Não creio que exista nada de bizarro neste sentimento. Todo pai (e mães da mesma forma!!!) vai passar por isso, desde que alguma vez tenha sentido amor por seus filhos. Qualquer pai vai se sentir “roubado” quando sua filha descobre uma paixão, deslocando seu amor edípico para uma relação madura.
Negar o sentimento de perda amorosa que os pais sentem com o início da vida afetiva dos filhos é o que poderia ser chamado “bizarro”. O humor que se produz sobre esta cena nada mais é do que o uso do gracejo como bandaid aplicado sobre uma ferida narcísica, fazendo graça com nossos dramas humanos.
Eu acho que a expressão parental de ciúme em relação aos filhos é apenas a natureza humana em ação. Nada bizarro, apenas normal para a nossa estrutura psíquica. Pais terão ciúme – e até possessividade – que precisarão ser vencidos pela ação irrevogável dos filhos. E não creio ser uma perspectiva “machista” da sociedade, até porque este sentimento ocorre da mesma forma com as mães, e certamente antes até da instituição do patriarcado. As relações afetivas dentro do patriarcado tem um determinado ordenamento – que eu não chamaria de bizarro, porque é uma criação social de muito sucesso – e este ciúme não me parece ser patriarcal, mas humano.
Como eu disse, o patriarcado é recente e não passa de 80 séculos, mas mãe e função paterna tem a idade da humanidade, talvez 2 milhões de anos. Todavia, não acredito que esses sentimentos são mediados pela cultura, apesar de serem por ela transformados. Édipo é da essência humana, da estrutura psíquica que nos constitui. Portanto, pré patriarcais, e duvido que haja uma sociedade que revogue o Édipo; enquanto for essa nossa conformação psíquica esses sentimentos serão naturais e inalienáveis da espécie humana. O ciúme do pai está relacionado ao amor da filha, e isso não é cultural; é da estrutura mais íntima do psiquismo humano.
Para mim o ciúme paterno é o contraponto do Édipo, e o triângulo edípico é algo intrínseco à nossa formação emocional, algo inegociável. “Retire-se o complexo de Édipo e a psicanálise se desfaz como castelo de cartas”. Assim, o centro da estrutura psíquica humana está nessa relação amorosa triangular primordial
Outrossim, a expressão desse sentimento – repito, natural – vai se moldar à cultura vigente, relacionada à história e à geografia. Sociedades fortemente patriarcais farão dessa relação um exercício de poder e de violência, exacerbando a possessividade. Mesmo assim, uma sociedade pós patriarcal não fará esse sentimento desaparecer, apenas não o tornará veículo de opressão.
Criticar a piada do “pai com espingarda” protegendo a filha, tão usada no anedotário patriarcal, pode ser válido pela possessividade abusiva ou o uso banal da violência, mas jamais para negar um sentimento absolutamente humano.
Aliás, que maravilha quando um pai é corajoso o suficiente para expor seus sentimentos de forma clara e aberta, reconhecendo-os e expressando-os, mesmo quando contraditórios