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Desamparo

Amar alguém é ficar solto no espaço, sem garantias de que será resgatado. Tão dramático é esse movimento que a natureza o deixou longe da razão; seria arriscado demais para a continuidade da espécie que a nós fosse permitido ponderar antes de cair no precipício da paixão…

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Russel

Não se pode imaginar que ações racionais surjam de premissas puramente emocionais. Esta é uma regra dourada em qualquer arena de debates. A fé, jamais a razão, produz respostas grosseiras, deseducadas, ofensivas e violentas, tanto no mundo real quanto no universo virtual. Por isso que temas como a moral – e não a matemática – são propensas a tantas brigas e enfrentamentos. Quanto mais diáfanas forem as bases de um determinado assunto maior será a possibilidade de que ele se perca em conflitos estéreis.

Infelizmente Russel acreditava que as diferenças religiosas levam à guerra, o que é um erro típico daqueles que se deixam seduzir pelas aparências. As guerras são enfrentamentos brutais de origem econômica e geopolítica, para a busca de recursos materiais, mas que muitas vezes usam a religião como mera máscara identitária, seduzindo os combatentes do nosso lado a identificarem o outro como a ameaça, os infiéis e os impuros.

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Emoções estupefacientes

É muito comum ver as análises morais dos jogadores e técnicos serem feitas à posteriori, ou seja, adaptamos os valores morais dos personagens aos fatos depois que estes ocorreram. A vitória ou a derrota nos fazem enxergar a moralidade dos nossos representantes de forma diversa ou mesmo antagônica. Todos se arvoram à condição de “experts” em comportamento humano, e até uma monja – com qualificações desconhecidas no futebol – faz críticas mordazes e severas ao técnico da seleção.

Por isso, somente depois do fracasso, conseguimos observar o quanto Tite é insensível assim como só agora vemos como é absurdo o salário astronômico que nossa neurose paga aos jogadores. Só agora acordamos para a covardia dos nossos diante das decisões em campo. Tudo isso teria sido esquecido bastando para isso acertar dois pênaltis.

Ao mesmo tempo nosso espírito macunaímico descobre em menos de 24 horas declarações impressionantes de humildade que partem de gente como Messi e outros jogadores vencedores, muitas delas criadas pela equipe de relações públicas que os assessoram. Mostramos gestos do craque argentino e os interpretamos como sinais de enfrentamento ao imperialismo, mesmo quando chegam de um craque que vive às custas do dinheiro europeu há 20 anos. Além disso, passamos pano para o deboche que os hermanos submeteram os holandeses após o jogo. “Ahhh, é do jogo…”

Como eu disse, é compreensível é até lícito tentar colocar as derrotas em linhas lógicas de causalidade; achar causas para fatos é um efeito inescapável do crescimento encefálico, do qual não podemos nos livrar. Porém, deixar-se levar pelas emoções depressivas é ficar refém da paixão, a qual não nos permite enxergar uma rota segura de vitórias no futuro. Acreditar que perdemos porque Neymar e os demais jogadores são ricos, e o Marrocos chegou às quartas porque seus jogadores são pobres e patriotas é se perder na superficialidade dos fatos. E as demais explicações (Messi é humilde, Argentina tem raça, Messi é vencedor, Marrocos tem liderança, França só tem sorte, Inglaterra sendo Inglaterra, Croatas tem amor ao seu país, etc.) também são carregadas de emocionalidade e lhes falta conexão com a realidade.

Não cobro racionalidade ao tratar de uma elegia à irracionalidade como é o futebol. Da mesma forma não peço aos amantes que usem a razão quando o fogo das paixões lhes consome os sentidos. Peço apenas calma, em ambas as situações. Muitas tragédias acontecem quando deixamos de lado a maior conquista da nossa trajetória humana: esta fina camada de matéria cinzenta que envolve nosso cérebro e nos confere a razão.

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Esperança

Esta semana surgiu a notícia de que sujeitos ligados ao bolsonarismo estariam se infiltrando em ambientes progressistas, seja no Facebook ou nas outras mídias sociais, para pintar um cenário de derrota iminente da candidatura Lula. O objetivo é óbvio: desmobilizar, esmorecer, refrear as manifestações a favor da chapa liderada por Lula. Porém, esta é uma estratégia eleitoral. Para a libertação do nazifascismo bolsonarista a estratégia em longo prazo deve ser a orientação sedimentada pela razão. Não vejo futuro na troca de uma mistificação por outra, mesmo que a segunda seja infinitamente melhor que a primeira. A tarefa de libertar o sujeito só virá através do único atributo que nos diferencia dos outros animais: a razão, esta fina camada de verniz, a tênue fachada que nos livra dos medos e nos permite entender os fatos para prever o futuro

Entretanto, não se combate uma ideia que surge irracionalmente usando argumentos racionais. Portanto, para combater o fascismo e a pulsão de morte que Bolsonaro representa, precisamos usar e canalizar emoções.

Para derrotar Bolsonaro e seu plano totalitário nestas eleições é necessário usar as armas da sedução, do afeto e das emoções e mostrar o rastro de destruição crua causada por essa ideologia macabra. Esta é a estratégia para as eleições, em curto prazo, mas não o caminho em longo prazo que teremos de trilhar. O bolsonarismo não vai desaparecer apenas com a eliminação do seu mais importante expoente. Será necessário um processo muito mais complexo e difícil para desentranhá-lo da mentalidade do brasileiro. Para exterminar o fascismo é preciso educação é paciência.

Temos que manter o foco e a esperança. Lula nunca esteve atrás em nenhuma pesquisa. Ganhou o primeiro turno contra a máquina dinheiro e corrupção do governo de contra o derramamento de fake news. Não há porque esmorecer agora. Na última manifestação em Porto Alegre havia 70 mil pessoas na rua. O mesmo aconteceu em Recife, Curitiba, em Padre Miguel – multidões gigantescas nas ruas clamando por Lula e o que ele representa para as ideias de solidariedade e progresso com distribuição de renda. Apesar de estarmos presenciando a eleição mais desonesta da história da República, Lula continua na frente, desafiando as gigantescas quantias de dinheiro do governo derramadas com o objetivo de comprar votos, além da enxurrada de fake news que foram usadas neste ano. Desta vez o “banheiro unissex” toma o lugar do “kit gay” e da “mamadeira de piroca”.

Para aqueles que estão, como eu, à esquerda de Lula, o momento é de apostar no pragmatismo. Lula está muito mais próximos dos ideais revolucionários do que seu oponente – que representa o oposto desta perspectiva. Portanto, está em nós continuar ao lado de Lula nas ruas e em todos os ambientes que formos chamados à luta. Não acredito que as provas da obsessão sexual do atual presidente por adolescentes, o desprezo pela população das favelas e as agressões ao nordeste não terão uma resposta das urnas. Precisamos livrar o Brasil da tragédia que representaria Bolsonaro por mais 4 anos.

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Fachada

Vivemos no “Império da Arrogância Racionalista”, um universo que nos faz parecer garotos correndo por todo lado montados em vassouras, com chapéu de jornal dobrado e espada de papelão, crentes de que somos os donos do mundo. Tola ilusão. Nossa razão é tão somente uma fina e transparente camada de verniz a cobrir a alma humana, composta de um núcleo de medos envolto em crenças irracionais. Apesar de minúscula, ela nos confere uma proteção inédita entre os mamíferos dos quais tentamos insistentemente nos distanciar. Entretanto, ela não passa de uma fachada racionalista que, apesar de afastar nossos medos, não os expulsa por completo e não invalida a nossa essência pulsional.

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Paradoxo humano

Imagem: Maurits Cornelis Escher

Existe um fato perturbador, do qual muitos estudiosos se debruçaram: a participação ativa da vítima em uma relação abusiva. Este achado é sempre inquietante, pois tal evidência nos obriga a reconhecer que existem instâncias para além da consciência que determinam nossas ações, o que é uma ofensa à nossa arrogância racionalista.

É sempre mais fácil acreditar nos modelos banais, até porque para todo problema complexo existe uma resposta simples – e errada. Toda vez que testemunhamos uma relação abusiva e opressiva imediatamente nos identificamos com o(s) oprimido(s) e tentamos resgatá-lo(s) da situação injusta e cruel. Entretanto, muitas vezes percebemos que na relação entre estes polos ocorre um circuito de gozo, no qual o próprio oprimido é figura ativa. Nossas tentativas de trazer à razão tais sujeitos submetidos à violência esbarram no fato de que elementos irracionais – e muito mais poderosos – operam em sentido oposto, impedindo o fim da relação.

Por certo que nos angustia ver tais comportamentos, mas eles são tão reais quanto paradoxais.

Estas situações existem para além do cenário das relações amorosas. É claro que, na configuração contemporânea, existem muito mais homens abusivos e mulheres submetidas à violência doméstica, mas não é muito difícil reconhecer abusos no sentido oposto: homens vítimas de mulheres violentas, cuja expressão da crueldade se situa muito mais na esfera moral do que física – e bem sabemos o quanto aquelas podem ser tão dolorosas quanto estas. A participação ativa dos parceiros nestes enlaces continua a ser chocante para quem observa de fora, mas também é clara demais para ser negada. Por certo que há nestas relações uma participação ativa dos parceiros vitimizados, mas que uma abordagem superficial e descuidada (ou preconceituosa) é incapaz de desfazer.

Também no ambiente da atenção médica fica fácil perceber estas relações contraditórias que desafiam nosso entendimento. Lembro de uma paciente que me procurou porque tinha uma indicação de histerectomia. Quando lhe perguntei porque lhe haviam indicado esta cirurgia ela me mostrou uma ultrassonografia (solicitada de rotina) onde aparecia um mioma sub-seroso minúsculo, de menos de 2 cm. Disse ela que o médico afirmou que aquele pequeno tumor poderia virar uma “coisa ruim” e que era melhor retirar o útero o quanto antes, visto que ela já estava na menopausa e que este órgão “só serve para quem deseja ter filhos”.

Passei mais de uma hora explicando as razões pelas quais era absurda e desnecessária a retirada de um útero pela simples existência de um mioma inofensivo. Para todas as explicações ela oferecia mais perguntas, sempre me colocando no limite, ao estilo: “mas você pode garantir?”, “você tem certeza absoluta?”, “mas, e se a coisa ruim aparecer?”, demonstrando que havia por trás de suas palavras um desejo inconsciente – e inconfesso – de aceitar a determinação amputativa do outro profissional.

Saiu da consulta dizendo que havia entendido minhas explicações e que não faria a operação no seu útero. Todavia, poucos meses depois fiquei sabendo, por uma amiga em comum, que voltou a consultar com o médico e realizou a tal cirurgia. Por certo que minha reação inicial foi a indignação, mas rapidamente me dei conta de que esta era uma batalha perdida: é inútil tentar desfazer racionalmente uma decisão sustentada na mais pura irracionalidade. Havia elementos claros de formulações inconscientes sobre seu útero e – por certo – sobre sua própria sexualidade, que ela mesma jamais teria acesso de forma consciente, pois que tais razões estavam escondidas de forma cuidadosa de si mesma.

Na minha experiência o curto circuito acontece quando nos deparamos com o gozo paradoxal da vítima. Aí perdemos o chão, mas pelo menos este achado nos oferece uma pista para a pergunta fatal: “Como foi possível a ele(a) suportar tudo isso????” Ora, porque também era participante – mesmo que de forma inconsciente – do circuito doentio que sustentava a trama, e obtinha algum tipo de gozo nos espancamentos, na tortura, na submissão, na dor….

Diante da ligação nefasta entre um homem abusivo e uma mulher que se sujeita a ele é fácil acreditar que ela estava sendo enganada e ludibriada – o que também ocorre com muita frequência. Difícil é aceitar que dentro dela havia elementos perversos que não apenas suportavam os abusos, mas que deles retiravam uma importante fonte de gozo autodestrutivo. Reconhecer o paradoxo das ações cotidianas é um desafio terrível, mas que nos oferece a possibilidade de uma compreensão mais abrangente da alma humana. Essa é uma discussão mais ampla: continuamos a apontar os dedos para os abusadores (com razão) mas esquecemos que questionar porque tantas vítimas continuam acreditando em “mentiras encobridoras” – como as promessas, os arrependimentos, o romantismo, os presentes, etc. – e continuam se submetendo aos suplícios com sua capacidade crítica abafada ou tolhida.

Por certo que reconhecer o papel desempenhado pela vítima em tais composições em NADA absolve os sujeitos envolvidos em crimes horrendos, mas nos ajuda a entender o fluxo de emoções e pulsões de morte envolvido nas tramas da vida humana.

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Religião

A religião é uma ideologia de construção da realidade, assim como também é a ciência. A religião é exatamente perene e imortal porque sempre haverá desconhecido e algo a entender diante da imensidão do universo. O erro grave da nossa cultura é achar que religião é “má ciência”, como se houvesse entre ambas uma luta pela hegemonia do saber.

Errado: a religião se ocupa daquilo que a ciência não tem acesso (o próprio sentido da vida, o Bem, a moral, o Mal), mas quando a ciência ascende a um novo saber a religião se transmuta e se adapta. Pense no geocentrismo e no heliocentrismo. A religião se adaptou a estes saberes e se renovou a partir das descobertas científicas. Sim, a religião não é a possibilidade, mas a necessidade de pensar sobre o desconhecido e encontrar sentido onde só aparece o caos.

A religião não tem nada a ver com ignorância. O mau uso da religião pode levar a isso, mas o mau uso da ciência e da razão também. As religiões são ideologias interpretativas do mundo real e atingem questões que a ciência não consegue resolver. São compilações completas e complexas da sociedade e servem como guias, verdadeiros mapas culturais apoiadas sobre os valores profundo e da cultura.

A ignorância é o resultado (e não a causa) do não pensar e do não questionar. As religiões, via de regra, apontam caminhos, e oferecem gozos e penas para quem os trilha ou deles se desvia, mas é errado dizer que as religiões preconizam o não pensar.

Esse tipo de ataques à religião em essência – e não contra algumas crenças absurdas de várias religiões – é a quintessência do …. fundamentalismo!! Sim, exatamente isso: o “new atheism” é exatamente uma visão fundamentalista que pode ser tão nociva quanto a pior das crenças místicas medievais. A religião – que ele define como “uma perspectiva diferente da realidade” – jamais vai morrer, exatamente porque é da sua essência transformar-se, modificar-se e adaptar-se às novas realidades, inclusive aquelas que a própria ciência produz.

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Idealizações

Toda a paixão por uma causa leva fatalmente à idealização. Mulheres, negros, índios, partos, gays, trans, socialismo, religião e todas as outras causas nobres sucumbem – mais cedo ou mais tarde – a este tipo de arapuca.

Não há como evitar. Se o motor é a paixão, e sendo ela irracional, como evitar que estas ideias fujam das rédeas frágeis da razão? Com o tempo o ativista percebe que seus pés se afastaram tanto do chão firme que não existe mais contato possível com a realidade. Tudo em volta é etéreo e moldável, como o desejo, e a realidade é vista através de um funil que tanto focaliza um fato quanto apaga o mundo ao redor

A maturidade de uma luta parte do arrefecimento desse afã juvenil, que tanto impulsiona quanto oblitera a visão. Amadurecer é aceitar o recuo das paixões para que se estabeleça um contato mais racional com nossas causas e propostas.

Como no amor.

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Cabeça de baixo

“Homem só pensa com a cabeça de baixo”

A frase é usada, em geral, para entender (e não justificar) atitudes irracionais que homens cometem em função da pulsão sexual. Tipo, se envolver com uma mulher “perigosa” apenas por atração irresistível. O que eu acho injusto é dizer que os HOMENS agem assim, quando na verdade mulheres são conduzidas por esta mesma força e com igual volúpia. Eu não acho o termo pejorativo e nem o vejo sendo usado desta forma. Ele é usado como uma confissão do gigantismo de um e a pequenez de outro. Creio ser este seu sentido verdadeiro: reconhecer a potência do desejo diante da insignificância da razão como forças motrizes da humanidade

Eu sempre escutei a frase como um lamento e o reconhecimento de uma espécie de maldição do espírito humano, e nunca como forma de justificar atrocidades. Assim, acho essa frase errada, e acima de tudo injusta. Na verdade ambos, homens e mulheres, quase nunca pensam com a cabeça de cima, como nosso racionalismo arrogante propõe. Somos feito por um núcleo pulsante de temores atávicos, rodeados de crenças irracionais e cobertos por uma fina camada de frágil racionalidade, que mais nos ilude do que orienta.

Somos coordenados pelas “cabeças de baixo”, do submundo de nossos sentimentos de onde brotam nossas pulsões mais profundas, sombrias e egoísticas. Não creio que um gênero esteja menos condenado do que o outro a este aprisionamento.

Por outro lado, de uma certa forma isso é bom. Não fosse por essa brutal irracionalidade nossos encontros seriam muito mais insípidos e nossa população muito menor. O poder do desejo é o que ainda nos mantém por aqui…

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Amor, esse mistério

Ter filhos é um ato de amor e amar é da ordem do pulsional, portanto irracional. Assim, se você encontrar “razões” para ter filhos é porque não ouviu o chamado, o qual nunca lhe chegará pela racionalidade. Quem encontra razões para amar alguém não está amando de verdade, pois que este sentimento não se baseia no involucro acinzentado e racional que recobre nosso cérebro, mas nos porões cálidos, escuros e úmidos do nosso inconsciente. A razão para ter filhos está onde ela não está.

Zbigniew Andropov, ” люблю эту тайну” (Amor, esse mistério), Ed. Vogazes, pág. 135

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