Ciência como Religião

Pois, na vigência da pandemia, eu me vejo cada vez mais fã do Giorgio Agamben. Há mais de 15 anos eu dizia que a “ciência ocupa o lugar deixado vago pela religião no imaginário social”, querendo dizer que a maneira como clamamos hoje pela ciência muito se assemelha à forma ritualística e desesperada como pedíamos a intervenção divina para a superação de crises sanitárias e tragédias no passado.

Aliás, aqui mesmo no Facebook vejo clérigos e bispos desta religião moderna todos os dias fazendo pregações, conclamando fiéis e exortando a que participem de suas cruzadas. Como em qualquer religião, a Verdade lhe cabe completamente na palma das mãos, não restando espaço para a mínima dúvida. Como em todo sistema de crenças a Verdade é fortalecida pelas insígnias e pelos argumentos de autoridade em profusão. É preciso prestar reverência aos seus apóstolos, não deixar margem à dúvida e reconhecer a sacralidade de suas palavras.

Como diz Agamben, “Se essa prática cultural foi até agora, como qualquer liturgia, episódica e limitada no tempo, o fenômeno inesperado a que estamos testemunhando é que ela se tornou permanente e onipresente. Não se trata mais de tomar remédios ou de se submeter quando necessário a uma consulta médica ou a uma intervenção cirúrgica: toda a vida do ser humano deve tornar-se a todo instante o lugar de uma ininterrupta celebração cultural.”

Curiosamente, assim como Agamben fala do descaso com as doenças vasculares – que poderiam ser diminuídas caso o Estado obrigasse as pessoas a uma dieta saudável – a religião médica pouco se esforça no sentido de obrigar este mesmo Estado a tratar as causas da tuberculose, que a cada ano mata 1.5 milhão de pobres e subnutridos, em especial na África. Fica claro que esta religião parece se preocupar muito mais quando as doenças atacam brancos e de classe média.

Ainda Agamben: “No Ocidente moderno conviveram e em certa medida ainda convivem três grandes sistemas de crença: o cristianismo, o capitalismo e a ciência. Na história da modernidade, essas três “religiões” se cruzaram necessariamente em diversas ocasiões, entrando por vezes em conflito e em seguida se reconciliando de diversos modos, até alcançarem progressivamente uma espécie de pacífica, articulada convivência, quando não uma verdadeira e peculiar colaboração em nome do interesse comum.”

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