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23 Fatos sobre partos em um Hospital na China

partos china

Primeiras impressões sobre a obstetrícia na China. Hospital Geral de Ju Lu, uma cidade média que está distante 1000 km da capital Beijing.

1- Não há homens atendentes de parto, e por questões claramente culturais. Médicas e parteiras trabalham lado a lado, mas em um ambiente 100% feminino.

2- Não há pediatras na atenção ao parto, mesmo em gestações de risco. Somente parteiras treinadas. Se existe algum problema a criança é levada para a unidade de neonatologia que fica ao lado. O mesmo se observa na Europa.

3- Icterícia neonatal se trata com:

  • Luz
  • Hidratação
  • Medicina Chinesa – um conjunto de ervas. Fiquei tão interessado que elas me deram uma caixa de presente com as ervas para icterícia neonatorum. Elas ficaram impressionadas com a excessiva (para elas) preocupação que temos com a bilirrubina.

4- Taxa de episiotomia 15%.

5- Partos deitados, posição tradicional, infelizmente. Esse é um modelo que precisa mudar. Ficaram vivamente interessadas em tentar oferecer posições alternativas.

6- Elas realizam parto na água, em uma sala especial, bastando para isso pagar uma taxa de 600 yuan – 300 reais. Usam uma banheira moderna, feita na “Dinamarca”. Gostam muito de atender partos assim.

7- Duas maternidades no mesmo prédio: uma simples e a outra SUPER sofisticada, mais chique que todas que já vi nos hospitais de Porto Alegre ou São Paulo (e eu estou agora em uma cidade menor do que Caxias do Sul – 400 mil habitantes). A maternidade chique tem modelo PPP (pré parto, parto e pós parto) que é usada por pacientes mais sofisticadas e que aceitam pagar uma conta mais alta. “Gente phyna da China”.

8- O sistema de saúde é sempre “meio público e meio privado”. Não existe atendimento grátis e universal. O governo paga uma parte sempre, mas o resto é com você. A paciente é quem escolhe se quer ir para a maternidade chique ou para a mais simples (que, no entanto, é bonita e funcional). Quando perguntei “e se o paciente não tiver como pagar?” as parteiras se olharam e responderam “elas pedem para a família ajudar”.

9- É curioso passar na frente dos banheiros nos corredores do hospital e sentir o cheiro forte de urina. Isso parece não incomodar ninguém nos restaurantes, aeroportos e/ou hospitais. Esse cheiro é o que mais me impressiona como visitante.

10- Enfermeiras ganham 3.000 yuans por mês quando são funcionárias iniciais. Com o tempo podem chegar a 4.000 yuans. Isso significa entre R$ 1.500,00 e 2.000,00 mensais, muito pouco para o padrão ocidental. Elas ficaram muito interessadas em saber quanto se ganha no Brasil por parto realizado, ou quanto ganham enfermeiras e médicos trabalhando em hospitais (o que é sempre difícil de responder).

11- Trabalhadores de saúde, como médicos e enfermeiras, ganham pouco e não tem acesso a uma vida plena de classe média. Quem ganha muita grana são os aventureiros do capitalismo nascente. Sempre, em qualquer lugar.

12- Eles têm genuíno respeito pelos “experts” estrangeiros. Minhas aulas de hoje lotaram e tivemos mais de 70 profissionais do hospital. Médicos, parteiras e até cardiologistas. Quando cheguei ao hospital para falar fui recebido na porta da frente pelo diretor médico do hospital que veio pessoalmente me cumprimentar. Ele fez questão de carregar minha pasta com o computador até a sala de conferências.

13- Eles têm muita vontade de aprender. Quando mostrei que, com pequenas adaptações, poderiam fazer partos verticais na cama da sala de partos, eles pegaram bloquinhos e começaram a fazer desenhos e anotações, inclusive o diretor administrativo do hospital que nos acompanhava.

14- Partos no setor público ainda acontecem em sala de parto, mas não há dificuldade alguma para adotar o modelo PP. Falei isso para elas e parece que entenderam. Prometeram tentar mudar o paradigma de “uma sala por vez”.

15- Ponto importante: apesar de não existirem doulas a família é aceita e convidada a ficar por perto durante TODO o trabalho de parto, na mesma sala e tomando chá. O marido pode acompanhar sua esposa quando ela vai para a sala de parto. Tive vergonha de explicar a elas nossa luta para ter doulas presentes nos partos hospitalares do Brasil.

16- As cesarianas são feitas pelas médicas e auxiliadas pelas parteiras. Não se usam dois cirurgiões em uma cesariana. Cesarianas são feitas no CO só em caso de emergência, caso contrário são feitas no centro cirúrgico.

17- Perguntei para a plateia na minha aula se havia alguém nascido de cesariana e só uma menina ao fundo levantou a mão, visivelmente envergonhada. Havia mais de 70 pessoas presentes.

18- Perguntei se alguma menina havia menstruado antes dos 12 anos e NENHUMA levantou a mão… (só havia 5 homens na sala). Quando perguntei o porquê um dos homens disse que a vida e a dieta na China são piores do que no Brasil ou nos Estados Unidos. Essa resposta apenas demonstra como os chineses tem uma visão deturpada e fantasiosa do Ocidente. A dieta normal dos chineses – muitos legumes, frutas, peixe, carne, nada de leite, pouco sal, quase nada de açúcar e sem refrigerantes – é MUITO melhor do que a dieta no Brasil e quilômetros à frente de uma dieta norte-americana.

19- A tese de que a menarca – início da vida menstrual – mais cedo nas meninas do ocidente se deve à dieta rica em gordura e à precocidade do estímulo sexual fica comprovada por essa minha tímida amostra de mulheres chinesas.

20- Perguntei quantas mulheres na sala já eram mães e umas 40 (mais da metade) levantaram a mão. Perguntei quantas haviam feito cesariana e NENHUM braço se ergueu. Ninguém havia feito cesariana. A China é um país que ainda não foi destruído pelo modelo ocidental dominado pelo medo e pelo ódio. Aqui podemos fazer um trabalho maravilhoso, pois não é preciso lembrar a elas como o parto normal é importante; elas nasceram assim e pariram seus filhos desta forma.

21- A taxa global de cesarianas no hospital (setores público e privado) é de 28%, tendo ao redor de 800 partos realizados por ano. Elas acreditam que esse número é muito alto, e está foi uma das razões para nos trazerem aqui.

22- O relacionamento de parteiras e obstetras é absolutamente colaborativo e amistoso. É emocionante de ver.

23- Existem bolas de Pilates em todas as salas de pré parto, mas na maternidade pública não tem chuveiro para as pacientes em trabalho de parto. Mostrei a elas que água (ou como chamo, “Aquamerol“) é essencial para o parto e elas anotaram nos seus caderninhos.


A taxa global é alta, mas Ju Lu é uma cidade pequena no interior da China. Em Beijing, a situação é certamente diferente, mas não creio que a alta taxa de intervenções seja pelo controle governamental. As razões para a atual situação são provavelmente as mesmas que ocorrem em outros países: medo de processos, tempo, dinheiro, poder, médicos desconectados com a realidade do parto normal, formação acadêmica tecnicista, professores velhos que não atendem parto, etc. Mas nessa cidade o modelo ainda é muito centralizado na fisiologia do parto.

Com exceção da estátua do Mao na frente do hospital, nada poderia ser mais capitalista do que esse modelo. Quando falo (com muito orgulho!!!) do nosso cambaleante SUS elas ficam abismadas e encantadas. “Tudo de graça?”, perguntam. Tenho vontade de começar a conversa com elas dizendo: “Bem, no meu país, a República Socialista Democrática do Brasil, o sistema único de saúde blá, blá, blá….”

s parteiras são umas gracinhas, gentis, sorridentes, tímidas e tem uma enorme vontade de aprender. Não tem vergonha de perguntar nada sobre parto, Brasil, salário, estilo de vida, filhos, etc. Por outro lado são reservadas ao extremo. Uma delas me mostrou uma foto no seu celular de um parto no hospital onde trabalha (bem longe, elas vieram de várias partes da China para o nosso workshop) em que aparecia o marido beijando a esposa logo após o nascimento do filho deles. Nada que a gente não se acostumou no Brasil, e não era nem “desentupidor de pia”; era quase um “selinho”. Todavia, no momento do beijo o seio esquerdo da mulher estava à mostra, enquanto segurava o bebê, e isso causou um certo desconforto, inclusive entre elas. Perguntei o porquê e elas deram aqueles risinhos envergonhados cobrindo a boca. “A China é muito conservadora, doutor“.

Na China as midwives são todas enfermeiras. Não há “obstetrizes” de entrada direta, como Ana Cristina Duarte ou Cristina Balzano Guimarães, ou como as parteiras da Holanda. Outro detalhe importante: não há subalternos no cuidado. Não existem técnicas ou auxiliares de enfermagem; todo o serviço é feito por elas, com exceção da nutrição ou da limpeza do local (a das pacientes também é com as enfermeiras).

As taxas de cesariana estão aumentando principalmente pelas grandes cidades, como Beijing. Lá o paradigma de atenção tenta copiar o pior modelo do mundo, o americano: sem parteiras na atenção e alta tecnologia. “High tech low touch”. Iatrocêntrico, etiocêntrico e hospitalocêntrico. Esse modelo nunca funcionou onde foi utilizado, pois desconsidera as dimensões emocionais e o suporte psicológico e afetivo que foi a marca do nascimento desde o surgimento de nossa espécie.

Elas se preocupam muito com bolsa rota e me perguntaram como atendemos. Disse que o meu critério é aguardar trabalho espontâneo por 24h e só depois penso em induzir. A maioria esmagadora entra em trabalho de parto nesse período. Elas me contaram que internam todas as bolsas rotas e quando perguntei ao porquê me disseram que era por medo de “prolapso”. Partos pélvicos são atendidos por cesariana. Percebi que as parteiras não têm treinamento para atendimento de pélvicos. Gêmeos apenas se o primeiro for cefálico e o segundo for pélvico. A explicação para isso ficou “lost in translation“.

Elas investigam espessura da parede uterina por ultrassom para atender VBAC. Expliquei que não fazemos isso no Brasil por não haver evidências de que possa prevenir rupturas. Não fazem versão externa para pélvicos e nem sabem técnicas, posturas, exercícios, homeopatia ou acupuntura para tratar essas posições.

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