
Sim, eu acredito na possibilidade do parto vaginal ser exterminado e proscrito da experiência humana. Penso que poderá ocorrer que a cesariana, cada vez mais segura, passe a ser o mecanismo de escolha para todas as mulheres. Não pensar nessa possibilidade é ignorar que não seria a primeira de nossas escolhas desastrosas na historia da humanidade – além de colocar passas em toda comida perto do Natal ou garantir à Medicina o controle sobre o parto normal.
A questão é que o modelo de atenção ao parto no ocidente – isto é, nos países satélites da medicina tecnocrática do Império – é o mais absurdo possível, e é mantido na esperança de que os partos normais sejam paulatinamente desencorajados, abolindo a alternativa normal ou fisiológica, que ficaria restrita somente àqueles nascimentos incidentais, onde não houver tempo para intervir.
Hoje as pessoas que atendem o parto no Brasil são em sua maioria os médicos, sujeitos treinados na lógica da intervenção, na utilização de ferramentas – drogas ou cirurgias – para intervir em processos desviantes e patológicos. Como poderíamos imaginar que, profissionais que recebem esse tipo de treinamento, poderiam se interessar por atender um evento fisiológico e natural? Por que deveriam os médicos se interessar por algo inscrito na memória celular das mulheres como parte de seu arsenal de respostas sexuais, se sua propensão é sempre usar sua arte para intervir?
A ideia de oferecer a assistência ao parto para cirurgiões é provavelmente a mais desastrosa escolha da história do cuidado à saúde. Todas as pesquisas apontam que os médicos especialistas têm os piores resultados quando a atenção às pacientes de baixo risco (risco habitual) é avaliada. Entregamos aos médicos uma tarefa que eles não gostam, não entendem, não são treinados suficientemente e cujas abordagens – psicológica, emocional, cultural, social, e espiritual – são historicamente negligenciadas pelas escolas médicas, que se preocupam na resolução de problemas e no tratamento de patologias, urgências e emergências.
Ao invés de oferecer à Medicina a patologia, ofertamos o poder de controlar todo o campo de atenção ao parto, obrigado estes profissionais a tratar a normalidade do nascimento, algo que lhes causa enfado ou rejeição. Não deveria surpreender a facilidade com que a atenção contemporânea ao parto transforma a maioria dos nascimento em eventos cirúrgicos, com acréscimo de intervenções, drogas, procedimentos em cascata e riscos aumentados.
A recente reafirmação do parto como “evento médico” e a liberdade cada vez maior por parte das mulheres para livremente escolher a via de parto – mas não o local de parto, claro – sinaliza que a autonomia oferecida a elas continuará a aumentar, mas apenas quando estes desejos estiverem alinhados com os interesses dos médicos. O resultado inevitável é o aumento de cesarianas, cada vez menos partos vaginais atendidos, menor experiência dos jovens médicos (o que já se vê com partos gemelares e pélvicos), mais medo, mais insegurança e maior pressão para escolher o nascimento cirúrgico.
Talvez ocorra um tempo em que o parto não será mais do que a pálida lembrança de um tempo selvagem, lembrado pelas gravuras estranhas em páginas da história da Medicina. Esse foi um tempo onde as crianças nasciam através das dores de suas mães, o parto ocorria pelo esforço delas e pela suplantação de suas dificuldades, medos e barreiras. Nessa época o entorno psíquico e emocional produzia o solo adequado para o florescimento da maternagem e dos processos de vinculação mãebebê. Talvez sejamos as últimas gerações em que o parto normal ainda é uma opção legítima. Se hoje a corporação persegue de forma odiosa as opções de lugar para nascer, talvez em breve médicos e parteiras sejam perseguidos por escolher a via normal, então tornada criminosa e ilegal.
Que civilização será essa que estamos lentamente criando?