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Psicologia Espírita

Eu não acredito na existência de “Psicologia Espírita”, nem de “Medicina Espírita” e tampouco creio na existência de uma “Arte Espírita”‘. Pelas mesmas razões, acho que não existe uma psicanálise com essa adjetivação. Creio que o espiritismo apresenta um sistema lógico para a compreensão da realidade espiritual, mas não oferece um sistema terapêutico próprio. Terapia reencarnacionista não é terapia espírita, até porque o espiritismo não é o proprietário da ideia da reencarnação – que existe em muitas outras doutrinas e tradições. E por fim, o tratamento do inconsciente parte dos imbricamentos do discurso do analisando, os quais são interpretados pelo analista, mas não cabe a este profissional tirar conclusões a partir de suas crenças nas vidas passadas, mas apenas do material simbólico trazido pelo sujeito em análise.

É importante definir o que entendemos por “tratamento espiritual”. Pela minha experiência, o que vi durante décadas frequentando Casas Espíritas, este tipo de tratamento não passa de ajuda oferecida por pessoas despreparadas para a escuta das dores psíquicas de um sujeito, fazendo pregações de ordem moral – e moralista – para espíritos em sessões mediúnicas.

Perguntas: Qual a diferença de fazer escuta do sofrimento psíquico de um espírito desencarnado ou de um encarnado? Por que achamos que escutar um “morto” que chora e está desesperado pode ser feito por qualquer pessoa de bons sentimentos em uma casa espírita? A “terapia espiritual” se baseia nesses chavões, nessa “boa vontade”, nos conselhos compassivos e nesses discursos vazios? As pessoas que tomam para si a tarefa de ouvir o sofrimento alheio (mortos ou vivos) não deveriam ser capacitadas para isso? Não é verdade que uma escuta preconceituosa e moralista pode causar tragédias? Quantas destes desastres estaremos fazendo em casas espíritas por falta de preparo de pessoas movidas por boa vontade ou por não reconhecerem a arrogância e vaidade dos “diretores de sessão” e seu desejo de serem reconhecidos como “curadores de espíritos”.

Outro ponto importante: quando falamos de problemas obsessivos de “mortos” e esquecemos que as verdadeiras obsessões estão entre os vivos. Não consigo perceber diferença alguma entre as influências espirituais e as materiais por um aspecto simples e fácil de entender: só existe obsessão se existir sintonia!! Você só encontra obsessores no seu caminho se estiver sintonizado em sua frequência vibratória – sejam eles desse mundo ou de outro. Portanto, qualquer tratamento só poderá enfocar o próprio SUJEITO, pois que este quando estiver equilibrado afastará qualquer influência maléfica externa que porventura puder influenciá-lo.

É uma ação meramente escapista – tipicamente exonerativa – responsabilizar elementos outros que não sejam afeitos apenas ao sujeito sofredor. Colocar a culpa de nossas mazelas nos “obsessores” é a mesma manobra ingênua de dizer que uma pessoa se desvirtuou por causa das “más companhias“.

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Sussurro

No sofá do canto da sala ajeitei meus pés sobre o espaldar e deitei meu corpo sobre o chenille gasto. Apoiei a cabeça sobre a almofada enquanto ouvia no canto oposto a risada tímida e contida de Margareth. Seus olhos verdes e salientes ainda produziam o mesmo contraste com o nariz arrebitado que tanto me encantara. O jeito de rir das piadas, quebrando as palavras em suas sílabas, conjugado com sua vivacidade curiosa sempre me atraíram de forma magnética. Durante anos ela ocupara um lugar central em minhas fantasias, mas as circunstâncias haviam fatalmente nos afastado. Minha posição era, portanto, mais do que desconfortável. Enquanto ainda sorvia seus encantos, seu perfume, sua delicadeza e me banhava nas memórias cálidas de nossas conversas e cafés compartilhados, minha morte recente não me permitia mais do que o deleite solitário de suas qualidades e o brotar de lembranças envolventes.

O sujeito a cortejá-la poderia enganar a qualquer um. Bem-vestido e com cabelo vistoso, com madeixas descoloridas a lhe cair sobre a fronte, parecia um playboy clichê do cinema italiano. A Comissão sabia muito bem de suas intenções e do perigo que representava, e coube a mim a tarefa de estar próximo a Margareth nesse encontro. Nossa amizade e a indisfarçável atração que nutri por ela durante tantos anos, me faziam a pessoa adequada para esta tarefa. Mas, por certo, tornavam a missão igualmente dolorosa.

Como recém-chegado, eu ainda não tinha pleno domínio das habilidades de convencimento dos encarnados. Para piorar, o curto período de treinamento não era capaz de nos oferecer o talento de encarar nossas próprias fantasias ou de controlar os impulsos eróticos que (surpresa!!) não se desfaziam com a morte. Margareth repousou a mão sobre o joelho e ergueu o queixo em direção ao homem que segurava a pequena caixa adornada com fitas coloridas em suas mãos. Sua postura indicava a frouxidão de suas defesas, o arrebatamento iminente das últimas barreiras. Em questão de minutos ela estaria sob o domínio completo do homem que planejava, inconscientemente, destruí-la, como já havia feito com tantas outras.

Era o momento de me erguer, sussurrar em seu ouvido as palavras que o instrutor me fizera repetir por tantas vezes e esperar que o gelo da razão fizesse seu coração se acalmar. Se não foi possível dizer tudo o que desejava em vida, que dissesse agora, após morto, o que era preciso.

Lisbeth Ellsworth, “The Spiral of Lust”, ed. Latina, pág. 135

Lisbeth Ellsworth nasceu em Tegucigalpa, filha de pais americanos. Seu pai era bispo da Igreja Presbiteriana de Honduras, mas teve que voltar às pressas para os Estados Unidos durante as rebeliões patrocinadas pela CIA neste país – assim como toda a América latina – nos anos 80. A primeira infância de Lisbeth foi envolvida com atentados, bombas, greves e muito medo. Quando voltou com a família para os Estados Unidos foi morar em Corpus Christi, no Texas, e estudou na Callalen High School. Ao terminar o highschool ingressou na Universidade do Texas onde se graduou em literatura hispânica. Escreveu seu primeiro livro “Streets of Arcieri” ainda na escola secundária, ganhando o prêmio literário júnior ao falar sobre o bairro pobre onde se localizava a Igreja que seu pai comandava. Escreveu 4 livros de contos além de “Spiral of Lust”. Hoje mora em Los Angeles, tem dois filhos e é casada com o crítico de cinema Francis Hubbard.

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