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Fantasias

Ela contou algumas histórias sobre seu cotidiano, suas insônias, as dores nas costas e o antigo refluxo que a incomodava. Depois falamos de seus sonhos, do casamento recente e do desejo de ter um filho. Eu escutava e só desviava ocasionalmente o olhar para anotar uma passagem que fosse significativa. Após algum tempo ela olhou direto em meus olhos e, depois de uma pausa, me disse:

– Isso é um pouco pessoal, mas preciso falar de uma coisa sobre o meu casamento.

Larguei a caneta sobre o papel, ajustei o óculos sobre o nariz e cruzei os dedos sobre a folha rabiscada. Entendi que a consulta dava um giro importante, talvez chegando ao ponto que a tinha originado.

– Claro, disse eu, pode falar.

Ela baixou o olhar por alguns instante e depois começou a falar sem erguer os olhos.

– É o meu marido. Acontece que ele é muito possessivo. Eu diria que ele é até grosso. Não deixa eu sair com minhas amigas e controla meus vestidos. Não gosta que eu me comporte de forma muito alegre em público. Ciumento, muito. Não suporta que alguém se reporte a um ex namorado meu. Controla meus horários e cobra qualquer mínimo atraso…

– Alguma violência?

– Não!! Jamais!! Nunca me bateu ou qualquer coisa parecida com isso. Ele é – e sempre foi – um perfeito cavalheiro. Nem levantar a voz ele faz comigo. Eu também não aceitaria qualquer tipo de violência comigo. É só esse comportamento controlador dele, constante…

– Bem, mas você já pensou em dizer a ele que poderia pedir ajuda? Existem diversas formas de abordar esse comportamento, e muitos homens apenas repetem em sua vida madura o….

– Não Ric, você não entendeu. Não acho que ele precisa procurar ajuda. Não é esse o problema…

– E qual é?

Ela esperou um pouco antes de responder, e soltou as palavras como se estivesse a fazer uma confissão.

– O problema… é que eu gosto. Eu adoro um homem me tratando assim. É algo que me excita.

Bem, se há algo que aprendi foi não me intrometer na fantasia sexual de ninguém. Se há consentimento e respeito tudo é válido entre adultos. Apenas sorri e lhe disse que a mim não cabia julgar os laços eróticos que unem as pessoas. Ela sorriu satisfeita, como que aliviada por sentir-se livre para amar seu marido do seu próprio jeito.

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Fetiche

Acordem desde torpor; romantismo é uma fantasia sexual tão válida quanto bundas, peitos ou pés.

Jeffrey Mallone, personagem de “A Mangled Desire”, de Emett Drurys, pág. 135

Emmet Drurys nasceu em Chattanooga, Tenesse em 1967. É basicamente um escritor autodidata, tendo iniciado sua carreira escrevendo roteiros de humor para a rádio local – 98.1 FM – THE LAKE. WLND-FM. Seus sketchs humorísticos fizeram muito sucesso local e por causa disso foi convidado a fazer parte da grade nacional de grandes emissoras de rádio. Escreveu seu primeiro livro – No Earth Connection – com recortes de suas histórias e piadas e foi um sucesso de vendas. Já em seu primeiro livro de ficção “A Mangled Desire” ele descreve as desventuras de Matt Rifkin, um “loser”, sujeito feio, pobre e sem sorte nenhuma com as mulheres e que tinha um inédito talento como cantor. Todavia, sua falta de atrativos físicos obrigou o produtor Edmond Baxter a criar uma farsa. Seu rosto não podia ser mostrado porque destoava de sua voz e por isso convidou Jeffrey Mallone, um bonitão charmoso, canastrão e sem talento algum para a música, para emprestar seu corpo e seu rosto para a voz espetacular e o talento musical de Matt. As desventuras da farsa criada e a amizade que se criou entre Jeff e Matt nos fazem questionar os valores e as valências que a vida oferece graciosamente, desafiando nossas concepções sobre beleza, riqueza, talento e sucesso.

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Fantasia

FaNTASIA

De vez em quando sou assaltado por uma velha curiosidade que me foi pela primeira vez apresentada por Slavoj Zizec no brilhante documentário sobre cinema chamado “A Pervert’s Guide to Cinema“: qual a necessidade da fantasia? Por que investimos tanto – como sujeitos ou sociedade – em aplacar a dureza do mundo real criando um substituto irreal?

Por que nossa busca incessante por um mundo paralelo, fantasioso e épico, que nas crianças é tão somente mais evidente, mas que nos adultos é companhia infalível nos sonhos, devaneios e fantasias de toda ordem? Qual a incompletude do mundo real que necessita ser incessantemente coberta pela imaginação?

As crianças pequenas vivem em um mundo que tem apenas pequenos e breves contatos com o dos adultos. Quanto interagem com os adultos sempre pedem que que entremos em SEU universo, que parece ser bem mais divertido que o mundo dos mais velhos. Os pequenos carrinhos de lata são bólidos enormes e velozes, e neles viajamos na velocidade do sonho para distancias imensas; o espaço embaixo da mesa, onde minhas pernas mal conseguem se adaptar, se torna o esconderijo perfeito para, em silêncio, nos escondermos dos maldosos perseguidores. Será seu mundo de historias e aventuras o refúgio inexorável de uma realidade angustiante?

“Agora eu era o herói…” dizia a voz doce de Nara na musica de Chico. Heróis, fadas, princesas, monstros, cientistas malucos e aventureiros povoam iconicamente nosso pensamento, tapando os furos de vidas protocolares. O teatro e o cinema são apenas os veículos para abastecer de imagens e ideias a ânsia humana pela emoção e o desafio. Ao mesmo tempo que faço essas perguntas percebo que nenhum sentido teria a nossa existência sem o ópio da fantasia. Ela é o analgésico indispensável para a dor que sobrevém à série ininterrupta de frustrações, as quais chamamos … “vida”.

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