Em um seminário de fisiologia há 35 anos passados o nosso velho professor se dirigiu aos últimos 6 alunos que demoravam a sair da sala depois de encerrada a aula.
– Deixo a vocês um breve conselho: depois de se formarem em nenhuma hipótese façam greve.
Caminhando em direção ao bar pelos corredores da velha faculdade de Medicina debatemos o conselho do mestre. Metade de nós pensava que ele se referia a uma questão ética sobre a medicina e a saúde. Não caberia àqueles que cuidam do mais nobre objetivo – a vida e sua manutenção – paralisar o seu ofício por razões corporativas. Não seria moralmente lícito impedir o acesso à cura ou ao alívio dos sofrimentos apenas por dinheiro. “Está no código e no juramento!!”, diziam. A outra metade achava que ele se referia à inutilidade da greve como mecanismo de pressão em uma área repleta de representantes das elites e da burguesia diplomada. “Greve de janotinhas engravatados?”, diziam os outros, fazendo muxoxo.
Na semana seguinte aguardei o fim da aula e, não aguentando mais a dúvida, resolvi perguntar ao professor a razão para o seu rechaço aos movimentos paredistas na área da saúde. Expliquei a ele que metade de nós achava que sua manifestação se referia a uma questão ética e outra metade à dificuldade de mobilizar e manter uma greve com representantes da burguesia. Uma disputa, em última análise, entre o idealismo e o materialismo.
Diante da minha pergunta inusitada e fora do escopo da aula recém terminada, o velho mestre soltou uma risada e explicou.
– Nenhuma das duas. A razão é meramente estratégica.
– Como assim? perguntei…
– Ora, meu caro, quando os médicos entram em greve os pacientes melhoram. Quer propaganda pior do que esta?
Este foi meu primeiro contato com a Medicina Quaternária, muitos anos antes de se tornar modinha.