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Travesseiros

Sou de uma família de imigrantes ingleses que vieram para o Brasil no fim do século XIX para auxiliar na construção de ferrovias, em especial no nordeste brasileiro. Meu pai nasceu em Gravatá, em Pernambuco, e veio para o Rio Grande do Sul de navio, aos 6 anos de idade. Claro, Deus é um cara gozador e adora brincadeiras, e achou muito engraçado me botar cabreiro e só por isso acabei nascendo gaúcho. Mas esse é o lado paterno. Do lado materno sou alemão, de uma mistura das famílias Wagner, Aurich e Blumm.

Disse meu pai que os tios da minha mãe eram muito simpáticos a Adolf Hitler. Verdade seja dita, na minha cidade muitos eram, pois nossa colonização foi marcadamente alemã. Era tão forte a influência que na casa da minha avó só se falava alemão, a única língua que minha mãe falou até entrar na escola aos 6 anos. Não seria nada estranho a alemoada daqui se apaixonar pelas ideias de extrema direita do grande líder do Partido Nazista. Em verdade, o Brasil teve maior partido nazista fora da Alemanha, e o próprio presidente Getúlio Vargas, em várias ocasiões, demonstrou simpatia pela implantação do nazismo neste país, por seu forte nacionalismo e seu anticomunismo ferrenho. Não por outra razão tivemos uma carta constitucional outorgada em 1937, no auge do fervor nazista na Europa. Esta foi a 4ª Constituição brasileira e a 3ª do período republicano e ficou conhecida como a Constituição “Polaca” por ter leis de inspiração fascista, tal qual a Carta Magna polonesa de 1935. O texto foi elaborado pelo jurista Francisco Campos e outorgada em 10 de novembro de 1937.

A verdade é que, por seu amor ao mandatário alemão de triste memória, muitos destes tios da minha mãe se tornaram membros da Ação Integralista. Esse movimento, cujos grandes nomes foram Plínio Salgado e Gustavo Barroso (este último um famoso antissemita) era de caráter nacionalista e defendia “a luta contra o materialismo proveniente tanto do capitalismo quanto do comunismo, além da necessidade de uma reforma espiritual do homem brasileiro”. Os integralistas afirmavam que o grande capital internacional é uma faceta tanto do capitalismo quanto do comunismo, baseados na mesma estrutura, que controla os países do Ocidente desde a Revolução Francesa usando o poder do dinheiro, a “Internacional Dourada” ou a “Internacional Vermelha” devido às revoluções proletárias. Ao mesmo tempo, a tríade “Deus, pátria e família” continua a ser a base da doutrina integralista. Possui algumas semelhanças com o Bolsonarismo, mas esta corrente fascista contemporânea é predominantemente imperialista, ligada ao poder americano.

A verdade é que por uma série de pressões Getúlio Vargas, a despeito de sua admiração pessoal pelo Führer, entrou para o grupo de países que combateriam a Alemanha na segunda guerra. Este fato levou muito medo à comunidade alemã do Rio Grande do Sul. Meu avô Olinto, pai de minha mãe, chegou a ser preso por suspeitas – que se mostraram infundadas – de colaboração com os alemães. Por esta razão, os integralistas entraram em descrédito, a ponto de serem perseguidos por estarem ligados ao fascismo europeu. Com isso, os tios da minha mãe se livraram do uniformes integralistas e jamais voltaram a tocar no assunto. Entretanto, essa era um história que se manteve viva pelas conversas que corriam à “boca pequena” na família, mas foi sempre tratada como algo para ser esquecido, um erro cometido no passado.

Quando meu pai se casou, levou para nossa casa uns travesseiros que estavam na casa da minha mãe, e que foram usados por algum tempo pela sua família. Muitos anos depois, quando já estavam muito velhos, um deles se rasgou, rompido pela gastura do tecido, frágil e puído. Foi então que meu pai encontrou, entre as espumas do travesseiro, pedaços cortados dos uniformes verdes dos integralistas, transformados em retalhos de pano, enchimentos para esconder a velha vinculação de seus antigos usuários com o fascismo “made in Brasil”.

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A Salvação do Capitalismo

Segundo minha perspectiva – e a de vários analistas – Lula é um Roosevelt brasileiro, guardadas as proporções. Sim, porque Lula é muito mais brilhante, preparado e inteligente do que o presidente americano. Apesar das diferenças, tanto para Franklin quanto para Luís Inácio coube a estupenda tarefa de salvar o moribundo capitalismo de seus países e lhes oferecer uma ilusória sobrevida. Franklin conseguiu adiar uma grande revolução por quase um século, mas não acho que Lula conseguirá o mesmo sucesso. As condições do capitalismo mundial não suportarão por mais tanto tempo.

Porém, os limites de Lula se situam nas fronteiras da democracia burguesa; ou seja: Lula se limita a jogar “dentro das 4 linhas”, como diria seu antecessor de má memória. É por essa paixão pela instauração de um “capitalismo com face humana” que liberais como Reinaldo Azevedo agora o aplaudem Lula com pleno entusiasmo, a ponto de afirmar que “Lula está salvando o capitalismo brasileiro, enquanto Bolsonaro trabalhava pelo seu extermínio”.

O problema, como sabemos, é que as democracias liberais capitalistas são insustentáveis em médio prazo. Com o tempo essas democracias burguesas reagem com violência aos avanços do poder popular. É um sistema criado para manter a artificialidade do poder burguês, que tem como característica a concentração crescente de riqueza (e de poder) na mão de poucos. Nossa história mostra que ela serve a uma classe, e quando essa classe se sente ameaçada ela manda às favas a própria democracia. Assim foi com Getúlio, em 1964, em 2016 e após a vitória de Lula. Há poucos meses, com a eleição de Lula, já havia um contingente considerável de brasileiros pedindo ditadura, para que os poderes ficassem intactos. O capital, nesse modelo realçado pelos liberais, é o “dono da bola”: será democracia quando me interessar, mas mando apagar a luz e levo a bola pra casa se meu time estiver perdendo.

O modelo de democracia vinculada ao poder econômico, que controla os processos de produção e os meios de comunicação acaba invariavelmente entrando em crise, tão logo os 99% de pessoas que são exploradas pela elite financeira começam a exigir seu quinhão no bolo da riqueza nacional. Desta forma, sustentar o poder burguês indefinidamente, é uma ilusão que ainda vai nos atormentar, e nem a figura brilhante de Lula vai conseguir mantê-lo vivo. Estamos na UTI do capitalismo, e nada poderá salvá-lo; nem o mais brilhante estadista do planeta.

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