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Um Morto Muito Louco

Muitos ainda se perguntam: o que une as personalidades de Bolsonaro, Milei, Boris Johnson e Trump? Qual o traço que os transforma em íntimos e semelhantes? O que os fez surgir no mesmo lapso curto de tempo, quase contemporâneos? Como é possível entender este fenômeno de forma unificada, tentando traçar uma linha de coerência e causalidade em suas aparições no cenário político internacional?

Creio que a resposta, como sempre, está em Marx. As crises do capitalismo e a falha deste sistema em equilibrar um modelo econômico e político fadado às crises cíclicas, produz este tipo de aparições bizarras: o surgimento de salvadores da pátria, sujeitos enviados para resgatar nossa grandeza perdida, trazer de volta nossa perspectiva de futuro, políticos que desprezam a política, atores sociais “sem ideologia” mas que a transpiram por todos os poros. Eles são sinalizadores macabros da transformação, o desespero de um modelo falido em manter-se vivo. Gramsci já havia deixado claro que é exatamente nesse espaço entre a morte do velho e o nascimento do novo que surgem os demônios e toda a monstruosidade guardada vem à tona.

Ou seja: estas figuras já estavam previstas pela própria natureza íntima do capitalismo. Inclua Netanyahu nessa lista de psicopatas surgidos em meio a crises brutais (como Adolf surgiu) e percebam como o Estado Racista Colonial de Israel já morreu e está apodrecendo à vista desarmada. Entretanto, enquanto não floresce a revolução que levará à igualdade é inevitável o aparecimento deste tipo de monstros, e com eles os seus delírios. Todos esses personagens são filhos de seu tempo e de suas circunstâncias, elementos que surgem do desespero em manter vivo um corpo que já se decompõe.

Aos poucos se fortalece a consciência de que a mudança não ocorrerá usando as mesmas estratégias de sempre imaginando com isso encontrar resultados diferentes. Um novo “acordo de Oslo” não dará fim ao conflito na Palestina e muito menos ainda a deposição do líder monstruoso de Israel. A solução está muito distante das tentativas até agora utilizadas, todas falhas memoráveis que apenas agravaram a situação. Da mesma forma, a troca de Biden por Trump será apenas o câmbio de uma fantasia, pois no imperialismo quem o controla as grandes corporações farmacêuticas e de informação também detém o aparente poder político. Quanto à direita fascista da América Latina ela continuará existindo reciclando seus nomes, passando de crise em crise, trocando o salvador da ocasião, até que o próprio capitalismo seja substituído por um sistema menos violento em sua natureza segregacionista de classes.

Nenhum desses nomes representa o mal em si; todos eles são personagens que desempenham o papel de manter as aparências do capitalismo defunto, como na comédia “Um Morto muito Louco”, de 1989, onde uma dupla de camaradas carrega o amigo morto fingindo que ainda está vivo. Assim fazemos nós, transportando o corpo inanimado de um projeto de sociedade que já não é mais capaz de oferecer ao mundo a equidade, a liberdade, a estabilidade e o respeito ao meio ambiente que todos necessitamos.

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Sil

Os aplausos ainda eram ouvidos no majestoso salão de conferências do hotel enquanto o representante Benjamin saía ladeado pelos seus assessores e seguranças. Ao se dirigir ao hall principal do hotel pelo corredor lateral, encontrou um jovem franzino e bem-vestido exatamente à sua frente, impedindo sua passagem.

– Silmara Bürling!! falou o jovem.

Ele tinha os punhos cerrados, os lábios crispados, o rosto contraído e o olhar cravado num ponto fixo entre a calva e as sobrancelhas de Benjamin. Esperou alguns segundos pela reação ao nome que havia pronunciado. Diante do silêncio, finalmente perguntou:

– Você conhece minha irmã. Sei disso.


– Desculpe, quem é você? disse Benjamin.


– Edgar Bürling. Sou o irmão mais novo de Silmara Bürling. Sei que você a conhece e sei sobre vocês. Em verdade sei tudo o que ocorreu, mas quero que você diga na minha cara a sua versão da história.

– Não sei do que você está falando. Por favor, não estou para brincadeiras. Com licença…

Afastou com um gesto brusco o corpo delgado do seu interlocutor da trilha pintada de vermelho do piso do corredor. O discurso inflamado e passional diante da multidão que acabara de lançar seu nome na disputa pela liderança do partido ainda ecoava pelas paredes do auditório, mas Benjamin se encontrava nitidamente inquieto e apressado para tomar um banho antes de sair para o coquetel da cúpula partidária que ocorreria mais tarde.

– Eu sei do bebê, disse ele.

O futuro primeiro-ministro interrompeu seu rumo e virou seu corpo em direção ao jovem.

– Não sei do que você está falando. Você deve estar me confundindo, rapaz. Passar bem.

Continuou sobre a trilha vermelha do tapete do corredor por mais alguns metros, sem olhar para trás. Enquanto ele caminhava com passos firmes, o jovem se manteve estático.

– Betsy!!

Gritou o nome, obrigando o político corpulento a se virar, um pouco antes de chegar à curva que levaria ao hall central do hotel.

– Betsy é o seu nome. Ela tem direitos, e você não pode impedi-la de nada.

– Pela última vez, não sei do que você está falando. Você está me confundindo, e se insistir em me assediar serei obrigado a chamar a segurança do hotel.

O jovem se manteve parado, sem mover um músculo sequer, olhando firme para o homem que viera encontrar, enquanto via seu corpo desaparecer ao virar no fim do corredor. Jerry por fim se aproximou. Benjamin acenou para o segurança com a mão espalmada em um abano rápido. “Deixe-o; ele se confundiu.” Entrou no elevador e apertou o 12. Pensou ainda em seu discurso, e o quanto seria custoso suportar os ataques que viriam dos opositores na longa disputa que se aproximava, mas também temia pelo fogo amigo, os inimigos de dentro do partido, em especial aqueles que não se furtavam em dar tapinhas nas costas enquanto armavam para lhe derrubar do posto de liderança. Escutou o estalido da porta do elevador se abrindo e seguiu em direção ao seu quarto. Tirou do bolso do terno a tarjeta magnética para abrir a porta do quarto e viu a luz verde na maçaneta anunciar que estava destravada.

Sentou-se na cama e colocou a mão no bolso interno do casaco. Tirou o celular para confirmar o horário e calculou o tempo do banho e da troca de roupa. Ergueu-se da cama e segurou sua carteira com as duas mãos. Pegou o cartão de crédito e colocou sobre o criado mudo. Na ranhura da carteira onde estava o cartão retirou uma pequena fotografia. Nela havia a imagem de uma moça loira, cabelos soltos, sorriso tímido. No verso da fotografia miúda pôde ler as 3 letras desenhadas.

“SIL”…

Arthur Sutherland-Bell, “Power and Lust”, ed. Manchester Press, pág 135

Arthur Bell é um jornalista e escritor escocês. Nascido em Aberdeen em 1969, estudou jornalismo e depois sociologia em Glasgow. Aos 30 anos escreveu seu primeiro livro, um romance histórico baseado nos acontecimentos ocorridos na guerra contra a coroa britânica em 1745, chamada de “Segundo Levante Jacobita” cujo objetivo era reconduzir Jaime II de Inglaterra, e posteriormente os descendentes da Casa de Stuart, para o trono após sua deposição pelo Parlamento durante a Revolução Gloriosa. Depois desse livro lançou mais dois romances que tiveram enorme sucesso editorial: “In bed with the Queen” e “Bloody Rainbow”, que virou série de TV na BBC com Mary Hildegard no papel da espiã que colocou a coroa britânica em perigo. Seu último livro foi exatamente “Lust and Power”, outro mega sucesso de vendas que dizem ser inspirado nos casos e romances do agora ex primeiro-ministro Boris Johnson, fato negado sistematicamente pelo autor. Na trama, o representante Benjamin Jenkins (B. J. mais uma coincidência?) é conduzido à liderança do partido e posteriormente ao cargo máximo do parlamento inglês. Entretanto, se vê envolvido em uma trama que inclui chantagem, sexo, morte e as entranhas apodrecidas da política no coração decadente do império inglês. Arthur Bell mora em Edimburgo, é casado com Filipa Nunes Souza e tem um cão chamado Rolf.

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