Arquivo da tag: mesas girantes

Espiritismo e religião

O espiritismo surgiu da investigação sobre fenômenos extraordinários que ocorriam em Paris em meados do século XIX. Hippolyte Léon Denizard Rivail, pedagogo francês, nascido em Lyon, diante do desafio de encontrar uma resposta racional e lógica para estes fatos, desenvolveu uma metodologia para a busca do entendimento do que ocorria. “Se as mesas carecem de músculos, nervos e discernimento, alguma força inteligente as move”, teria dito o professor Rivail. Caberia à curiosidade, acrescentada de método científico, a tarefa de esclarecer a origem das “mesas girantes”.

Entretanto, a busca de uma explicação para estes fatos de forma alguma demandaria a criação de uma religião. Seria como imaginar que Isaac Newton, propondo que os objetos são atraídos pela massa dos planetas e das estrelas pela teoria da gravitação, tivesse como objetivo o amor ao próximo, a fraternidade, a existência de Deus ou a evolução espiritual. Não, por certo que Newton era movido tao somente pela busca da verdade. A existência de espíritos, ou sua manifestação neste plano, não precisa ser investigada por meio das religiões que, por sua vez, acabam por criar códigos de comportamento e proibições de toda ordem, em especial sobre as múltiplas manifestações da sexualidade.

A ideia de uma “religião dos espíritos” nunca foi o objetivo inicial do espiritismo, que se propunha a investigar sua existência, criando a “ciência dos espíritos”. A mescla dessa proposta primordial com o cristianismo está na origem da cisão atual entre o espiritismo cristão e o espiritismo laico, mas também na imensa disseminação das ideias espíritas, em especial no Brasil, através do sincretismo tão característico do nosso caldeirão cultural.

Deixe um comentário

Arquivado em Religião

Espiritismo e Laicidade

Existe um conceito bastante equivocado sobre a ideia de laicidade no que diz respeito ao espiritismo. Parte da premissa que “qualquer corrente de pensamento que admite a existência de um mundo extrafísico seria religioso”, portanto, incompatível com a laicidade. O espiritismo seria por definição, e inexoravelmente, uma religião, por abordar o “mundo dos mortos”.

Trata-se, ao meu ver, de um equívoco. Segundo seu criador, o pedagogo francês Alan Kardec, o espiritismo não é e jamais deveria se transformar em uma religião. Talvez o místico e alquimista Isaac Newton tenha feito o mesmo pedido para que não transformassem a gravitação em uma seita mística; Galilei provavelmente também. É provável que Lev Tolstói e Maradona tenham solicitado, mas não foram respeitados em suas vontades.

Entretanto, o “espiritismo laico” – que se afasta da ideia de um espiritismo religioso – assevera que a doutrina espírita não trata de fenômenos “transcendentais”, não lida com o mundo místico e não se importa com o “sobrenatural” (o qual nega com veemência). Além disso, sua atenção se volta às leis naturais, como o são a lei da gravidade, da aceleração e da conservação de energia. Não se interessa por nada fora da física ou da biologia, mas propõe uma expansão de suas perspectivas para além do mensurável. Como Freud que exalta a razão, mas investiga o que se encontra para além (ou aquém?) dela.

Kardec seria apenas um filósofo que admite a sobrevivência da alma e a reencarnação, como fenômenos constituintes da vida e da evolução (outro conceito que é muito caro aos espíritas). Chamar isso de um pensamento religioso seria tão lícito quanto chamar o platonismo de religião, apenas porque Platão falava do “mundo das ideias”, ou mesmo Freud, por conceber o conceito de Eu, Id e Supereu, elementos que não se encontram no cérebro e não podem ser medidos ou pesados.

Kardec estaria mais próximo de Descartes, um pensador munido de uma grande dose de cultura e ceticismo e que investigou um fenômeno perceptível. Pretendeu aplicar um método aos fatos observáveis cotidianamente (como a mediunidade e o fenômeno das “mesas girantes”). Todavia, em verdade, nada disso tem a ver com religião, da mesma forma como o platonismo não prega condutas morais, preces, orações, rituais, símbolos, exaltação de personalidades, culto ao místico, etc. O espiritismo é tão somente um método de compreensão e investigação de fenômenos naturais que infelizmente foi transformado em uma seita cristã.

Tudo isso que enxergamos no espiritismo cotidiano é fruto do sincretismo dessas ideias de Kardec com o cristianismo brasileiro – basta observar a imensa diferença entre a manifestação daqui (onde fez sucesso) com a manifestação de onde surgiu, a França e a Europa, onde não possui apelo popular e circula em grupos pequenos e laicos.

Em suma, o movimento do espiritismo laico tem a ver com a libertação do ranço cristólatra dessa filosofia. O abandono da culpa e do moralismo cristão é essencial para desenvolver um pensamento livre e científico na abordagem da alma humana.

Deixe um comentário

Arquivado em Religião