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Seu pai é motoboy

“Eu sou playboy, não tenho culpa se seu pai é motoboy”.
Esse foi o “grito de guerra” entoado por estudantes de medicina da Universidade Iguaçu (UNIG), neste último final de semana, nos Jogos Universitários de Medicina (Intermed) RJ-ES, que reúne estudantes do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, em Vassouras (RJ)

Enquanto não houver um projeto de real democratização do acesso ao ensino superior continuaremos a ver este tipo de espetáculo de racismo, preconceito de classe, desprezo pelos pobres e operários e falta de empatia.

Não esqueça: estes serão os médicos que atenderão a todos nós em poucos anos. São os mesmos que fizeram “corredor polonês” para agredir os médicos cubanos. São os mesmos que atacam a enfermagem e boicotam qualquer iniciativa de humanização do nascimento. São eles que perseguem os médicos da humanização, e também aqueles que aderiram de forma majoritária ao ideário fascista e classista de Bolsonaro. Precisamos falar sobre o perfil dos alunos que ingressam na Universidade, para que estes não sejam a reprodução – na academia – do ódio de classe que vemos nas redes sociais.

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Um Corpo no Chão

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A xícara de café fumegante assistia silenciosamente ao meu lado a derradeira pirueta desconcertante da ginasta romena numa prova das Olímpiadas que passava na TV colocada ao fundo da cafeteria. Subitamente, um grito cortou o ar e fez a funcionária de cabelos oxigenados correr para a porta. Virando meu corpo em sua direção pude ver os derradeiros movimentos de um balé macabro.

Um rapaz bem vestido roubou a bolsa de uma mulher e saiu em disparada. O meliante, descoberto por um taxista que testemunhou a cena, acabou por fazer uma escolha da qual se arrependeria mais tarde. Entrou na rua errada e acabou alcançado por um passante e um motoboy. Cercado, levantou os braços, deixou cair a bolsa e se ajoelhou, ainda mantendo as mãos para o céu. O silêncio que se seguiu ao grito é substituído por uma profusão de vozes, berros e exclamações. Muitos correm para a cena, mas eu me limitei a me erguer da cadeira da cafeteria e, sofregamente, me dirigi à porta.

O motoboy, jaqueta de couro e botinas, simulou uma jogada de futebol americano. Ainda com seu capacete reluzente enquadrou o corpo forte e, como um “kicker”, desferiu um violento chute no corpo do rapaz. Pelo acúmulo de pessoas que agora envolviam a cena, não pude ver onde o impiedoso pontapé o atingiu. Escutei apenas um grito surdo, seguido de gargalhadas e comentários jocosos e histéricos. Mais de 20 pessoas agora cercavam o menino, cujo corpo desapareceu, envolto pela turba.

Passam-se alguns minutos e uma senhora tenta me explicar os detalhes do roubo, mas é interrompida por um senhor de uns 65 anos que, com um sorriso nos lábios, dispara: “Esse aí não rouba mais. Quebraram a perna dele. Chutaram a perna do ladrão até quebrar. Partiram ela no meio“, continuou o senhor. Era indisfarçável o prazer estampado em seu rosto ao relatar a pequena chacina, o linchamento que ofereceu um pouco de diversão às pessoas de bem que circulavam no entorno da cafeteria.

O povo continuava em volta, e por vezes era possível escutar os gritos do rapaz. As pessoas se amontoavam em torno do seu corpo roto, enquanto esperavam a polícia, paradoxalmente a única esperança que o pobre ladrão tinha de estancar o linchamento. A barbárie, entre gritos e sussurros, espreita em qualquer esquina, bastando para isso que o mundo lhe ofereça uma forma de pegar carona no ódio alheio.

Tá lá o corpo estendido no chão
Em vez de rosto a foto de um gol
Em vez de reza a praga de alguém
E um silêncio servindo de amém.”

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