferiu os tiros também foi vítima e carrasco na mesma ação. No caso, foi vítima de roubo, mas foi um carrasco brutal em sua ação de retaliação e/ou proteção da propriedade, agindo de forma absolutamente desproporcional e desumana. Da mesma maneira os policiais que mataram Genivaldo – por estar sem capacete, uma contravenção de trânsito – também usaram de força desmedida combinada com uma crueldade acima de qualquer dúvida. Genivaldo foi sacrificado pelo delito banal de não usar capacete.

O assassino de Maçãzinha hoje é advogado em SP

Existe um preceito claro nos sistemas jurídicos de todo o mundo que nos diz que “a pena não pode suplantar o delito”. Uma vida não pode ser perdida ou descartada por um toca-fitas, um prato de comida, um saco de batatas ou um automóvel. Coisas são passíveis de reposição, vidas jamais. Aceitar que uma jovem seja morta porque “afinal, estava furtando”, é deixar-se submeter a uma lógica da vingança, do vale-tudo, do “olho-por-olho” e uma regressão medieval, que só pode surgir em sociedades doentes.

Sem que possamos entender este dilema não haverá possibilidade de evoluir enquanto sociedade. Ela nos divide entre os que não têm e os que têm, e estes últimos teriam o direito até de matar para garantir suas “coisas”, suas propriedades, até porque nessa lógica desumana as coisas se sobrepõem às vidas, e sobre elas tem precedência. Um sistema assim construído leva ao desastre. Com o tempo, despojados do valor intrínseco de sermos humanos, o ódio nos fará reagir, bastando para isso uma faísca que detone a pólvora da indignação e das humilhações silenciosas.

Indignar-se com crimes absurdos como esses – de Maçãzinha e Genivaldo – não é suficiente, mas banalizá-lo é o roteiro para uma convulsão social.

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O Império apodrecido

Uma coisa que me chama a atenção nas guerras em que os Estados Unidos estão envolvidos é a ação da imprensa corporativa americana – controlada pelo próprio governo – de disseminar a ideia na população de que os inimigos da América são bárbaros, animais e, acima de tudo, pervertidos, que atacam a luz da civilização que os Estados Unidos representam.

Por certo que não é nenhuma novidade que os Impérios produzam uma visão diminutiva de seus inimigos através do recurso do etnocentrismo. Há muitos anos que a política e o cinema americanos produzem em suas manifestações e filmes a ideia de que os países que cercam Israel são bárbaros, com costumes inaceitáveis, retrógrados e medievais. Descrevem a colônia europeia invasora da Palestina como uma “cidade no meio da selva”. A ideia, como sempre, é justificar a barbárie do apartheid, da limpeza étnica, dos massacres, das torturas e das prisões arbitrárias como uma “luta civilizatória”, em que de um lado estão as luzes da razão e do outro a selvageria de povos incultos e violentos. Nada de novo desde as Cruzadas…

Na guerra contra a Ucrânia a narrativa volta como um script que se repete de forma enfadonha, onde os russos que invadiram o país vizinhos são descritos como estupradores e assassinos de crianças, fazendo com que essa perspectiva seja repetida em múltiplos portais de notícia obedecendo a lógica de Goebbels, de que “uma mentira repetida centenas de vezes torna-se verdade”. Assim vemos por toda parte notícias de estupros cometidos por soldados russos, como na BBC e no Washington Post, tendo como característica as denúncias sem comprovações, os relatos unilaterais e as descrições vagas. O próprio governo da Rússia denunciou que estas acusações, como sempre acontece nos teatros de guerra, são criações, mentiras grosseiras criadas para desumanizar o inimigo e permitir que atrocidades sejam cometidas contra eles.

A verdade, entretanto, é bem diferente desta peça publicitária apresentada pelo governo americano através das mídias corporativas que controla. Em outubro de 2021 o New York Times publicou uma reportagem com o chamativo nome “A Poison in the System: The Epidemic of Military Sexual Assault”, ou “Um veneno no sistema: a epidemia de abusos sexuais nas Forças Armadas”. Nesta matéria fica claro que existe uma epidemia que ocorre por dentro das Forças Armadas Americanas no que diz respeito aos abusos sexuais cometidos por soldados americanos contra seus próprios parceiros de armas. Por certo que, apesar de as mulheres serem apenas 16.5% do contingente, elas são as grandes prejudicadas, mas também homens são vítimas deste tipo de violência. Uma de cada quatro mulheres nas forças armadas sofreu algum tipo de abuso, enquanto mais da metade sofreu assédio, de acordo com uma metanálise de 69 estudos publicadas no jornal “Trauma, Violence and Abuse” em 2018. (Para uma análise interessante sobre o tema indico o documentário “Invisible War” de Kirby Dick, que pode ser visto no YouTube).

Como sabemos, as acusações de abuso sexual são de difícil comprovação e no ambiente militar não poderia ser diferente. Mais do que isso, os números oficiais são grandemente subestimados, pois existe nas Forças Armadas a ideia de que ser vítima de um abuso significa submissão e fragilidade. O maior obstáculo é o medo das repercussões pessoais, o que certamente prejudicará a própria carreira militar, principalmente se quem fez a acusação tem dificuldades para comprová-la. Num ambiente altamente competitivo como o exército poucos aceitam este rótulo e as violências são muitas vezes mantidas em segredo. No ano de 2020 houve 6.200 relatórios de abuso sexual nas forças armadas americanas, mas apenas 50 casos (0.8%) levaram a algum tipo de condenação. Após as acusações de torturas e assassinatos na prisão iraquiana de Abu Ghraib, outras graves acusações de crimes contra os direitos humanos emergiram para a imprensa e para o judiciário americano, envolvendo o estupro de 100 militares americanas no Afeganistão recentemente, o que nos deve fazer pensar em qual número de violações poderíamos pensar para a população subjugada pelo exército americano.

Diante dessa realidade é lícito perguntar: se os soldados americanos violam e abusam de suas(seus) próprias(os) parceiras(os) imaginem o que estes soldados fazem nos territórios invadidos e arrasados pelo Império. É lícito imaginar o que esses psicopatas fizeram com mulheres e crianças quando invadiram o Afeganistão, Iraque, Líbia, Síria, Vietnã, Coreia e muitos outros. Se estes sujeitos atacam suas colegas correndo o risco de uma corte marcial e até a prisão, imaginem o que fizeram na perspectiva agir em uma terra sem lei, onde a simples vontade de um combatente, combinada com a negligência dos comandantes, pode significar os mais terríveis abusos.

Nos últimos anos, e principalmente após a saída das tropas do Afeganistão, várias reportagens foram feitas sobre os abusos das tropas americanas ocorridas neste país montanhoso. Muita ainda há que se descobrir pois, por certo, existem crimes hediondos que estarão encobertos do público em geral. Se é possível inventar crimes para desumanizar os oponentes e inimigos, por que não seria igualmente possível encobrir tudo de hediondo que existe nestas invasões? A verdade é que as Forças Armadas americanas ignoraram as acusações de abusos sexuais contra crianças afegãs por anos, colocando um manto de invisibilidade sobre os relatos, em especial os estupros seguidos de morte cometidos contra meninas.

Pelo histórico de abuso das forças armadas do Império fica fácil diagnosticar as recentes acusações contra as tropas russas como uma projeção das sombras mais escuras e tenebrosas da dominação americana pelo mundo. A ideia de acusar os inimigos de atrocidades e violações graves dos direitos humanos mais parece um movimento exonerativo, a tentativa de colocar a pior parte das próprias perversidades, aquelas mais moralmente condenáveis, naqueles a quem se combate.

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Mendigos

No Brasil do BBB o caso do morador de rua que foi espancado por ter sido flagrado mantendo relações sexuais com a esposa de um personal trainer virou assunto nacional. Inúmeros memes e piadas pipocaram nas redes sociais. Muitas pessoas encontram no inusitado da situação uma forma de entretenimento sarcástico, não se importando com o sofrimento das pessoas envolvidas. Eu acabei assistindo alguns poucos minutos da entrevista que o morador de rua deu para um podcast na internet, e em função do que vi gostaria de fazer algumas considerações.

É consenso entre os profissionais da área que a maioria dos pessoas em situação de rua (este é o termo mais correto) no Brasil não estão nessa condição pela pobreza, pela falta de moradia ou pela escassez absoluta de recursos, mas por um conjunto de fatores (que podem incluir estes determinantes sociais) onde a doença mental desempenha um fator preponderante.

“(…) para Botti et al (2009) o maior problema da área da saúde, que atinge os moradores de rua, refere-se ao sofrimento mental, como: dependência de álcool e drogas em geral e ainda neuroses e psicoses. No que concerne as pesquisas divulgadas, Montiel et al (2015) destaca-se os padrões de personalidade com maiores alterações em moradores de rua, são eles Paranoide, Antissocial, Histriônico e Esquizotípico, bem como, a prevalência de transtorno antissocial.  Pesquisas americanas, ressaltadas por Montiel et al (2015) indicam que cerca de 90% dos moradores de rua receberam um diagnóstico psiquiátrico, onde predominaram transtornos clínicos e da personalidade em padrões Esquizoides, Borderline e Dependente, Psicose e uso de álcool, assim como, esquizofrenia, no Reino Unido (TIMMS E FRY, 1989; FAZEL et al., 2008; BASSUK, RUBIN E LAURIAT, 1984; apud BOTTI et al, 2009, MONTIEL et al., 2015). Já as pesquisas brasileiras realizadas no Rio de Janeiro e Niterói, citadas por Botti et al. (2010) mostra a presença de distúrbios mentais maiores (22,6%), esquizofrenia (10,7%), depressão maior (12,9%), déficit cognitivo grave (15%) e abuso/dependência de álcool (44,2%). Botti et al (2010) salienta que os distúrbios mentais maiores aparecem com maior prevalência em homens solteiros em situação de rua.” (veja o estudo completo aqui)

Não sou psiquiatra, nem da área da saúde mental, mas ao escutar por um período curto o discurso do morador de rua ficou claro para mim que ele parece sofrer de algum desequilíbrio psiquiátrico. Sua descrição pormenorizada e detalhada da relação sexual mantida – verdadeira ou fantasiosa – lembra muito os relatos de psicose onde ocorre uma deserotização do corpo, que aparece na narrativa como “corpo real”. A forma como descreve o encontro parece de alguém que conta uma história de ficção, como um delírio, mas reconheço que não tenho como avaliar o quanto de realidade existe em sua narrativa.

Diante da suspeita de que esse morador de rua possa estar delirando eu creio que dar voz a um sujeito possivelmente doente, para descrever uma cena que constrange esta mulher e a sua família, me parece eticamente inaceitável. Eu diria o mesmo se não houvesse a suspeita de que ele é psicótico, mas minha rejeição se reforça diante de tantas sugestões para a existência desse distúrbio.

Sobre a moça existem duas possibilidades básicas, já que uma terceira – que ela tenha agido sob coação – foi rapidamente descartada, e por ela mesma. A primeira é que se tratava de uma fantasia sexual, o interesse pelo sujeito da rua, que teria lhe dito ou feito algo que despertou seu desejo. Diante da descoberta do seu ato, ela teria usado a desculpa de um surto para tentar justificar o ocorrido. Essa é uma explicação possível, e sua internação na ala psiquiátrica do hospital teria ocorrido para reforçar a tese da perda abrupta de contato com a realidade.

A outra possibilidade é que tenha realmente ocorrido um surto, e que suas atitudes tenham sido guiadas por uma determinação do inconsciente, pelo descontrole do seu aparelho psíquico em controlar tais impulsos. Tudo que ocorreu entre ela e o morador de rua esteve sob o domínio dessa condição psíquica alterada. Ela estaria, portanto, incapaz momentaneamente de tomar decisões sobre si mesma e seu corpo. Esta segunda hipótese também é possível, e nesse caso teríamos uma ou as duas pessoas envolvidas no caso relacionadas com a doença mental. É possível que o morador de rua tenha condições crônicas – a esquizofrenia e o alcoolismo – e a moça um quadro subjacente agudizado – o surto – que fez com que se encontrassem naquela fatídica noite.

De qualquer maneira não acredito que esse caso deva ser usado da forma sensacionalista como estão fazendo alguns programas na Internet. Expor as vítimas dessa maneira cruel me parece inaceitável. Eviscerar a ambos em praça pública e, pior ainda, tratar esse rapaz como “herói”, ou “mendigo galanteador” é injusto e ofensivo com a moça, que pode estar padecendo também de uma doença psíquica grave. Espero que ela possa se recuperar do trauma e, caso seja mesmo diagnosticada com a doença psíquica que aparenta ter, que tenha o direito à privacidade e ao tratamento adequados. Acredito que o verdadeiro “mendigo” dessa história é esse jornalismo miserável, que explora da maneira mais sensacionalista os fatos, expondo de maneira abusiva a intimidade de pessoas, solapando a privacidade de pessoas que podem ter agido condicionadas pela doença mental.

Quanto ao morador de rua, que ele possa se cuidar e que seja tratado pelo que é: alguém doente que precisa de ajuda e não como exemplo, e que se afaste de qualquer exposição ou exploração de seu nome para a política, como tem sido aventado nos últimos dias.

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Notícias da Guerra

Pelo que escutei hoje as tropas do exército vermelho estão a 15 km da Praça Maidan. Creio que Putin está esperando um aceno de Zelensky, e por isso a chegada a Kiev parece progredir em câmara lenta. Mas concordo com John Mearsheimer: “se for necessário – na perspectiva russa – os exércitos entram em Kiev e colocam tudo abaixo”. E isso está no DNA de um país que passou por invasões e ameaças durante séculos. Putin não vai deixar um novo Fuhrer se criar na casa ao lado.

É só uma questão de tempo a queda de Kiev, mas creio que a Rússia se preparou muito para as sanções. Putin sempre teve isso no horizonte. Para a Rússia a questão da Ucrânia é uma ameaça à sobrevivência da nação russa, e por isso o arsenal nuclear foi colocado em alerta máximo. Como disse o professor John Mearsheimer (veja aqui sua excelente análise), não havia escolha a não ser a invasão e a destruição do arsenal militar da Ucrânia. E sobre as sanções… quem vai perder mais? A Europa ou a Rússia? Se estas sanções não derrubaram Cuba, Nicarágua, Coreia do Norte ou Irã, porque iriam derrubar a Rússia?? É apenas um castigo cruel dos feitores americanos punindo o que acreditam ser seus vassalos rebeldes.

Por outro lado, ainda vejo pessoas insistindo em debater a crise do leste europeu pelas lentes da “esquerda x direita”. Ora gente… são dois governos de direita se digladiando ferozmente!!! Não podemos entrar nessa fantasia de direita contra esquerda. Essa guerra não tem nada a ver com essas ideologias. A Ucrânia seria igualmente invadida se fosse comunista e estivesse ameaçando a Rússia dessa forma.

“Ah, mas não havia sinal algum de que a Ucrânia seria uma ameaça à Rússia. Por que a OTAN haveria de invadir ou ameaçar um país gigante como a Rússia?”

Ora, basta perguntar para Napoleão, as dez nações que invadiram a Rússia durante a Guerra Civil para auxiliar os mencheviques contrarrevolucionários. Podemos também perguntar quais os planos de Hitler e porque desfez o pacto Molotov-Ribbentrop para dominar os recursos – em especial o petróleo – da Rússia.

Se não fosse para ameaçar a Rússia, qual seria a razão de expandir as fronteiras da OTAN? Se não fosse para cutucar o urso no olho, porque as ameaças? Por que Zelensky falou explicitamente em colocar armas nucleares da OTAN em seu território? Por que a idolatria a figuras como Stepan Bandera, um colaboracionista nazi, e os símbolos do III Reich que enfeitam até os shoppings de Kiev?

E por que agora passamos a falar de “expansionismo russo” se jamais usamos este termos para as mais de duzentas invasões americanas nos últimos 70 anos? Quando os gringos invadiram o Panamá e sequestraram seu presidente, chamamos a isso de “expansionismo americano”? Por que – mais uma vez – dois pesos e duas medidas?

A Rússia não vai anexar a Ucrânia, pois isso seria uma estupidez, e os russos não são burros. A campanha russa é para criar um “buffer”, uma zona neutra desmilitarizada, e para desnazificar esse país, lotado de fascistas e nazi-lovers declarados. É exatamente por isso que, ao contrário de todas as invasões do Império (inclusive na Iugoslávia) não houve uma destruição massiva do país. Na Ucrânia não está ocorrendo nenhum abalo nas cidades, apenas de alvo militares – e, por certo, algumas adjacências, mas o número de mortos desta guerra é menor do que um fim de semana de carnaval nas estradas brasileiras. O objetivo da incursão russa é limpar, não destruir o país.

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