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Holofotes

Algumas personalidades da mídia que estão envolvidas com a crise climática atual vêm a público dizer que, no trabalho de ajuda às vítimas da enchente no Rio Grande do Sul, o Estado “só atrapalha” e o que está funcionando é o trabalho valoroso dos voluntários, em especial o pessoal de jet-ski. Fazem isso para valorizar seu próprio esforço, mas por certo que usam esse discurso para igualmente atacar o governo Lula. Bem o sabemos o quanto de base é invisível à vista desarmada, e por isso é preciso trazê-lo à luz. O cidadão comum percebe com facilidade a mão que entrega o sapato, a camisa, o cobertor, a água limpa e a comida, e para ele vão todos os agradecimentos e as homenagens, Entretanto, não consegue enxergar, sem um pouco de atenção e boa vontade, a longa linha de atores que garantiu a realização desse ato de solidariedade: o doador, o motorista, o veículo de transporte, o local onde colocamos os flagelados, a organização, a turma da limpeza, a logística, o apoio dos governos, etc. Na sociedade do espetáculo vale menos um cheque de 50 bilhões do que um garotão de jet-ski.

Ao lado de toda esta mobilização para ajudar as famílias atingidas pela tragédia, a competição dos influencers sobre quem está “ajudando mais” é um dos efeitos colaterais mais asquerosos da tragédia. O auxílio de personalidades não é ruim, mas quando é feita apenas para gerar publicidade – ou para atacar o governo – se torna um caso de polícia. Essa função é primeiramente do Estado, e o governo Lula está agindo de maneira exemplar para tratar as questões mais emergenciais, e já está absolutamente claro que muito da propaganda sobre a iniciativa pessoal de jogadores de futebol, artistas diversos, personalidades, ex-BBBs, surfistas e tem como objetivo principal criar a fantasia de que o governo nada faz. A torrente incessante de fake news, tratando a iniciativa federal como incompetente ou maléfica, prova que para a extrema direita fascista o sofrimento do povo pode ser usado como ferramenta política para atacar o atual governo.

É preciso enxergar para além do meramente manifesto para ser justo em cada avaliação. Para toda estrela de cinema exaltada e aplaudida existem centenas de pessoas nos bastidores e escritórios que financiam e dão suporte ao seu trabalho; para cada cirurgião salvador existe uma enorme equipe de trabalhadores da saúde na retaguarda, sem os quais o trabalho de cura seria impossível. O mesmo ocorre em toda ação de assistência. Cuidado com aqueles que, estando na ponta da linha de acão e sob as luzes dos holofotes, reclamam para si a exclusividade dos elogios e aplausos.

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Doações

Há alguns anos, conversando com amigos americanos ricos, eles me contaram que a escola onde seus filhos estudam no ensino fundamental precisava de uma reforma no pátio, e para isso solicitaram aos pais da comunidade doações em dinheiro.

Depois de uma visita à escola esse casal resolveu fazer uma polpuda oferta de 60 mil dólares para a escola, para refazer o pátio de forma completa. Não apenas uma reforma, mas um novo complexo de brinquedos e estruturas de esporte para as crianças se divertirem. Ambos contaram com muito orgulho a sua participação e seu desprendimento em auxiliar a escola do bairro.

É importante frisar que o ensino fundamental nos Estados Unidos é completamente gratuito e financiado pelo Estado. Apenas 10% dos estudantes estão em escolas privadas. Do jardim de infância até o fim do “high School” o aluno não paga nada, e os impostos financiam toda a educação básica dos americanos.

Entretanto, é permitido às escolas públicas receberem dinheiro e incentivo de particulares para melhorias em suas estruturas e equipamentos de laboratório, quadras de esporte, biblioteca, piscina, etc. Você pode pagar diretamente para melhorar as condições da escola onde seus filhos estudam ou qualquer outra instituição governamental.

É aí que residem os problemas. É muito comum vermos nos filmes americanos – ou quem visita suas escolas e universidades – placas em homenagem a doadores beneméritos e filantropos que ajudam instituições de ensino com gordos auxílios monetários. Isso coloca os alunos cujos pais são doadores em posição de destaque, o que cria uma espécie de dívida com a família do doador (vide link abaixo). O próprio cinema explora isso à exaustão, na cena em que o diretor vai falar com um aluno cujo avô tem uma placa de benemérito na escola.

Mas existe um outro problema mais sutil. Como as doações privadas são direcionadas a uma escola em especial – geralmente onde os filhos estudam – é do interesse do doador que a escola do seu bairro seja de excelentes condições porque isso valoriza – e muito – o valor do seu imóvel. Uma escola de excelência na comunidade faz disparar o preço da sua casa. Para além disso, esse direcionamento da doação faz com que, no mesmo sistema público de ensino, existam escolas espetaculares e escolas miseráveis. Todas pertencem ao mesmo Estado financiador, mas com estruturas absolutamente díspares, dependendo do dinheiro que circula dentro da comunidade.

Desta forma, bairros pobres —> escolas públicas pobres; ao mesmo tempo em que bairros ricos —> escolas públicas ricas. O modelo capitalista, mesmo diante de um sistema escolar público que deveria equalizar as oportunidades, acaba reproduzindo os mesmos desvios naturais que o caracterizam, incentivando desigualdades e criando castas de estudantes por escola e por bairro.

O ingresso às universidades está relacionado com o desempenho escolar nas séries fundamentais. Quem terá mais chances de sucesso? O estudante branco com um imenso laboratório de informática e química no bairro de classe média alta ou o estudante preto e latino do subúrbio, onde os banheiros estão quebrados e a biblioteca sequer existe?

Pensem nisso quando esses políticos vierem com ideias moderninhas de misturar fundos públicos com dinheiro da iniciativa privada. Nessas combinações nunca é o pobre que se beneficia.

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