Minha pergunta é bem simples: qual seria o sentido de uma vida ética onde não se pode constatar nenhuma recompensa? Essa lógica não faz sentido no universo imediato que nos rodeia, onde nossas ações – inclusive as mais altruísticas – são em verdade, mediadas por interesses pessoais – mais ou menos evidentes. O ato de ajudar um pobre alivia nossas culpas burguesas, o ato de amar nos promete (mesmo que ilusoriamente) sermos amados em retorno, o ato de compaixão traz a promessa de ser cuidado de volta, nossa luta pelas causas nos oferecem um sentido de viver, etc. A própria solidariedade é questionável pois em cada ato fraterno existe a fagulha egocêntrica que dispara a ação.
Portanto, agir para o bem alheio acreditando verdadeiramente na inexistência de uma vida após a morte agride essa lógica. Repetindo: se para a posteridade não faz NENHUMA diferença o bem que se fez, se não resta culpa, remorso, tristeza, saudade ou lembrança qualquer, quem racionalmente agiria contra seu gozo e satisfação imediatos? Por que? Qual o sentido dessa ação?
Não creio em éticas fora da construção humana. Um leão despedaça uma gazela sem dó. Só o humano enxerga nisso algo cruel. Como explicar a fraternidade fora de um sentido absolutamente egoístico?
Pois eu digo que diante da morte o que nos move é a incerteza. Ninguém aqui tem certeza absoluta e inquebrantável do nada que o aguarda. A ninguém é dado esse saber, transformado em confiança pétrea na inexistência póstuma. Por isso, por ter consigo escondida essa dúvida sobre as consequências últimas de nossas ações, escolhemos a solidariedade, a fraternidade, o amor ao próximo. Não por uma ética natural, por uma moral adaptada de uma força incorpórea da natureza, mas pela dúvida, pela incerteza corrosiva do destino que nos aguarda.
Por isso a pergunta, que para mim continua válida: se o nada nos aguarda, qual o sentido de uma ética voltada ao outro?