Muitos ainda não perceberam a potencialidade revolucionária da parteria. Boa parte de nós ainda está aprisionado aos ícones de Sarah Gamp, uma velha enfermeira-parteira suja, deseducada, grosseira, alcoolista, mal treinada e mal humorada, personagem fictícia da obra “Martin Chuzzlewit” do escritor inglês Charles Dickens. Ou então, nas parteiras adocicadas, solícitas e domesticadas pela obstetrícia nascente do século XX, e talvez por isso mesmo agora seja o momento mais adequado para repensar as novas assistentes do parto. Depois da quase extinção, elas retornam ao cenário do nascimento no Novo Mundo com força renovada, já que na Europa, África e boa parte da Ásia não houve o mesmo extermínio que a tecnocracia por aqui impôs.
O que me parece claro é que a emergência das novas parteiras – que Robbie Davis-Floyd chama de “Parteiras pós-modernas” – vai impor a elas uma inexorável escolha. Podem se adaptar à tecnocracia e seguir a trilha dos médicos na utilização dos instrumentos, do linguajar e da postura. Podem também aceitar com docilidade a posição subalterna ao saber médico, com sua natural ênfase na etiologia. Por outro lado, elas poderão revolucionar a linguagem, a abordagem, a perspectiva e a conexão que estabelecem com as mulheres grávidas e aquelas que estão a parir.
Estar ao lado das mulheres no momento do parto, o qual conjuga em si morte, vida e sexualidade – como dizia Holly Richards – significa tangenciar o sagrado e o mais profundo mistério da vida. Desta forma, aquelas que protegem esse evento acabarão por reconhecer essa responsabilidade e sua destinação para a mudança, no sentido de transcender o patriarcado e, desta forma, transformar o mundo.