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A Banalidade do Mal

Uma jovem pesquisadora da Índia resolveu publicar um estudo sobre uma das maiores feridas da sociedade de seu país: o estupro. Para tanto entrevistou 100 estupradores condenados e chegou a uma conclusão importante: “São homens comuns, não monstros”.

Hanna Arend disse exatamente o mesmo; ao meu ver absurdo seria dizer o contrário. Qualquer viagem ao inferno humano nos leva a encarar o espelho. “O que é humano não me é estranho”, nos ensinava Terêncio, uma das lições mais difíceis de aceitar, por atingir frontalmente nossa arrogância essencial Desumanizar o estuprador evita que sejam entendidos, acolhidos, tratados e julgados como humanos movidos por desejos humanos. Demonizar estupradores e pedófilos impede que compreendamos o caldo cultural de onde brotam, e assim perdemos a possibilidade de prevenir sua aparição.

Hanna Arend também chocou ao falar da banalização do mal e encontrar seres humanos normais entre os nazistas que cometeram as maiores atrocidades durante a guerra. Eichman, seu personagem principal, era um burocrata comum, mediano, que passaria despercebido por quem o encontrasse na rua.

Uma das cenas no filme sobre Hanna Arend descreve a cena de fúria e indignação dos seus amigos judeus (Hanna também era) quando ela lhes evocava o conceito de “banalidade do mal” e sua surpresa ao ver diante de si, no julgamento de Eichman, homens comuns cumprindo ordens quando esperava ver aberrações de perversidade explícita nos algozes sendo julgados.

Os textos – da jovem hindu e de Hanna – mostram que essas pessoas são tão humanas quanto qualquer um de nós. Isso é ao mesmo tempo aterrador e revelador. Não há nada de monstruoso (no sentido de inumano) nestes atos; tudo de ruim que fazem estes homens existe dentro de cada um de nós como uma semente que os contextos e as circunstâncias se encarregam de nutrir e regar.

São apenas homens, meninos com medo“, disse o padre Heitor para Amélia.

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Violência banalizada

Violencia obstetrica

Sobre a carta da jovem estudante de medicina:

O que foi descrito por ela, com indignação e horror, é o dia a dia de QUALQUER obstetra que trabalha em serviço público, em especial nos hospitais universitários. Infelizmente esta cena é extremamente comum em todos os serviços do país. É assim que acontece, e nosso espírito se endurece diante dessa violência. Hanna Arendt chamava de “banalização do mal”, que é quando a brutalidade e a desumanização passam a ser a forma natural de convivência entre as pessoas.

Muitos profissionais, quando confrontados com estas imagens não conseguem entender o quão agressivas elas, em verdade, são. “Como assim, vai negar a importância da oxitocina? O que, vai permitir que a paciente controle o seu trabalho? Sim, episiotomia; existem trabalhos na Escandinávia que justificam o uso. É lógico que rompi a bolsa; queria apressar o parto e ver a cor do líquido. Claro que usei o fórceps, mas foi para salvar a criança!! Queria que eu operasse? Não foi Kristeller, foi uma pequena pressão para ajudar a mãe; ela estava fazendo a força errada.”

A violência banalizada no parto se torna invisível. A arrogância profissional é o idioma natural em um clima de pressão e medo. Os profissionais largamente treinados na lógica médica da intervenção se tornam incapazes de enxergar a fisiologia de um nascimento.

A mirada etiocêntrica na qual fomos doutrinados e treinados, através das medidas intervencionistas “salvadoras”, por fim obscurecem a trilha milenar que nossa espécie trilhou para se adaptar aos múltiplos desafios a ela interpostos. A visão defectiva da mulher, e a ideia construída de sua incompetência essencial, nos oferecem a perfeita tela sobre a qual colocamos as tintas da violência. Afinal, “mãezinha”, é para o seu próprio bem. “Não vai querer prejudicar seu bebê, não é?”

A novidade no cenário do nascimento é que agora as pessoas começam a reconhecer tais atitudes e condutas como violência. Homens e mulheres conseguem perceber os abusos quando acontecem, não só na atenção ao parto como antes dele, nas indicações absurdas de cesarianas sem qualquer indicação clínica.

Como sempre cabe uma ressalva, para não municiar os que desejam olhar para trás e manter o parto como uma violência institucional que não pode ser questionada. Existe espaço, sim, para as intervenções em medicina, sem as quais seríamos meros objetos dos caprichos da natureza. Nossa crítica é apenas contra os ABUSOS e as práticas defasadas e, principalmente, quando as mulheres não tem o direito de escolha sobre qualquer procedimento no seu corpo

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