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Felicidade

No livro “The Village Effect” Susan Pinker nos fala sobre a importância dos relacionamentos para a saúde, a longevidade e a felicidade, e neste livro ela operacionaliza a questão dos afetos, mostrando que os relacionamentos – quando garantidos pela “vila” – podem oferecer às pessoas a possibilidade de uma vida produtiva e feliz. Porém, não é mais segredo para ninguém que pessoas felizes não são boas consumidoras; portanto, a felicidade e a plenitude não interessam ao sistema. Fácil entender: quem é pleno não buscará no consumo algo que lhe falta. Em verdade, ser explicitamente feliz em uma sociedade doente é a mais sofisticada forma de mobilização revolucionária.a.

Enquanto isso, a biomedicina contemporânea tecnocrática, ligada ao capitalismo e o neoliberalismo, desconsidera o quanto o estilo de vida pode modificar os padrões de saúde e bem-estar. Estudos existem por toda a parte para confirmar que a felicidade é algo que se produz de dentro para fora, mas continuamos acreditando que a solução das mazelas físicas e psíquicas dos sujeitos sociais se dá somente pela adição de drogas e intervenções cirúrgicas, cujos efeitos em médio e longo prazos são muitas vezes desconhecidos – ou reconhecidamente danosos.

Em verdade, a vida ocidental contemporânea vai na direção oposta das descobertas dos estudos sobre a felicidade e o bem-estar, desmerecendo o poder da solidariedade em nome de aquisições materiais fugazes e descartáveis. Desta forma, até que a sociedade acorde da sedação/sedução materialista da sociedade de consumo ainda teremos muita “miséria emocional glamurosa“, o culto ao dinheiro e a drogadição (legal e ilegal) como estímulos sociais para suportar uma vida de crescente infelicidade.

“Somos tão pobres que ao invés de criarmos riqueza criamos bilionários”, enquanto deixamos que as coisas sejam mais importantes que as amizades e o convívio.

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Futebol Moderno

Não há como comparar, na atualidade, o futebol europeu com o futebol praticado no resto do mundo. Na condição de tricolor, o jogo do meu Grêmio contra o Real Madrid em 2017 marcou esta diferença, que a partir de então ficou muito clara para mim. Eram (para usar a palavra da moda) patamares diferentes de futebol. No campeonato mundial patrocinado pela FIFA os sul-americanos chegam lá para fazer um “crime”, jogar por uma bola, tentar o milagre, fazer história. Parecemos clubes do interior jogando contra potências futebolísticas da capital. Já os gringos vão fazer compras e curtir os hotéis de luxo das cidades árabes. Estamos muito mais próximos do futebol da Arábia e mesmo da África do que do futebol da Europa. Prova disso é que nas últimas 10 semifinais os clubes da América Latina foram batidos por clubes africanos e de outras praças. O futebol dos anos 80-90 foi último suspiro dessa proximidade; a distância se tornou insuperável pela força do poder econômico; o dinheiro destruiu a competitividade no futebol; um fosso gigantesco se abriu separando o futebol praticado no centro do Imperialismo com aquele da periferia.

Eu sei: os clubes europeus são “legiões estrangeiras” cheios de jogadores da periferia, mas eles apenas arrecadam a mão de obra no sul global; o dinheiro, a organização, os estádios e o marketing é todo deles. Pensem apenas o seguinte: o jogador Neymar ganha sozinho mais do que todos os jogadores do Palmeiras e do Flamengo juntos – que já tem salários obscenos para a realidade do país. Ou seja: ele ganha mais que o plantel inteiro dos dois clubes mais ricos do país. Segundo dados da revista Forbes de 2022, Neymar ganha US$ 55 milhões anuais entre salários e bônus por metas em campo. Por mês arrecada ao redor de US$ 4,5 milhões, o que representa na cotação atual quase R$ 23 milhões. Ainda de acordo com a publicação, Neymar ganha mais US$ 32 milhões por seu trabalho fora de campo, principalmente emprestando seu nome para publicidade de inúmeros produtos. O jogador mais bem pago do Brasil ganha um décimo do que ganha o Neymar. É um poder econômico contra o qual não há como competir.

Com o futebol europeu sendo comprado por bilionários do petróleo ou novos ricos do leste europeu a tendência é que este esporte fique cada vez mais distante do povo. Cada vez mais concentrador de renda – e de títulos – e paulatinamente afastado do trabalhador pobre, o destino desse esporte é se tornar um jogo para as elites, controlado por magnatas, com uma estrutura que visa essencialmente o lucro, na mais acabada perspectiva neoliberal. Enquanto isso, vai se afastando das torcidas, expulsas dos estádios e cada vez mais alienadas das decisões do clube.

O futebol também precisa de uma revolução, para evitar que venha a desaparecer pelo extermínio de sua motivação mais primitiva: a paixão.

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Nostalgia

Quantas vezes a gente já escutou essa expressão?

“A gente era feliz e não sabia. Que saudade da minha infância”

A gente – no sentido de todos nós – não era mais feliz e nem mais alegre nos anos 60-70. Também não era mais saudável bebendo anilina no K-Suco, respirando DDT no “Flit” ou se engasgado com bala Soft. Talvez um pouco mais seguros, desde que a gente pense apenas na pequena fatia de classe média a qual eu mesmo pertencia. Sim, naquele tempo era possível voltar a pé da casa da namorada de madrugada sem temer ser assaltado. Entretanto, ao mesmo tempo em que eu desfrutava dessa liberdade, os pobres – naquela época 80% da população – experimentavam todas as inseguranças possíveis. Da insegurança de não haver escola, de não ter o que comer até de ser espancado impunemente pela Polícia pelo crime de ser pobre.

Nós, que vivíamos em uma pequena bolha social, tínhamos mais segurança porque a violência urbana – resultado das crescentes contradições do capitalismo – ainda não havia explodido e se tornado o que é hoje: um desastre cotidiano de segurança pública, brutalidade policial, violência moral contra a população pobre, crimes domésticos, etc. Olhar com saudosismo para o século passado sem sair da pequena caixa de classe média onde estamos inseridos é perder o contexto. Este é, em verdade, o erro mais característico da direita: olham para o Brasil como se fosse uma extensão do seu bairro, desconhecendo propositalmente a miséria e a desassistência que nos circunda. Dentro de suas redomas, a realidade pode ser muito enganadora.

Temos esse saudosismo sobre o passado por sermos capazes de escolher aquelas lembranças que nos parecem mais adequadas para uma melhor adaptação a qualquer situação. O esquecimento de aspectos ruins e traumáticos de nossas vidas é essencial para que possamos guiar nosso comportamento e essa inibição da memória é parte fundamental do funcionamento cognitivo. Além disso, deixar de olhar para o lixo que se acumula pelo capitalismo sempre nos dá a impressão de um lugar mais limpo, por mais que isso seja uma miragem.

A vida no passado pode nos parecer mais sorridente apenas quando apagamos os seus aspectos negativos e olhamos exclusivamente para o mundo que nos cerca, o pequeno universo ao redor do nosso próprio umbigo.

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Ciência

Vamos combinar que as pessoas não questionam a “ciência”, mas questionam o uso que algumas pessoas fazem dela. Aliás, é da essência da ciência ser questionada, seus fatos analisados e suas conclusões desafiadas. O racismo já foi científico, o geocentrismo também; Talidomida, raios x em grávidas e Vioxx, idem.

Eu prefiro dizer que só os tolos tem “fé na ciência”, e a minha relação com ela sempre foi de justificada desconfiança. A ciência é a busca do conhecimento, mas é uma criação humana e, portanto, imperfeita e enviesada. Dentro do capitalismo os achados da ciência serão sempre tendenciosos, constrangidos pelo poder econômico e, por isso, precisam sofrer de nós uma legítima e sistemática contestação.

Porém, ao dizer isso, não afirmo que a contestação às ciência produzidas se fará pela irracionalidade ou pelo misticismo, mas com mais ciência, resolvendo as falhas que porventura ocorrem nas pesquisas e estudos produzidos com intenções espúrias.

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Os botes cubanos

Não se passa um dia sequer que eu não escute ou leia de um liberal a seguinte frase, normalmente dita ou escrita com sofisticada empáfia, digna da mais absoluta lacração:

“Nunca vi um americano pegando um bote e fugindo pra Cuba”.

Esse é o mantra dos direitistas, que enxergam apenas a superfície dos fatos, sem entender o que leva as pessoas a fazer esse movimento dramático de fuga de seu país. Dica: não é em busca de liberdade. Até porque o migrante que vai dividir um quarto de 3×3 com 16 pessoas, depois de atravessar um deserto ou se jogar em um mar cheio de tubarões e ratos americanos para quase morrer de sede, não está preocupado com sua liberdade pessoal. O que deseja é uma chance de ascender.

Acham mesmo que um americano pobre da periferia das grandes cidades, nas favelas de Detroit, que urina em banheiro químico, sem teto que mora numa tenda de lona no bairro Skid Row em Los Angeles, não tem dinheiro pra tratar os dentes, tem uma qualidade de vida subsaariana, mora num deserto alimentar, não tem SUS e só pode ser atendido por caridade, seus filhos não tem escola decente e morre de medo de ser espancado e morto por gangues – ou, pior ainda, pela polícia – não aceitaria fugir para um país onde segurança, educação, saúde e moradia são garantidas pelo Estado? Acha mesmo que eles se importam com uma noção idealista de “liberdade” quando a materialidade de suas vidas apresenta a prisão da miséria? E sabe por que eles não fazem isso? Porque são tão miseráveis no capitalismo que não teriam condições sequer de comprar um bote, e também porque a sociedade cubana não poderia suportar os milhões de americanos que fariam essa travessia. E sabe por que eles não fazem isso? Porque são tão miseráveis no capitalismo que não teriam condições sequer de comprar um bote, e também porque a sociedade cubana não poderia suportar os milhões de americanos que fariam essa travessia.

Parece exagero? Olhem para o norte do México e verão cidades inteiras onde o inglês virou a língua mais falada. Existe uma crescente emigração de aposentados americanos para cidades como San Miguel de Allende para que possam viver uma vida com clima melhor e com saúde mais barata do que aquela do sistema privado americano. Nos Estados Unidos mais de 70% dos americanos desejam uma modelo único de saúde, mas isso nunca esteve mais distante do que hoje, pois os governantes sonegam dos cidadãos esse sistema por interesses econômicos, e porque as eleições americanas são uma farsa comandada pelo deep state, onde os presidentes são apenas os CEOs de uma empresa cujos donos são os capitalistas.

“Ahh, mas os imigrantes nos Estados Unidos são atendidos através do Charity Care”. Sim, é verdade, porém é preciso entender que a caridade que eles recebem lhes transforma em cidadãos de segunda classe e que esse benefício recebido por eles é pago por toda a periferia do capitalismo que sustenta o império. Somos nós, o terceiro mundo, que garante – com seu trabalho e seus recursos – a opulência obscena dos países imperialistas. Acham mesmo que a qualidade de vida dos americanos – um modelo que vai esgotar os recursos do planeta em breve – é produzida pelo sistema capitalista concentrador de renda, que só é mantido através da violência e que condena milhões a não ter sequer o que comer, negando aos seus cidadãos abrigo e segurança? Não, isso é o resultado do imperialismo opressor, que condena a periferia ao servilismo.

Para quem acha o modelo socialista cubano ruim tenha ao menos a honestidade não o comparar com os países imperialistas, como o seu vizinho, os Estados Unidos – com seus 8 milhões de km2 e seus mais de 330 milhões de habitantes. Compare Cuba com o Haiti, com Honduras, com a Jamaica, com El Salvador ou a República Dominicana. Todos de origem étnica e história semelhantes; todos capitalistas e todos miseráveis – com exceção de Cuba, que ofereceu dignidade humana a quem mora lá. O Haiti, por exemplo, tem um PIB 10x menor que o de Cuba, e todos esses países capitalistas tem migrantes que fogem para os Estados Unidos, México e até mesmo para o Brasil.

Entendam… o socialismo tornou o país mais pobre da Europa – a Rússia – em uma potência nuclear e um player no debate político, econômico e cultural contemporâneo. O socialismo transformou o país mais pobre e mais explorado da Ásia – a China – em uma enorme potência econômica, industrial e tecnológica. Cuba se tornou um país melhor, sendo referência mundial em educação e saúde. Agora… tome 5 minutos para pensar como a ilha seria sem o embargo cruel dos americanos. Agora reserve outros 5 minutos para entender que o embargo é exatamente para que a ilha não possa florescer e mostrar ao mundo que um outro modelo político e outro estilo de vida é possível.

E por fim, não me venham falar de capitalismo e “liberdade”, pois que esse modelo se importa tão somente com a propriedade privada. Os capitalistas do mundo inteiro jamais se importaram que seu sistema abrigasse a escravidão, o apartheid e o jugo imperialista sobre outras nações. Por que se importariam com a real liberdade de seus cidadãos se ela representa o fim dos seus privilégios?

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Crime

Um jovem, cuidado por um padrasto militar e explicitamente nazista, pega armas do pai (CAC), vai para dois colégios munido de armamento pesado e mata várias pessoas. Depois disso volta para casa e vai para a praia com a família. Parece um enredo de uma peça de Nelson Rodrigues, mas é apenas o fato ocorrido na cidade de Aracruz, no interior do Espírito Santo. Apesar de ser algo pouco comum no Brasil é algo que ocorre diariamente nos Estados Unidos (school shootings), o país que mais produz este tipo de ação destrutiva. Parece que as iniciativas de distribuição de armas protagonizada por Bolsonaro estão desde já mostrando seus resultados.

Diante da barbárie desta ação, e a frieza com a qual foi conduzida, nos perguntamos: Por quê?

Parafraseando Tolstói, “As pessoas que não matam o fazem por uma única razão; as que matam o fazem pelas mais diversas razões”. As que não matam tem estruturas psíquicas – muito mais do que a lei – que as impedem de tirar a vida de alguém. Mas todas as explicações que eu poderia dar para o fato de alguém matar um semelhante se encontram confinadas apenas ao espectro da neurose; não há como me identificar com alguém que circula na perversão. Estas razões são para mim são um mistério.

Para alguns a resposta é simples: “São criminosos brutais. Gente do mal. Que se entendam com a lei”. Neste caso, para que debater? Coloquem logo em uma jaula. Pronto, o problema está resolvido. Simples, não? Mas com esta simplificação não teremos mais a necessidade de abordar estes casos através do cientista social, do criminologista, da assistente social, do psicanalista e do psicólogo. Precisamos apenas sistema judiciário e carcereiros. Ahhh… e se o espancador não for da cor “normal” a gente sabe como o judiciário atua, não?

Veja, esse é o pensamento clássico punitivista, um modelo moralista que entende as pessoas de uma determinada localidade (cidade, país, planeta) como divididas entre dois grupos essenciais: pessoas “do bem” e pessoas “do mal“. Todo mundo conhece um bolsonarista que usa essa perspectiva e essa divisão da sociedade. Nessa lógica a aplicação da lei e a segregação (ou mesmo eliminação) das pessoas “do mal”, com eficiência e precisão, determinará que na sociedade (e em liberdade) sobrem apenas as pessoas “do bem”. Assim, a lei depura “o cesto que contém maçãs podres”.

E aqui está nossa dose diária de essencialismo moralizante. Esse é o pensamento neoliberal de direita, de gente de bem, armada, que atira em assaltantes, criminosos, traficantes etc. Quem pode dizer que estão errados?

Bem, eu digo. Se estes sujeitos são criminosos – e precisamos contê-los – isso não impede que sejam entendidos em suas motivações. Pelo contrário, precisamos levar a fundo a pergunta que é fundamental: “O que leva alguém a matar…” pois sem essa resposta faremos o mesmo que os americanos, que transformaram a América Livre no “país dos prisioneiros”, um lugar onde quase 2.3 milhões de pessoas estão encarceradas a um custo de mais de 50 bilhões de dólares anuais, sendo que 200 mil desses presos são mulheres e mães. Ou mesmo o Brasil, onde 920 mil pessoas tem privação da liberdade. E de que adianta esse aprisionamento em massa? Do ponto de vista da eliminação da violência NADA. As ações punitivas tem resultados pífios. O crime é muito mais consequência do que causa. Colocar gente na prisão apenas abre vaga para novatos aqui fora…

Um sujeito que espanca talvez peça socorro. Outro está reproduzindo a única matriz de relacionamento que aprendeu na infância. Outro é psicopata. Aquele outro se vingou de um espancamento que recebeu previamente. Cada sujeito espanca por sua história e suas dores. Mulheres são as maiores espancadoras de crianças – mas a gente encontra justificativas com muito mais facilidade, não? – e também elas precisam ser entendidas para podermos curar a ferida da violência doméstica em sua origem, e não na ponta do iceberg – a pancada explícita e pública.

Dizer que estes sujeitos são criminosos é a típica meia-verdade, porque quem furta uma blusa na loja do centro também é ladrão, assim como a mulher pobre que rouba comida para dar aos filhos famintos, mas a história por trás desses furtos muitas vezes pode nos fazer entender a lógica que os motivam. E sem entende esta lógica jamais conseguiremos prever que novos crimes ocorram, exatamente porque desconhecemos a fonte de onde brota. Por trás dessas histórias por certo estará a estrutura perversa da nossa sociedade, a falha do capitalismo em oferecer justiça social e equidade e sua decadência espalhafatosa, que faz surgir em várias partes do mundo a sombra monstruosa do fascismo e, aqui no Brasil, sua vertente mais excludente e violenta: o neonazismo moreno brazuca.

Desta forma, sem entender o sujeito criminoso e o contexto político, econômico e social que o envolve qualquer abordagem será parcial. Prender o criminoso, seja ele o espancador, o assassino, o ladrão pode ter o efeito de estancar a hemorragia temporariamente – e por isso não podemos abrir mão da repressão ao crime – mas nada faz para impedir que novos cortes ocorram na carne da sociedade. Somos uma sociedade perversa; como esperávamos que os sujeitos que nela se criam não tomassem a perversidade como um signo a seguir?

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Trabalho

A mensagem que fica, a partir da ingênua resposta da menina é: você não precisa ser uma mera empregada (comissária de bordo); pode ser uma empresária e dona de um avião. Essa é a moral que subjaz, o subtexto que brota das palavras da menina, travestida de empoderamento feminino. Troque “avião” por qualquer setor do capitalismo, como loja, fábrica, empresa, escritório, etc… e verá que existe um nível de valoração que vai do mais baixo (o trabalhador, a comissária, o empregado) até o capitalista (o dono do avião, o proprietário da empresa, o dono da loja), como se trabalhar e ter uma função (como o simples proletário e a comissária) fosse menos nobre, menos válido ou menos importante do que ser um capitalista dono das coisas, cuja virtude fundamental é possuir grandes volumes de dinheiro, cuja origem é sempre desconsiderada nesta equação.

Pior: as palavras da garota escondem a verdade, vendendo a imagem ilusória de que uma menina pode vir a ser dona de um avião “se ela se esforçar muito“, quando a realidade material mostra que os donos de avião – e de fábricas, de terras, de grandes lojas, etc – pouco se esforçaram na vida em comparação ao trabalhador comum – como qualquer um de nós. Apesar de exceções notáveis e pontuais, são pessoas cuja riqueza vem de suas famílias, de sua classe, de seus contatos e do acúmulo de capital que as gerações anteriores produziram. Portanto, a frase contém uma glamorização do capitalismo e dos bilionários, enquanto insiste na desvalorização do trabalho de todos nós, o qual é tratado como algo menor, menos valoroso e menos interessante quando comparado com o charme de ser bilionário…

Para que fique mais fácil entender, se esse avião for da Virgin Airlines a dona dele se chama Joan Templeman, esposa de Richard Branson, e ela se esforçou durante a sua vida muito menos do que qualquer comissária de bordo. Essa é a questão de querer ser “dono” ao invés de ser “trabalhador”. Para trabalhar é preciso esforço; para ser “dono” nem sempre.

Para descontrair:

A enfermeira sorridente apresenta o bebê recém nascido à sua irmãzinha pelo vidro da maternidade. Ao lado da menina o pai sorri para a moça com o bebê nos braços e diz para sua filha:

– Sabia que se você estudar bastante também poderá ser uma parteira?
A menina põe as mãos na cintura, empina o queixo e então responde:
– Se eu quiser posso ser a dona do hospital!!

Os demais pais, que aguardavam ansiosos para ver seus bebês na sala de espera, abraçam e consolam o pobre pai que cai em prantos enquanto diz entre soluços: “onde foi que dei errei? O que fiz de tão errado?”.

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Direitas

As direitas europeias, sem perceber que estão no olho do furacão da crise capitalista, confundem adotar uma posição “antissistema” com namorar o nazifascismo. Ou seja, mais cedo ou mais tarde as direitas no mundo inteiro se rendem à sedução moralista, ao “patriotismo”, à constituição patriarcal da família e à teocracia. Acreditam que existe uma “grande ordem mundial” perversa e destrutiva, semelhante aos “sábios do Sião”, que controla o capitalismo e o corrompe. “Não é o sistema“, dizem eles, “são os imorais e gananciosos que o controlam“.

Infelizmente não perceberam ainda que o “mostro tenebroso” que nos oprime não é quem controla o capitalismo, mas o próprio capitalismo, que se desmancha em frente aos nossos olhos por sua incapacidade de oferecer saúde, segurança, educação, justiça social e prosperidade ao povo. O que estamos vendo nos últimos anos é exatamente mais uma crise brutal de seus valores, regurgitada em convulsões, autoritarismo, Orbán, Bolsonaro, guerra na Ucrânia e declínio do Império. Não há possibilidade de mudar o destino catastrófico do mundo sem mudar seu sistema. Não se trata de “se”, mas “quando”, pois que nossa alternativa é a autodestruição.

Socialismo ou barbárie.

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Ame-se

“Ame a si mesmo acima de tudo”

“A melhor companhia é você mesmo”

“Seu melhor amigo você encontra olhando no espelho”

“Seja a melhor companhia para você mesma”

“Aperte o foda-se”

“Ame-se”

Estes são os mantras da sociedades contemporâneas, repetidos indefinidamente pelo capitalismo individualista, o mesmo que lhe transforma em um ser superior e soberano por possuir um cartão de crédito na carteira. Nesse mundo as relações sociais tornam-se muletas, penduricalhos afetivos; o ser social superior pós-moderno é solitário, independente, consumidor e frio.

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Divisionismos

Filho nunca vai ser o atraso pra quem gosta de trabalhar… mulheres guerreiras tem meu respeito.”

A legenda dessa foto na internet, escrita por um homem, foi: “Filho nunca vai ser o atraso pra quem gosta de trabalhar… mulheres guerreiras tem meu respeito”.

A resposta de uma internauta indignada foi: “Sempre tem um macho que…”

A manifestação desse sujeito é obviamente idiota, e realmente está romantizando o trabalho escravo e desumano ao qual as mulheres se submetem. Não há nada de romântico ou nobre em trazer um filho pequeno para seu trabalho por absoluta falta de suporte, seja de creches ou de licenças especiais para a maternagem. Não há dúvida que esta mulher merece todo o nosso respeito, mas não apenas isso; ela merece justiça e valorização do seu trabalho. Não é sobre o respeito que devemos debater…

Entretanto, me incomoda muito quando alguém diz que isso foi dito por um “macho”, como se a motivação para escrever esta tolice foi pelo fato de pertencer ao gênero masculino. Aliás, por acaso causaria surpresa se essa frase fosse escrita por uma mulher? Por certo que não… E por que usar a palavra “macho”? Seria “macho” uma “acusação”, um humano com uma maneira equivocada e violenta de ser no mundo? Pois na minha perspectiva essa legenda não foi escrita porque seu autor é homem, mas porque foi a expressão de alguém que se deixa seduzir pela ideia da “meritocracia subserviente”, e foi escrita pelos mesmos que aplaudem quando meninos de 10 ou 12 anos saem para trabalhar na rua para sustentar suas famílias. Chamam a estes personagens de “trabalhadores”, “heróis”, “bravos guerreiros”, e deixam de enxergar o quanto de exploração e abuso criminoso existe nestas atitudes.

Acreditam mesmo que são os homens os inimigos, aqueles que estão na origem da iniquidade? Seriam eles a causa primeira desse problema? Quando vamos entender que no momento em que essa foto foi tirada havia um homem morrendo ao cair de um andaime, sendo baleado pela polícia, morrendo no trânsito, sofrendo um acidente de trabalho, mergulhando a 100 metros de profundidade para consertar um cano ou subindo a 200 metros de altura para ajustar um cabo de alta tensão? Alguns mergulham no esgoto, outros carregam o seu lixo nas ruas, sem falar nas guerras onde 99% dos mortos são homens ou nos suicídios em que 80% são cometidos por homens jovens. Esse tipo de ideia – de que o sofrimento das mulheres é causado pelos homens – é tolo, sem base, sem sentido e divisionista. Da mesma forma o sofrimento desses homens não pode recair sobre as mulheres, tão vitimadas quanto eles por um modelo cruel.

Esse desequilíbrio, essa dor, essa injustiça são causados por um sistema injusto que atinge a todos e se chama capitalismo, um modelo social perverso que divide as sociedades em classes, onde quem determina é o capital e não o sexo, o talento, a competência, a orientação sexual ou a capacidade. Culpar os homens – como se o fato de ser homem fosse crime – é indecente e errado, tão equivocado quanto ver um miserável negro apontando o dedo para o seu vizinho branco – e tão f*dido quanto ele – chamando-o de “opressor”. Esse tipo de acusação faz os ricos, os rentistas e a elite financeira darem gargalhadas. “Enquanto eles se acusam entre si não percebem que ferramos a todos”.

O identitarismo é um movimento de direita, importado dos imperialistas do partido democrata americano, cujo grande objetivo é dividir as sociedades em grupos de identidade, fazendo-os cegos à realidade das classes. Apostar nessa perspectiva de mundo é aceitar a dominação e a divisão e permitir que a subserviência ao imperialismo e ao capital sejam determinantes imutáveis.

A imagem mostra uma vitima das sociedade de classes, e não dos homens. Os homens são igualmente vítimas desse modelo e ficar debatendo quem é “mais vítima” é inútil quando temos uma tarefa muito mais nobre e importante pela frente: o fim do capitalismo e de toda a ideia de castas na sociedade.

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