Essa foi a manchete da reportagem, que para mim produz uma grande confusão com o próprio conteúdo do estudo.
Através da simples observação de nossa anatomia, e estudando a história dos primórdios da humanidade, fica fácil entender que fomos programados para fazer exercícios. Nossa anatomia confirma isso; nossa estrutura hormonal e cerebral também. Por isso é lícito afirmar que nós não “envelhecemos”, apenas “enferrujamos”, exatamente por não termos na modernidade a quantidade adequada de exercício para o qual fomos programados.
Talvez seja verdade que não fomos programados para desejar os exercícios físicos, já que o cansaço e o esgotamento são desagradáveis e até dolorosos, mas isso é bem diferente de não estar programado para o esforço extenuante.
Aliás, nenhum animal é assim; se você oferecer a qualquer animal doméstico suficiente comida ele não vai sair e lutar para buscá-la. É exatamente por isso que nós temos cães dóceis, mas o avô de todos eles – o lobo – é bravo e violento; afinal, para este não havia ninguém para dar o alimento que só conseguia através do exercício.
Temos um corpo programado para caminhar 20 km por dia, fazer longos jejuns e carregar peso o dia inteiro. No início do neolítico a menarca (primeira menstruação) ocorria aos 15 anos e a vida sexual aos 18 anos de idade. Cada mulher paria 5,5 filhos, sua menopausa ocorria aos 47 anos, a dieta era pobre em gordura e a vida sexual bem ativa. A adolescência era curta. Em contrapartida trabalhávamos muito pouco e tínhamos muito tempo para diversão – conversas, canto, histórias, banhos de rio e jogos.
Essa é a programação que herdamos do paleolítico superior. Boa parte do nosso sofrimento diz respeito à falha da sociedade contemporânea de suprir o sujeito da carga de esforço para o qual foi genética e anatomicamente preparado por milhões de anos de processo adaptativo.
Por outro, é claro que o exercício na academia tenta se aproximar do trabalho produtivo que tínhamos no ambiente dinâmico de seleção natural de 100 mil anos passados. O problema é que um médico e um analista de sistemas jamais encontrarão em sua atividade profissional o tipo de esforço para o qual seus corpos foram preparados por milhares de anos de adaptação.
Por isso a academia – ou mesmo os jogos esportivos – são simulações das atividades que tínhamos no passado para a simples atividade de sobrevivência, como fugir, lutar ou buscar comida. Eles são usados para oferecer ao nosso corpo o quantum de sobrecarga para a qual somos preparados. Hoje em dia a ausência dessa parte importante da vida é um mal terrível das sociedades automatizadas e se chama “sedentarismo”, uma “enfermidade” que mata milhões todos os anos.
O estudo do Dr Lieberman vai na mesma direção da minha perspectiva. Entretanto, o título é mesmo extremamente infeliz, pois dá a entender que não somos preparados para esta atividade física, o que não é verdade. Entre tantas “velhas novidades” no meio do texto pode-se encontrar uma pérola.
“Os caçadores-coletores típicos se envolvem em apenas cerca de 2 ¼ horas por dia de atividade física moderada a vigorosa.”
“Apenas” 2h 15min por dia de atividade moderada e vigorosa? Só atletas e operários que vivem do trabalho físico pesado fazem isso hoje em dia. A imensa maioria das pessoas no mundo ocidental não faz nem um minuto de exercício diário. Sim, nossa vida no paleolítico era muito difícil, laboriosa e dura, mas realmente ninguém era musculoso, basta ver um caçador coletor San ou Kung! do Kalahari. Nesta época (e para eles, ainda hoje) éramos pequenos, fortes, magros e resistentes.
Concluo que somos programados e preparados fisicamente para exercícios vigorosos e constantes, mas também psicologicamente condicionados a evitá-los quando possível, para estocar energia e usá-la em atividades relevantes.