Minha discordância com a famosa frase de Alan Kardec sobre a “salvação”. Minha versão é esta:
“Enquanto houver caridade, não haverá salvação.”
A caridade é o subproduto da perversidade social. A caridade é a face sorridente da iniquidade e da injustiça social. A caridade é a estratégia que os ricos usam para aplacar suas culpas. O “caridoso” e o filantropo são, via de regra, sujeitos culposos que acumularam riqueza através da exploração do trabalho alheio. A caridade é sempre vexatória e humilhante para quem a recebe. Ninguém deveria receber pela caridade o que deveria ser o justo pagamento pelo seu trabalho. E mais: a caridade floresce onde existe miséria, escassez e concentração obscena de riquezas. A caridade, desta forma, é a medida mais adequada para o fracasso civilizatório.
Não estou me referindo, por certo, à caridade que pode ser traduzida por amor ao próximo ou fraternidade (de frater, irmãos, portanto iguais). A caridade que me refiro – e o cristianismo também – é aquela que nos estimula a oferecer o que se tem aos necessitados. Essa é, sem dúvida, um sinal inequívoco de injustiça social. Ao invés de construir uma sociedade com equilíbrio, onde inexista a disparidade obscena de riquezas e poder, estimulamos àqueles privilegiados a doar algumas migalhas de suas fortunas – normalmente conquistadas pelo trabalho árduo dos outros, muitos deles os próprios pobres a quem ajudam.
A caridade cristã é “…é difundida como um dever cristão, uma ação que se expressa na experiência da solidariedade em relação ao outro que se encontra em situação que lhe impossibilita garantir sua condição mínima de sobrevivência”.
Segundo a igreja católica, a caridade pode ser entendida como:
1) Dar de comer a quem tem fome; 2) Dar de beber a quem tem sede; 3) Vestir os nus; 4) Dar pousada aos peregrinos; 5) Visitar os enfermos; 6) Visitar os presos; 7) Enterrar os mortos.
Nada disso seria necessário em uma sociedade justa. Essa caridade apenas existe pela nossa ganância e pela incapacidade de elaborar uma estrutura social em que ela seja dispensável.
Cristo não criou uma religião, muito menos Leon Tolstói ou Maradona, mas três igrejas se ergueram em seus nomes. Religião é o que os outros fazem do pensamento e das obras de alguém. O mesmo aconteceu com o pensador francês Hippolyte Léon Denizard Rivail, também conhecido como Allan Kardec. Na minha perspectiva – e na de Kardec, que explicitamente negava que o espiritismo fosse uma religião – uma religião é uma ideologia que nos aparta das demais. Por isso se usa a palavra “seita”, um termo que deriva do latim “secta” cujo significado é “seguidor”. O termo é utilizado para designar um grupo numeroso de uma determinada corrente religiosa, filosófica ou política que se destaca da doutrina principal. Sectário é um termo que designa o indivíduo que faz parte de uma seita. Uma seita pode também ser considerada uma “divisão”, “partido” ou “facção”.
Kardec não desejava nada disso. Ele era um homem de ciências e queria demonstrar a sobrevivência do princípio espiritual, a comunicabilidade entre os planos, a evolução e a reencarnação como sistemas pedagógicos espirituais. Em verdade, o espiritismo é apenas isso e Kardec tão somente desejava que o espiritismo fosse um suporte para todas as religiões. Na sua visão seria absolutamente razoável a existência de um católico espírita, um budista espírita, um muçulmano espírita e até um ateu espírita – se for possível negar a existência de Deus mas aceitar as outras leis naturais que o espiritismo defende.
Tornar-se uma religião formal foi, entretanto, algo inevitável para o espiritismo. Não haveria como o espiritismo nascente no Brasil – a grande nação espírita do mundo – não estabelecer um sincretismo com o cristianismo do país. De certa forma quando Kardec (ele mesmo um católico) escreveu o “Evangelho segundo o Espiritismo” criou uma conexão indissolúvel com a religião e suas inevitáveis pregações morais. Nem Kardec conseguiu evitar isso, mas em um mundo ideal, o espiritismo poderia ficar alheio às questões morais. Isso jamais ocorreu, e as palavras de um espírita são facilmente confundidas com qualquer cristão deste país. O espiritismo se tornou uma seita cristã reencarnacionista com os mesmos vícios moralizantes das outras religiões ligadas à figura de Cristo.
Para mim esta ligação com a “moral” e com o cristianismo aprisiona o espiritismo. Seria muito mais interessante que fosse livre, laico, despregado do catecismo carola das religiões. Sendo uma filosofia e uma ciência sem vinculação com preceitos morais ele estaria muito mais próximo de atingir seus altos objetivos. Porém…. admito que minha posição é contra hegemônica e pouco popular. Existe muita cristolatria no espiritismo, e uma necessidade de criar normas para regular o comportamento das massas. Como toda religião o faz.
Não vi e nem quero ver o vídeo do Dalai, mas vamos combinar que, a despeito do que ocorreu, esse é um personagem que foi exaltado pelos Estados Unidos como parte de uma propaganda anti-China. Não há – e nunca houve – nada de muito especial neste personagem. Quase tudo o que se diz sobre ele faz parte de uma narrativa construída para tratar os chineses como vilões e o pobre Dalai como uma vítima dos malvadões comunas.
“O XIV Dalai Lama é um anticomunista ferrenho que herdou o trono do território do Tibet e criou a resistência pró-imperialista a partir do Chushi Gangdruk, uma milícia guerrilheira apoiada pelo governo fantoche chinês de Chiang Kai Chek e o partido vassalo Kuomintang (partidos que se refugiaram na ilha de Taiwan). O “pacifista” Dalai Lama, com apoio do Presidente dos Estados Unidos Dwight D. Eisenhower (e com uso da CIA), forneceu armas, munições e treinou Gang Chushidruk, a fim de fortalecer a guerra por procuração contra Mao Tsé Tung. Além dessa milícia pró-ocidental, a CIA apoiou outros grupos de guerrilha no local”. (Via DCO)
Apesar de ele ser o líder no exílio de uma teocracia violenta, medieval e criminosa no Tibet, o Dalai foi tratado pelo ocidente como se fosse um homem de rara sabedoria e elevação espiritual. Nunca produziu nada além de conselhos vagos sobre “amor” e justiça social – algo que não havia no feudo que comandava na Ásia. Talvez se a Rússia tivesse agido na operação especial contra seu vizinho nazista da mesma forma como os cães raivosos americanos atuaram em suas invasões – usado a estratégia “shock and awe” – para expulsar Zelenski da Ucrânia, hoje o comediante estaria nos Estados Unidos sendo celebrado e tratado a pão de ló como um “guru ucraniano no exílio”, falando trivialidades e escrevendo livros de autoajuda (talvez usando um ghost writer para isso), dando especial enfoque à paz, à liberdade e à “autonomia dos povos”.
Se você acha a comparação “forçada”, pense em como Adolf, Tio Joe, Sadam Hussein, Osama Bin Laden e tantos outros foram tratados como heróis por um tempo, e depois como vilões terríveis pelo Império, dependendo se agradavam ou não os interesses imperialistas.
Richard Dawkins se notabilizou no ataque às religiões contemporâneas, em especial o neopentecostalismo capitalista predatório surgido nos Estados Unidos e exportado para o Brasil e o mundo. Entretanto, seu ataque às denominações religiosas acabou extrapolando, sendo usado para desacreditar o pensamento religioso e às próprias tradições, acreditando que as normativas dos livros “sagrados” induzem ao anticientificismo e mesmo às guerras, num suco de idealismo que agride frontalmente a ciência social e o materialismo dialético. Importante notar que nos mesmos textos que estimulam o ser humano ao conflito e à intolerância nas páginas do Corão ou da Bíblia existem passagens que estimulam a paz e a tolerância. Estes livros foram escritos de forma a ser possível colocar qualquer interesse humano em suas linhas e retirar de volta a concordância. Desta forma, é fácil entender que não são as religiões que induzem aos conflitos, mas a fome, os embates geopolíticos, a ganância ou o expansionismo, necessidades humanas que usam as religiões como “cola” para agrupar prosélitos em nome das distintas identidades.
Acreditar na capacidade de que ideias religiosas, por mais violentas que sejam (e todas são), possam fazer a humanidade se atirar às guerras é puro idealismo. Vou mais longe: nunca houve, na história da humanidade, uma única guerra iniciada ou determinada exclusivamente por crenças religiosas. Basta ver os milênios de pacífica convivência entre judeus e muçulmanos no oriente médio que só acabaram quando interesses nacionalistas sectários atingiram a região através da invasão sionista. As guerras, todas elas, são motivadas por fatores materiais (recursos, água, comida, controle da terra, mulheres, etc). Não há como um conjunto de ideias mobilizar agressões desse tipo. O que existe é o uso da religião (ou cor da pele, crenças, origem, entre outras) para justificar e agregar combatentes para uma guerra cujos interesses são materiais. Todavia, para quem olha com olhos desavisados, esta adesão nos ilude de que elas são a motivação primordial.
Tomemos as Cruzadas como exemplo que se caracterizaram por grandes massas de europeus cruzando a Europa ajudando a disseminar a peste negra para atacar Jerusalém, cometendo as mais inimagináveis atrocidades na terra de Cristo, com o intuito de libertá-la dos mouros – e tomando uma surra do curdo Salatino, entre outros. Porém, quando vamos analisar a história de forma pormenorizada, não foram em nome de Cristo que tantos cristãos se aventuraram ao oriente, mas para dar conta de interesses geopolíticos claros, onde a religião foi apenas usada para justificar uma guerra estúpida motivada por controle territorial. Para os comerciantes, as Cruzadas eram importantes para encurtar as distâncias entre o Oriente do Ocidente e, assim, aumentar as atividades de comércio de especiarias, principalmente para as cidades portuárias de Gênova e Veneza, no que hoje conhecemos como Itália. Após muitos séculos, o Mar Mediterrâneo passou a ser utilizado como importante veículo de intercâmbio de pessoas e de mercadorias. Ao longo das nove Cruzadas, os objetivos foram se tornando cada vez mais claros, deixando de usar a máscara religiosa e explicitando suas reais motivações comerciais. As conquistas cristãs no Oriente provocaram, além disso, disputas entre os cruzados pelos seus domínios.
Podemos analisar também algo bem mais recente, como a guerra entre protestantes e católicos na Irlanda, que foi assim chamada para esconder que se tratava de um conflito cujo objetivo era libertar a Irlanda (católica) do jugo dos ingleses (protestantes). Sempre foi uma guerra de independência tratada como uma luta religiosa para esconder o evidente colonialismo explorador britânico.
Religião não é um lugar de onde tiramos determinações divinas, mas onde colocamos interesses absolutamente humanos e materiais. Quem entende isso começa a olhar as religiões de forma distinta e mais elevada. As religiões são buscas humanas para o enfrentamento do desconhecido, algo tão natural quando olhar para o firmamento e elaborar teses sobre as estrelas. As crenças humanas – em especial a crença em Deus – são emoções e, portanto, não são passíveis de qualquer análise racional. “Acredito porque sinto; já eu, não creio porque não sinto”. Basicamente as religiões são a linguagem que usamos para expressar estas crenças ou, se quiserem, nossa fé. “A religião é o poço, a fé a água na profundidade”, como dizia Reza Aslan. Religiões são instrumentos para aplacarmos nossa sede. As ideias religiosas, por mais potentes que sejam, são incapazes para mobilizar guerras, mortes e conflitos; a materialidade de nossas necessidades e desejos humanos é quem está à frente dessas iniciativas.
Religião não tem nada a ver com guerras ou pacifismo. Aliás, a imagem acima, com cavaleiros Cruzados em batalha, pode dar a falsa ideia de que esta foi uma guerra “religiosa”, de cristãos contra o islã, algo tão errado quanto a luta de “católicos contra protestantes”, na Irlanda, algo que era ensinado quando eu estava na Escola – uma forma imperialista de descrever o conflito. As religiões não produzem guerras – nem paz. Ninguém mata pelo Deus do outro ou pela forma de fazer pão. O que nos leva à guerra são interesses materiais bem mais palpáveis.
Como diria Marx, “a história do mundo é a história das lutas de classe”. Pegue qualquer guerra, em qualquer período da humanidade e verá que em todas elas vamos encontrar interesses econômicos e geopolíticos determinantes, e não disputas ideológicas ou de caráter religioso. As religiões, entretanto, são usadas como “cola”, uma forma de seduzir o povo para o esforço de guerra, clamando por uma identidade ou pela defesa de valores culturais que estariam sendo “ameaçados”, questões estas que são absolutamente desprezíveis para aqueles no poder e que estão interessados economicamente no conflito.
Portanto, se você acha que as religiões produzem guerras, então foi reprovado em suas disciplinas de história
É preciso ter cuidado com as armadilhas que tentam fazer o povo brasileiro odiar a própria seleção…
Sim, a maioria dos jogadores (e também da seleção) é formada por bolsonaristas, um fenômeno bem explicado não só pelas características clássicas do “pobre que vira rico” e se associa com os antigos opressores, mas também porque estas pessoas tem negócios, investimentos, dívidas, processos, grana preta que aparece de forma obscura e, portanto, só existe vantagem em se associar ao poder e àqueles que controlam as finanças de um país. Chamá-los de “fascistas” é um passo muito adiante, e este epíteto deve ser reservado apenas àqueles ativistas, que fazem arminha e que se associam às propostas claramente violentas e antidemocráticas do Sr. Jair.
“Sim, mas são todos fanáticos religiosos”, como foi dito em um texto que está circulando pelas redes sociais. Outro erro grave: estes sujeitos não são fanáticos; são crentes e assumem uma postura bem característica das igrejas evangélicas que frequentam. A atitude deles é uma derivação da “doutrina da graça”, criada por Santo Agostinho de Hipona. No século V, o concílio de Cartago (418) afirmou que, por causa do pecado original, a Graça de Deus se tornou um artifício fundamental para a salvação da alma. O Concílio de Éfeso (431) confirmou esta perspectiva. Agostinho condenava frontalmente o “pelagianismo”, doutrina criada pelo monge inglês Pelagius da Bretanha. Este religioso se estabeleceu na sede do império Romano ao redor de 405, tendo posteriormente viajado para o norte da África e Palestina. Escreveu dois livros sobre o pecado, o livre-arbítrio e a graça: Da natureza e Do livre-arbítrio.
Santo Agostinho de Hipona
Para Pelagius o livre arbítrio que o ser humano possuía lhe oferecia a condição de alcançar a santidade e a virtude pelas próprias forças, sem que lhe fosse oferecida qualquer “graça”. Agostinho se opunha de forma intensa a esta ideia. Dizia ele: “está errado qualquer um que afirme que, (…) se a graça não fosse dada, ainda assim poderíamos, embora com menos facilidade, observar os mandamentos de Deus sem ela”.
Pelagius da Bretanha
Portanto, a santidade (inclusive no futebol) só pode ser alcançada através de uma ação divina específica, que ofereça uma condição especial e diferenciada àquele por ela alcançado. Segundo esta perspectiva, não é possível a um jogador de futebol ter sucesso em sua carreira sem que Deus o tenha escolhido. Por esta razão dizem sempre diante das vitórias: “foi o Senhor quem permitiu”, “em primeiro lugar agradeço à Deus”, “Jesus me ajudou neste caminho”, “não fui eu, foi Deus”, “Deus no comando”, “Deus é fiel”. E mesmo nas derrotas a postura é a mesma: “Deus está esperando um momento melhor para mim”, “Deus escreve certo por linhas tortas”, “Deus vai me agraciar no futuro”, etc. exatamente porque esta é a visão disseminada nas igrejas evangélicas, aferradas aos conceitos Agostinianos e que rejeitam o viés pelagianista. Essa visão, por certo, também tem efeitos claros de manter o fiel cativo, sem autonomia para se dedicar à sua fé. A “graça” sempre pressupõe intermediários.
Portanto, não são fanáticos, nem mesmo são religiosos; apenas reproduzem um conceito muito disseminado no meio evangélico no qual convivem. Tratá-los como insanos não ajuda a seleção e muito menos o Brasil. O Imperialismo está sempre querendo que o mundo periférico despreze seus heróis e seus símbolos. Não é de hoje que percebemos o interesse de desmerecer e menosprezar qualquer líder ou ídolo efetivamente oriundo das classes populares. Fizeram assim com Garrincha, Pelé e agora Neymar. A Seleção Brasileira de futebol também é alvo de críticas infundadas, tentando nos fazer olhar para cada jogador que tenha emigrado para o futebol mais valorizado no mundo como se fossem traidores, interesseiros e dinheiristas. Ou seja: um sujeito pobre que – através de um esforço imenso – consegue a ascensão social só pode ser admirado se abrir mão da justa recompensa pelo seu talento e assumir uma vida modesta ou pobre. Parece que a riqueza só é garantida à minoria composta pelos membros das castas superiores, os burgueses, agraciados por Deus com sua fortuna, mesmo que nenhum esforço tenha sido empreendido para conquistar esta posição. Destruir ídolos populares é um projeto colonialista de destruição dos seus heróis nacionais, através de uma iconoclastia que não surge da humanização desses personagens, mas como uma estratégia muito bem elaborada de desprezo moralista, com o claro objetivo de fomentar a dominação comandada pelo imperialismo. A perseguição injusta e covarde contra Lula é o exemplo mais simples e fácil para entender o quanto as grandes potências, interessadas na subserviência nacional, apostam nesta ação. Fiquemos atentos.
Falar do espiritismo enquanto doutrina progressista e baseando-se em seus ensinamentos e sua perspectiva científica e adogmática é puro idealismo. Na materialidade, na concretude do real, o espiritismo se apresenta como uma seita cristã (e cristólatra), conservadora, à direita no espectro político e caracteristicamente moralista. O espiritismo não difere de forma consistente de outras expressões religiosas ocidentais no que se refere ao perfil dos seus prosélitos. É uma lástima, pois sua base ideológica prometia ser revolucionária.
No Brasil, justiça seja feita, só as religiões de matriz africana se aproximam discretamente da atenção ao povo preto, pobre e oprimido pelo capital, e ainda assim de forma muito sutil. O cristianismo brasileiro é, acima de tudo e em todas as suas expressões, muito mais ligado à Roma e ao Sinédrio do que ao povo chinelão que comia poeira e gafanhotos na Palestina.
Esta é uma questão complexa, mas acredito que religião destes sujeitos é um culto às aparências. O cristianismo deles é de “forma“, quase nada de “conteúdo“. Trata-se de uma fé cristã identitária, que busca conectar-se com uma pretensa herança branca e europeia, que deseja se destacar da “barbárie” indígena ou africana, e que nada tem a ver com os valores da solidariedade, do amor ao próximo, do perdão e da comunhão.
Um cristianismo branco e europeu, sem Cristo, sem bem-aventuranças, sem povo, sem os pobres, sem os desvalidos, sem a moral e sem os valores do Evangelho.
Reverenciam um Jesus de arma na cintura, fiéis invadindo igrejas, atacando os padres, bebendo e cuspindo impropérios contra os semelhantes. O Império do ódio e do ressentimento, em todos os sentidos o oposto daquilo que o cristianismo pretendia trazer como “boa nova” para este mundo
Durante muitos anos assisti espíritas explicando a “necessidade” da exploração, da iniquidade e da injustiça social como “campo de expiação” para a humanidade. Em outras palavras, tratavam o mal, a ignorância, o erro, a iniquidade e a dor como ações benfazejas do Criador para que, através delas, pudesse o ser humano evoluir e depurar suas falhas e erros. Assim, a “pedra de tropeço” da desigualdade seria “adequada” para as experiências humanas, oferecendo um desnível que, para a trajetória evolutiva, seria essencialmente pedagógico.
Por esta razão (entre tantas outras) é fundamental a crítica incessante contra o conservadorismo inerente às religiões. É preciso colocar o dedo na ferida das posturas alienantes que negam a importância crucial da luta de classes. É inadmissível que uma corrente de pensamento inerentemente progressista como o espiritismo seja vista como um dos principais focos de conservadorismo do cenário religioso brasileiro. A ação humana é sempre propositiva, jamais passiva e alienada. Teremos o futuro que for por nós construído, e não aquele oferecido por Deus ou pelo “andar da humanidade”. Sem esse contraponto, as religiões ocuparão a linha de frente das posições mais reacionárias, impedindo o desenvolvimento social e travando a luta por igualdade. Exatamente o que vemos entre os adeptos do neopentecostalismo.
Esta semana a direção da UDV, União do Vegetal – uma seita cristã criada por Mestre Irineu usando plantas (Mariri e Chacrona) para fazer um chá usado de forma iniciática, declarou apoio ao atual presidente da República, Jair Bolsonaro. Do pouco que conheci do perfil dos frequentadores desta religião (eu mesmo já escrevi sobre o tema e já participei de um encontro), eu tive um nível zero de surpresa com essa declaração de voto. A mesma sensação que tive ao testemunhar o bolsonarismo dos espíritas. Percebam; há um padrão de conexão entre as religiões dos países imperialistas com os valores conservadores. Por esta razão a UDV, os evangélicos, os espíritas cristãos, muitos católicos e outros estão todos ligados pelos fios invisíveis do conservadorismo brasileiro, uma estrutura social que namora com o fascismo. Creio que já escrevi muito sobre minha desilusão com os religiosos, e ainda lembrei com dos amigos de infância que se tornaram bolsonaristas, defensores do Jesus com arma na cintura, desconsiderando as falas racistas, violentas, misóginas, homofóbicas e genocidas do líder. Para mim ainda é inacreditável que, aqueles mesmos que falavam do Jesus que oferece a outra face, justificam abertamente as ações racistas, homofóbicas e terroristas do atual presidente.
A justificativa? O fantasma comunismo, por certo, que serve como um “homem do saco” para adultos. Mas também se encontra com frequência a associação de Lula com “ditaduras”, como a Venezuela, Cuba e a Coreia Popular (um trio que é tanto usado pela direita quanto desconhecido por ela), em especial no que diz respeito ao envio de dinheiro para estas “ditaduras”, assim como a “ladroagem de Lula” (que só não foi condenado porque houve um erro no CEP – uma tecnicalidade). Todavia, estes mesmos moralistas desconversam quando questionados sobre as fotos do presidente Bolsonaro com o Sheik da Arábia Saudita, este sim um ditador sanguinário e cruel, ou os inúmeros casos de corrupção no seu governo.
Entre estes aficionados do capitão encontramos gente educada, estudiosa, com curso superior, pais de família, diretores de Centros Espíritas, pastores, padres, crentes de todo tipo; todos irmanados em uma luta contra os “vermelhos”, os vagabundos dos sindicatos, os invasores de terra, os ativistas do MST (que mal sabem usar uma enxada) e os indefectíveis “socialistas de IPhone”.
“Vai pra Cuba”, “Empacote tudo que você tem e distribua para os pobres”, “Ahh, reclama do capitalismo mas usa luz elétrica(??), celular(??) e computador(??)”. “Quer ficar como a Venezuela? Na Coreia do Norte é proibido cortar o cabelo igual ao Kim, e na China você é condenado à morte em 30 dias e a família ainda precisa pagar a bala. Quer isso no nosso país?”
Somos bombardeados todos os dias por uma avalanche impressionate de propaganda via redes sociais, que em muitos causa uma profunda lavagem cerebral. “Credo quia absurdum“, como diria Agostinho, “acredito nas fake News porque são absurdas, e isso prova minha fé e o meu engajamento”. São 80 anos de propaganda anticomunista diária subliminar, insidiosa, camuflada, sub-reptícia e constante. Não importa o quão ridículas são as fake news sobre “comunistas que comem criancinhas“, ou “Na Coreia Popular mentem que a seleção venceu o Brasil na Copa do Mundo“. Todo santo dia, martelando na cabeça, criando ficções ridículas (como estas acima), produzindo narrativas baseadas em delações falsas, estrangulado as economias socialistas com boicotes, sanções e bloqueios. Condenando quem denuncia os crimes do Imperialismo – como foi feito com Edward Snowden, Chelsea Manning e Julian Assange – atacando (e matando) líderes dos direitos humanos (como na Colômbia) e usando religião como um escudo, uma identidade que precisa ser preservada dos ataques insanos dos depravados, gayzistas, abortistas e ateus, tudo pelo bem dos nossos valores e do santo nome de nosso senhor Jesus Cristo, amém.
Sobre esta ligação dos religiosos em geral com o conservadorismo e a propaganda anticomunista acho que o sobrinho de Freud, Edward Louis Bernays, tem mais a dizer do que Hippolyte Rivail, o filósofo de Lyon. Edward Bernays dizia que “somos controlados, nossas mentes são moldadas, nossos gostos são formadas e nossas ideias são sugestionadas”. Ele foi quem primeiro entendeu a importância da propaganda na criação do que passou a ser chamado de “Consenso Manufaturado”, um conceito primeiramente criado por Walter Lippmann em 1922 e posteriormente disseminado pelo intelectual americano Noam Chomsky. . Não se pode desprezar décadas de propaganda violenta que, junto com os aparatos de repressão do Estado, tentam evitar a explosão inevitável da barragem produzida pelas lágrimas de milhões que são excluídos pelos privilegiados do capitalismo. Propaganda e Estado policial. Publicidade e Forças armadas a serviço do Império. Salve-nos Luke Skywalker…
Praticamente todas as religiões derivadas do cristianismo – enquanto fenômeno social, não como doutrina – replicam uma visão individualista do progresso onde cada um, através da penitência, da fé, da “reforma intima”, do sacrifício, da dedicação à Igreja e o pagamento do dízimo, será responsável pela evolução espiritual do planeta, um conceito que se adapta maravilhosamente à meritocracia do nosso modelo capitalista. Assim, as mudanças vão ocorrer na dependência de ações individuais, inobstante os modelos sociais a que estamos submetidos. Outro fator é o pacifismo alienante de muitos religiosos, um idealismo paralisante que os impede de aceitar a sociedade de classes como o resultado inexorável do capitalismo, a qual só será derrubada através da luta de classes e do enfrentamento.
Quando eu vejo o “cristão mediano”, frequentador da sua Igreja, que toma passes, faz comunhão, se confessa, toma hóstia ou água fluida e entoa os cânticos não consigo perceber nenhuma diferença substancial entre todas as modalidades de fé cristã. Todos eles reproduzem condicionamentos sobre costumes e política, da mesma forma como qualquer um que tenha sido intoxicado por oito décadas de violenta propaganda contra a luta organizada dos trabalhadores. Espíritas, católicos, protestantes em suas diversas denominações são semelhantes demais aos “crentes” e os neopentecostais nesse terreno para que se perceba qualquer diferença. A religião, no dizer de Hegel em “Crítica da Filosofia do Direito, , é o “Ópio do Povo” (Die Religion … Sie ist das Opium des Volkes), canalizando a energia de milhões para a contemplação e a aceitação das mazelas, ao invés de seguir as palavras de Cristo e agir objetivamente para diminuir a iniquidade no planeta e a dor de seus semelhantes.