De vez em quando sou assaltado por uma velha curiosidade que me foi pela primeira vez apresentada por Slavoj Zizec no brilhante documentário sobre cinema chamado “A Pervert’s Guide to Cinema“: qual a necessidade da fantasia? Por que investimos tanto – como sujeitos ou sociedade – em aplacar a dureza do mundo real criando um substituto irreal?
Por que nossa busca incessante por um mundo paralelo, fantasioso e épico, que nas crianças é tão somente mais evidente, mas que nos adultos é companhia infalível nos sonhos, devaneios e fantasias de toda ordem? Qual a incompletude do mundo real que necessita ser incessantemente coberta pela imaginação?
As crianças pequenas vivem em um mundo que tem apenas pequenos e breves contatos com o dos adultos. Quanto interagem com os adultos sempre pedem que que entremos em SEU universo, que parece ser bem mais divertido que o mundo dos mais velhos. Os pequenos carrinhos de lata são bólidos enormes e velozes, e neles viajamos na velocidade do sonho para distancias imensas; o espaço embaixo da mesa, onde minhas pernas mal conseguem se adaptar, se torna o esconderijo perfeito para, em silêncio, nos escondermos dos maldosos perseguidores. Será seu mundo de historias e aventuras o refúgio inexorável de uma realidade angustiante?
“Agora eu era o herói…” dizia a voz doce de Nara na musica de Chico. Heróis, fadas, princesas, monstros, cientistas malucos e aventureiros povoam iconicamente nosso pensamento, tapando os furos de vidas protocolares. O teatro e o cinema são apenas os veículos para abastecer de imagens e ideias a ânsia humana pela emoção e o desafio. Ao mesmo tempo que faço essas perguntas percebo que nenhum sentido teria a nossa existência sem o ópio da fantasia. Ela é o analgésico indispensável para a dor que sobrevém à série ininterrupta de frustrações, as quais chamamos … “vida”.