Arquivo da tag: almas gêmeas

Ranking

Mais uma vez eu vi a expressão “pessoa de alto valor”, que é muito usada por esses coaches de relacionamento que instituíram uma espécie de métrica para os sujeitos no que diz respeito à sua capacidade de atrair. Funciona como se cada um de nós fosse um personagem de RPG que tem “x” pontos de beleza, outros de dinheiro, uma pontuação por sua família, outros pontos obtidos por formação, outros por carisma e no final o indivíduo tem um “score” que vai lhe garantir uma posição no ranking do seu gênero. Tudo isso parecendo um capítulo de “Black mirror”.

Isso funcionaria se os elementos perceptíveis e objetivos de cada um de nós fossem os únicos determinantes das escolhas sexuais. Entretanto, é enganoso pensar assim. Somos um gigantesco núcleo de medos, cobertos por uma capa de crenças inconscientes e irracionais, e sobre ela repousa uma fina e translúcida camada de racionalidade, uma fachada enganosa e diáfana, que nos oferece o diferencial da razão. Este fino verniz nos afasta dos medos criando uma sensação de controle sobre a natureza. A fina camada cinzenta que recobre nosso cérebro, uma novidade no processo evolutivo, oferece alternativas racionais às escolhas cotidianas, ao mesmo tempo em que nos ilude fazendo crer em uma luminescência apenas aparente.

Somos dominados pelas trevas do inconsciente, e o calabouço sombrio e úmido onde ele impera conduz nossas escolhas afetivas de forma muito mais efetiva que os elementos objetivos destes escores contemporâneos. Aliás, prefiro crer no “amor à primeira vista” e nas “almas gêmeas” do que acreditar que essas pontuações objetivas possam produzir qualquer vantagem na busca por um parceiro ou parceira para a vida. No que diz respeito ao amor, confio mais nos meus intestinos do que na minha cabeça.

Deixe um comentário

Arquivado em Pensamentos

Match

Na adolescência eu sempre perguntava aos meus amigos gays como eles sabiam que outro sujeito era gay. Eles caiam na gargalhada com a minha pergunta ingênua e tola, e a resposta que me davam era… “pelo olhar“, o que hoje se chama “gaydar“.

O que eles tentavam me dizer é que o desejo do sujeito transparecia nas fissuras do discurso, nos detalhes, nos mínimos gestos, nas sugestões, nos sorrisos, na escolha das palavras e nos silêncios. Tudo o que levamos para fora de nós mesmos é mensagem, inclusive a roupa – ou mesmo a falta estratégica de tecido a desvelar os corpos.

Mas se os amores se encontram pelos sinais não-verbais, também as patologias fazem match…

Não haveria como ser diferente. Da mesma forma, os psicopatas se comunicam por estes detalhes minúsculos e imperceptíveis aos olhos desarmados. Na juventude eu me impressionava com as histórias de Bonnie & Clyde, e tantos outros casais unidos pelo crime. Algumas duplas eram capazes de perversidades impensáveis, que conjugavam tortura, morte e obsessões sexuais. Na época eu pensava: como estes perversos conseguiram se encontrar? Como acharam suas almas gêmeas sem expor publicamente suas paixões criminosas?

Se os amantes conseguem se encontrar pelo desejo, buscando sinalizadores nas filigranas do comportamento, também as mais bizarras perversões saem à tona por estes meios. O desejo não se contém nos limites do corpo e poreja através de cada detalhe, cada frase, cada pausa no discurso. Se o humano precisasse da linguagem articulada para se expressar ainda estaríamos na floresta, morando nas árvores. Somente há poucos milênios usamos as palavras para enviar mensagens, mas nossa história com as formas mais sutis de comunicação já tem alguns milhões de anos.

Por isso é que nós humanos – em especial as mulheres, mas essa é outra questão – desenvolvemos as habilidades de ler o outro através dos sinais enviados de forma velada e codificada. Estas são, por certo, as mais importantes ferramentas do nosso lento processo evolutivo.

(Após uma provocação de Maury Braga Gutierrez)

Deixe um comentário

Arquivado em Pensamentos