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Partos e Obras

Há alguns anos o empreiteiro que construiu minha casa pediu que eu comprasse uma substância para passar no madeirame do telhado. “Quantos galões?“, perguntei eu. Ele coçou a cabeça, calculou mentalmente e respondeu: “Seis serão suficientes“. Saiu caro, mas comprei conforme sua indicação.

Muitos anos depois fiz uma reforma na casa e perguntei se precisaria comprar de novo aquela substância. O pedreiro que estava me acompanhando na época respondeu que sim, seria conveniente. Perguntei mais uma vez a quantidade, e ele respondeu sem titubear: “Um galão dá e sobra para tudo isso aqui“. Meu antigo empreiteiro usou o produto que comprei para a minha casa e mais cinco outras…

O mestre de obra que está à frente da reforma da Escola da Comuna me diz: “Precisa comprar mais canos, porque com a vazão da água do telhado, a drenagem…” e tudo que eu escuto é “Precisa uma cesariana porque o batimento e a posição do bebê…

A realidade é que ficamos inexoravelmente nas mãos dos especialistas. Não apenas porque sabem mais e conhecem as técnicas e as “manhas”, mas por terem o “conhecimento autoritativo” aquele que lhes garante o reconhecimento social e a responsabilidade de fazer e acontecer.

A qualidade técnica é essencial, não há dúvida sobre isso. O estudo, o aprimoramento, a sede pelos novos conhecimentos, o capricho, o detalhe e a delicadeza são primordiais. Entretanto, todos estes valores sucumbem rapidamente diante de sua base de sustentação: os valores éticos de uma profissão.

No meu tempo de estudante era comum dizerem: “Dr Fulano é um cavalo, um animal vestido, mas é um ótimo cirurgião.” Nunca acreditei nessa tese. O Dr Fulano dominava técnicas manuais e tinha experiência como operador, mas carecia dos elementos fundamentais que configuram um bom profissional: a conexão visceral com os preceitos éticos de beneficência e da não maleficência. Muitos são técnicos; operadores e prescritores de drogas, mas não são médicos na verdadeira extensão dessa função social.

Antes de escolher o mestre que levará adiante o sonho de uma escola de comunidade é importante conhecer o sujeito dentro do profissional, para poder confiar que suas decisões serão tomadas tendo a ética como norte. Para escolher alguém que estará tomando decisões sérias e delicadas diante do mais espetacular e decisivo evento de uma família – o nascimento de seus filhos – é essencial que se conheçam os profissionais e as vinculações éticas que estabelecem com o próprio trabalho.

Sem isso serão tão somente técnicos sem o brilho que se espera de alguém que será testemunha de uma revolução emocional e espiritual de tamanha amplitude.

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