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Desamparo

Amar alguém é ficar solto no espaço, sem garantias de que será resgatado. Tão dramático é esse movimento que a natureza o deixou longe da razão; seria arriscado demais para a continuidade da espécie que a nós fosse permitido ponderar antes de cair no precipício da paixão…

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Menos amor, por favor

Se a esquerda não ultrapassar a fase “o amor vencerá o ódio” seremos presas fáceis daqueles que fazem do ódio seu maior talento.

Não creio que precisamos fazer um governo centrado no amor, na compreensão, no afeto ou na alegria; estas são visões ingênuas da política, como se o seu exercício fosse uma prática sem contradições, sem choques, sem recuos, e como se “o amor cobrisse a multidão de ódio“; tal crença é demasiado cristã para ser verdadeira. Pelo contrário, precisamos de luta e enfrentamento, sem negligenciar a energia que emana da indignação.

Não se vence o fascismo oferecendo flores.

O discurso “paz e amor” nos fez perder espaço – e eleições – para a potência e a virilidade do bolsonarismo. Escutem os bolsonaristas!!! Sua retórica é de guerra e violência, e não se derrota essa energia com pacifismo. Precisamos deixar de fazer “resistência”, precisamos “largar as mãos”, precisamos deixar de lado a tentação onipresente de gozar na posição de vítimas e partir para a briga, sair “no soco”, na luta, no confronto, na batalha, no enfrentamento nas ruas.

Nosso discurso pacifista nos fez perder terreno, que levaremos muito tempo para recuperar. Adotamos erradamente uma postura passiva e frágil, cheia de lágrimas, sofrimentos, martírios e vitimismo.

Chega disso. A esquerda precisa atacar, sair à frente e parar de se defender. Precisamos mudar esse discurso frouxo, fragmentado, identitário e unificar nossas lutas.

Há poucos anos, na minha juventude durante a ditadura, todos falávamos em derrotar os inimigos, expulsar os militares, acabar com a censura e fortalecer as causas do povo; não pensávamos em chorar, reclamar e “resistir”. Hoje estamos contaminados com esse ideário neoliberal, essa opção pelo “amor”, as ideias cristãs, a não-agressão, o oferecimento da outra face e (a mais perniciosa de todas) a balela da “conciliação de classes”, porque ficamos intoxicados pela ilusão da sua possibilidade.

Não se combate fascismo com flores. A classe operária precisa largar a semiótica da paz. Não queremos a paz dos cemitérios e nem o silêncio dos mártires!! Precisamos jogar fora estas flores!!!”

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O amor

O amor sempre se inicia sob o signo da te(n)são. Não há como essa aproximação – violenta e catastrófica – ser calma e suave, branda e serena. Eu vou mais longe – creio mesmo que a tranquilidade é antagônica à paixão; ambas não podem jamais coexistir no tempo e no espaço. Fortuitamente, a paixão vai arrefecendo progressivamente, sua chama se abranda dando lugar a uma relação baseada no cuidado e na admiração, um nível de afeto mais seguro e tranquilo – e menos turbulento. Já o amor, em verdade, se torna possível tão somente quando, após sobrevivermos ao terremoto da paixão, conseguimos enxergar o outro pelas frestas da máscara de idealização que o forçamos a usar.

Franz Duprat, “Archipels d’affection”, (Arquipélagos do Afeto), ed. Astúrias, pág. 135

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Desamor

Eu creio que todos nós acreditamos que o amor que oferecemos é um bem muito precioso. E é mesmo; mas não é um ativo sobre o qual se possa exigir reciprocidade. Uma mulher abandonada vai dizer “e o amor, a dedicação, os filhos, os cuidados da casa, os sonhos compartilhados, a minha fidelidade? Vou ficar sem nada?” Cobram por essa carga enorme de afeto que foi por elas entregue, mas por certo esperando o retorno de quem um dia amaram.

Os homens da mesma forma vão falar do dinheiro, do tempo investido, do cuidado, do amor, da atenção e tudo que dedicaram à mulher a quem amaram – ou ainda amam.

Amores homoafetivos também não tem razão para serem diferentes. Quem é abandonado cobra a parte que lhe faltou na economia do amor. Essa é uma reação humana à mais antiga das dores – a dor crua e dilacerante do desamor.

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Amor

Entenda meu lindinho, o amor é traiçoeiro. Ele deixa o feio bonito, o mau se transforma em bom e o horrendo remediado. Nunca permita, minha doçura, que ele lhe engane. Entretanto, não crie ilusões de que seu corpo e sua alma serão infensos aos seus efeitos devastadores”, disse minha mãe.

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Hora Marcada

Oi amor
Não dava pra você chegar
Um pouco antes
Da gente se ver?
Assim, se você chega
Antes, da hora marcada
A gente senta e conversa
Antes de se encontrar…


Suzaneuka Matsouri, “Escritos hiperbólicos”, ed. Matraka, pág. 135

Suzaneuka Matsouri é o pseudônimo da poetisa boliviana Adelita Gonzales Gutierrez, nascida em Cochabamba em 1953. Filha de agricultores cocaleiros ela passou uma infância de privações e perdas, como a morte trágica de sua irmã em um incêndio, fato que a marcou por toda sua infância. Fez o curso primário em uma escola rural e foi trabalhar na cidade como cozinheira, doméstica, arrumadeira em uma rede de hotéis e numa fábrica de colchões. Com 20 anos de idade se casou com o militar Adolfo Gutierrez, cabo do exército boliviano, com quem teve 3 filhos. Já com 40 anos escreveu seu primeiro livro de poesias, baseados na sua vida bucólica no interior e sua infância entre rios, plantações, animais e natureza. Esse livro foi muito bem recebido pela crítica, e acabou lhe garantindo o prêmio Poetisa Revelação da associação de escritores da Bolívia – algo que lançou seu nome para o mercado editorial. Suas obras posteriores foram focadas no amor, nas perdas, no ressentimento e, sobretudo, na paixão. “Escritos Hiperbólicos” é o primeiro livro no qual aborda a paixão sob um prisma caracteristicamente erótico, abusando de referências sexuais e instigantes para a imaginação de seu público, prioritariamente feminino. Depois desse livro ainda escreveu “Sob o olhar de Aquiles”, e o recentemente lançado “Narciso e outros contos”, que foi sua primeira experiência com o romance de ficção. Mora em Cochabamba com o marido e seus três filhos. Juan, Oscar e Giselda.

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O Amor

Elize foi condenada pela assassinato de Marcos Matsunaga, que foi morto e esquartejado por ela em 2012, num crime que escandalizou o país.

Surpresos? Pois aceitem, o amor tem dessas coisas. Não vejo nenhuma contradição em uma assassina confessa declarar, de forma explícita e desvelada, seu amor por alguém, em especial sua filha. Em verdade, o amor (e seus desvios) é capaz de produzir o horror, o drama e a tragédia, pois que é tecido pelas finas tramas do desejo. A declaração dela pode ser legítima e sincera – e assim acredito que seja – o que não apaga seus crimes ou suas falhas. O amor, em sendo humano, é cheio de contradições e repleto de paradoxos.

Entretanto, o que de pior podemos fazer a um condenado é desumanizá-lo, e retirar dele a capacidade de amar é negar-lhe a condição mais primitiva que nos constitui. Retirar de uma prisioneira a possibilidade de “amar para além da vida” significa tirar dela a esperança, o fio tênue que pode fazê-la suportar a vida que lhe restou.

O curioso é ver uma declaração de amor banal como esta ser tratada com espanto, como se a nossa própria estrutura psíquica mais profunda não contivesse as dualidades conflituosas de amor e ódio, horror e transcendência.

Minha única crítica é que parece fácil “perdoar” a Eliza humanizando-a, colocando-se no seu lugar, olhando o mundo pelos seus olhos, caminhando pelas trilhas da vida calçando seu sapatos.

Muito justo. Entretanto, por que só Eluize e não Nardoni, Bruno ou mesmo o marido de Maria da Penha? Por que só alguns podem ser humanizados enquanto os outros são condenados à monstruosidade eterna?

Identificação é a chave.

Pois, “tudo quanto seja humano não me será estranho”, como diria o poeta e dramaturgo romano Publius Tererentius Afer. Consigo me identificar com os monstros tanto quanto com os anjos pois sei que ambos habitam em mim, e também em cada um de nós.

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Romance

Sempre me perguntei se haveria alguma razão para que eu fosse um sujeito romântico. Aqui vou conceituar “romântico” como alguém que acredita no amor entre duas pessoas, que pensa que uma relação assim pode gerar filhos e que constituir uma família pode ser um dos objetivos mais nobres da vida. Não se trata do romantismo de gestos externos como flores, bombons, declarações grandiloquentes ou, modernamente, carro de som na porta da casa – substituindo as serenatas. Não… apenas a crença no amor entre duas pessoas.

E vejam, coloco a crença no amor romântico apenas como mais um fetiche humano, tão válido quanto qualquer outro – cintas-liga, poliamor ou roupas de couro incluídas. É uma conexão afetiva de ordem irracional, portanto infensa às análises racionalistas e objetivas. Não acho que alguém se torna “superior” por se dedicar a essa fantasia, mas reconheço que os românticos assim definidos se tornam sujeitos mais fáceis para manter relacionamentos duradouros.

Escrevo isso porque arrumando livros antigos dos meus pais encontrei uma singela pista para o meu acanhado romantismo: uma carta que minha mãe escreveu ao meu pai uma semana antes de ganhar seu primeiro filho, meu irmão mais velho. A carta é um primor de romantismo, como não se encontra mais na literatura, mas também explica porque as mulheres nos anos 50-60 tinham muito mais facilidade para parir. O estado se espírito da minha mãe poucos antes do “grande dia” era de pura excitação com o que estava para ocorrer. Não havia uma linha sequer de angústia, preocupação ou temor, apenas uma viva ansiedade para ter seu filho nos braços…. e uma alegria imensa em poder cumprir aquilo que o “destino” havia legado a ela. Outros tempos, por certo…

Achei invasivo mostrar a carta inteira escrita por ela, mesmo que ambos já tenham partido, mas creio que a última frase é um primor de amor romântico e retrata bem as mulheres de sua época, que apostavam sua felicidade no amor profundo por seu companheiro e por seus filhos, dedicando-se uma vida inteira para que eles fossem felizes.

Lendo a derradeira frase daquela simpática missiva parece que estou assistindo uma novela escrita pela cubana radicada no Brasil Glória Magadan…

“My romance doesn’t need a castle rising in Spain
Nor a dance to a constantly surprising refrain
Wide awake I can make my most fantastic dreams come true
My romance doesn’t need a thing… but you”

Carly Simon – My Romance

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Desapego

Eu posso entender as pessoas, como meu pai, que sofreu muito depois que mais de 60 anos de convívio com a minha mãe foram interrompidos pela sua partida. Talvez essa perda fez desgastar muito da sua vontade de permanecer nesse plano. Admiro esse amor que despreza o tempo e a senescência da carne. No caso dos meus pais houve uma união que se manteve firme e forte, algo cada dia mais difícil de encontrar em um mundo de amores fugazes e inconstantes.

Apesar da imagem positiva que sempre guardei dessas uniões, não vejo nelas um valor absoluto. Não há porque acreditar que os casamentos – de qualquer tipo – deveriam continuar para além do tempo em que são úteis e construtivos a ambos. Parece que todos admiram e invejam relações duradouras, mas poucos são aqueles que sabem os martírios que por vezes estão escondidos por trás dessas uniões.

É comum a gente se apiedar do sobrevivente que fica entre nós quando a morte leva o parceiro. A gente diz “coitado” ou “tadinha” porque sabe que a morte de um será devastadora para o outro. Já a morte de alguém que nos é indiferente não nos maltrata nem desanima. Parece que amar é investir na dor de perder.

“Amam-se tanto que o amor deles é sua maior fragilidade”. Como um avarento que, de tão apegado às posses, sofre por antecipação pelo medo de perder sua riqueza. Talvez o segredo esteja mesmo no despojamento. Desapegar-se não apenas das cargas e riquezas materiais, mas também dos afetos, dos ressentimentos, das mágoas e ódios… e dos amores. Quanto mais apego, mais dor

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Visibilidade Trans

Em uma conversa sobre a visibilidade trans uma menina fez a seguinte observação:

“O que mata é a situação da prostituição, ser negro, ser pobre, ou seja, o de sempre. Homens brancos com grana podem transicionar pro que quiserem e vão ficar de boa”.

Deixei claro para ela que “de boa” era um exagero inaceitável. Dizer que outras condições de precariedade social, como a pobreza e a cor da pele, são elementos que agravam a marginalização dos sujeitos não nos autoriza a dizer que as transições de pessoas mais privilegiadas vão ocorrer com tranquilidade.

Eu nunca vi alguém trocar sua identidade sexual dando risada ou com leveza no coração. Isso é uma fantasia, mas pode acobertar uma brutal crueldade. Você pode passar por isso com mais ou menos sofrimento, mas nunca “de boa”, tranquilamente, fazendo festa. E digo mais, o que torna a transição um pouco mais tranquila para o transexual não será a cor da pele ou o dinheiro do sujeito, mas o suporte da família e do seu círculo de afetos. Ali mesmo, na mão amiga e compassiva é vai residir toda a diferença entre o sofrimento e a aceitação.

Ninguém sai do armário sob uma chuva de purpurina; as pessoas saem “chutadas”, mas esse chute é o sujeito que dá em si mesmo, premido pela angústia de viver uma vida dupla. Na questão da identidade de gênero a questão é ainda muito mais grave, pois não se trata apenas da orientação sexual (que pode ser absolutamente privada) mas tem a ver com a persona pública desse indivíduo, e a pressão social sobre ele será muito mais forte, cruel e até mordaz.

É óbvio que a cor da pele e a pobreza colocam elementos de agravamento sobre este cenário, mas acredito ser profundamente injusto com o sofrimento das pessoas brancas e de classe média dizer que sua passagem foi “fácil” ou “tranquila”. Não é, e basta conversar 15 minutos com alguém que passou por este processo para ver o quanto ele pode ser doloroso e desafiante.

Se a visibilidade trans pode nos oferecer alguma lição que seja esta: não participe de competições sobre quem é a maior vítima, separando o transexual branco, do preto, do classe média, do milionário e do pobre. Todos enfrentarão uma sociedade preconceituosa e cruel. Nenhum deles estará livre disso, mesmo que alguns tenham preconceitos que se somam e se intensificam. Todavia, o acolhimento deverá ser para todos, inobstante o grau objetivo de sofrimento que nós, erradamente, arbitramos.

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