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Mortes

Escutei uma fala da Marilena Chauí que dizia algo que penso há muito tempo. Citando Freud, ela lembrava das relações entre dois fenômenos sociais e clínicos: a emergência do narcisismo das redes sociais e a depressão. Dizia ela que estes fenômenos são indissociáveis. Por isso é tão comum atualmente vermos ao lado de tanta exibição potencializada pelas redes sociais um contingente crescente de pessoas sofrendo o drama da depressão.

O narcisismo exige a atenção total, o sequestro do olhar alheio através da exibição exaustiva e ininterrupta do sujeito. Corpos, carros, casas, comidas, lugares, amores, tudo serve para garantir a captura da atenção pelo narcisista. O grande problema é que não existe satisfação para Narciso; a atenção e o amor a ele oferecidos jamais serão suficientes. Quanto mais recebe, mais precisa; o desejo de atenção não tem fim, nem sossego. Esse sujeito, cuja atenção recebida é o alimento que o sustenta, em algum momento deixa de recebê-la na quantidade costumeira, e é nesse momento que aparece a sombra da depressão. Da mesma forma como ocorre em um viciado, a falta do olhar de admiração lhe produz dor e desespero. A depressão é a resposta mais frequente.

Quantos artistas multimilionários sucumbiram à depressão e seus atalhos, como o álcool e as drogas? Quantos degeneraram através da dualidade “narcisismo – depressão”? Ainda mais grave, quantos tiveram suas vidas abreviadas pela decisão autocida em meio a um severo quadro depressivo?

Isso me faz pensar sobre uma das lições do meu pai: viver é preparar-se para a morte, mesmo quando ela chega ainda em vida. Sim, durante nossa existência passamos por várias mortes, e para elas faz-se necessário estar preparado. Ao chegar à juventude morre em nós a infância; depois da chegada dos filhos matamos a juventude para alcançar a vida madura. A chegada da velhice traz a morte das ilusões, e com a falta destas podemos finalmente vislumbrar a sabedoria. Por certo que sempre sobra um pouco de infância para a vida inteira e mesmo a maturidade e a velhice não eliminam todas as ilusões. Entretanto, elas deixam de ser as protagonistas quando as ultrapassamos. Nossa vida é marcada pela sucessão de perdas que nos atingem, e por elas somos constituídos.

Somos passageiros fugazes da vida, e só a morte física pode nos libertar da opressão da matéria. Viver é aceitar o necessário esquecimento a que, por fim, seremos submetidos. Cabe a nós plantarmos as sementes de nossas ideias, semear amores e deixar marcas de nossa breve passagem para que a elas seja possível sobreviver ao nosso necessário desaparecimento. Que se mantenham o nosso afeto, nossas palavras e nossas ideias.

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Pin Up Girls

Saudade das borracharias raiz, em que você entrava numa espécie de “clube do bolinha” onde as paredes eram forradas de imagens de mulheres seminuas, voluptuosas, curvilíneas e apetitosas, retiradas de revistas de “moda lingerie”. Nada era abusivo ou explícito – as imagens hoje passariam na Sessão da Tarde na Globo – mas o que valia ali a exaltação da beleza feminina, cuja admiração reforçava aos olhos alheios nossa adesão ao universo masculino.

Creio que, ao pregar uma “pin up girl” nas paredes engraxadas da borracharia, o sujeito sentia um notável alívio. “Enquanto você estiver aqui, minha Santa, ninguém poderá duvidar de mim”. Penso até que estas imagens funcionam como um salvo conduto, um passaporte para a boa imagem social, o mesmo que os mais admiráveis torturadores usavam nos “anos de chumbo”, indo à Igreja com a família aos domingos para depois passar a semana arrancando unhas de esquerdistas.

Por outro lado sinto falta do tempo em que a admiração pela beleza feminina era aceita sem culpa, quando o desejo por elas não era motivo de vergonha ou visto como forma de diminuí-las. Entendo que muito dessa beleza era usada para calar qualquer outra virtude, mas criminalizar o olhar de desejo não me pareceu jamais uma boa solução. A admiração e atração pelos corpos femininos é, ao meu ver, a própria exaltação da vida e do mistério profundo através do qual ela se multiplica

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Narcisismo

Gente essa coisa de rotular narcisismo e de apontar os narcisistas ao nosso redor… quando essa moda vai parar??? Não há nenhuma – literalmente – característica de narcisistas que eu não tenha e a qual reconheça como peça essencial da minha estrutura psíquica. Quando leio essas “peritas em narcisismo” descrevendo as várias características dessas “aberrações” eu fico falando baixinho “eu…. eu… eu… também eu, eu de novo…”.

“Ahhh, o narcisista vai te manipular, vai te machucar e depois se colocar como vitima”… gente, qualquer um que fique 5 minutos ao lado de dois irmãos de 10 e 7 anos vê esse tipo de manipulação umas dez vezes. E mais, o mesmo vai ocorrer na vida adulta, entre dois namorados, dois sócios, um casal, entre amigos, etc. Quem não se coloca como vítima? Quem não manipula os outros? Quem não dissimula e perverte?

O narcisismo é uma faceta natural do todo e qualquer sujeito e esta rotulagem moderninha pode dar a entender que o “narcisista” é um ser de outro planeta, de outra origem, constituído de uma matéria especial, diferente na “nossa”. Os narcisistas – uns mais outros menos – somos todos nós.

Narciso acha feio o que não é espelho

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Discursos femininos

mulher-gordinha

O discurso das mulheres diante de desafios como “peitos pequenos”, “bunda grande”, “excesso de peso”, ou “cabelo ruim” sempre foi incompreensível e paradoxal para mim, e me remete à construção de uma auto imagem baseada no olhar do outro e sobre uma estrutura psíquica narcísica.

Por isso é que qualquer discurso construído pelas mulheres para reagir a estas “problemas” é considerado por mim como heroico.

  • Eu uso silicone porque é importante para minha autoestima, e o importante é eu me sentir bem e não o que os outros pensam.
  • Eu não coloco silicone porque não tenho que dar satisfação de como sou aos outros. Eles que me aguentem.
  • O importante é a beleza interna. O externo é efêmero e enganoso aos olhos.
  • Sim, eu gasto 500 reais num tratamento para o cabelo porque eu mereço.
  • Quero alguém que me valorize pelo que eu sou e não pelo que eu aparento.
  • Sim, fiz redução de mamas porque eu quero me amar mais.

Como entender tantas vozes aparentemente paradoxais? A moça das mamas pequenas que as exibe despudoradamente não tem menos coerência em seu discurso do que aquela que coloca próteses para se sentir mais bonita “consigo mesma”

É exatamente por estes aparentes conflitos do que significa ser e estar mulher que as percebo tão fascinantes e misteriosas.

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