Arquivo da tag: Palmadas

Corretivos

Eu sei que é piada. Sei que “psicólogos” poderia ser colocado entre aspas. Não quero ser o “problematizador das piadas”. Sei também que entre as pessoas da minha idade é raro ver alguém que não tenha sido submetido a surras ou ao menos umas palmadas, em especial os meninos, já que a cultura dizia que “não se bate em meninas“. (Até nesse aspecto é interessante combater o patriarcado: nesse modelo são os meninos as principais vítimas das sevícias parentais).

Entretanto, não acho mais aceitável a glamorização do espancamento de crianças com a desculpa de que isso produz bons cidadãos, com adequada “castração” e “leais respeitadores das leis”.

O que me deixa abismado é ver a enorme aceitação desse tipo de “pedagogia da violência” entre as pessoas da minha geração. No fórum onde essa imagem foi apresentada a aceitação foi quase unânime. A exceção foi de algumas poucas mulheres que disseram “não apanhei, mas meus irmãos, muito“, e eu.

Crianças que passaram por estas torturas cresceram traumatizados, marcados pela dor, inseguros, raivosos e carregando uma ferida profunda e inconsciente, até porque a fonte de seus males inconfessos é a mesma dos seus amores mais profundos e primitivos, produzindo uma insuportável dicotomia em suas almas.

Crianças que foram surradas por seus pais não são adultos saudáveis; são sobreviventes da dor, cheios de cicatrizes que são obrigados a carregar por toda sua vida. Não há nenhuma razão para se romantizar espancamento infantil, e não é verdade que estes recursos produziram “cidadãos de bem”; sua única função foi criar uma geração de ressentidos que acreditam na violência como solução dos problemas.

Muitas dessas crianças hoje fazem o sinal da arminha ou carregam cruzes flamejantes.

Hoje tenho filhos adultos e netos. E se querem saber, dei palmadas nos meus filhos, mas aprendi que bater em crianças é sinal de fracasso, não ensina nada além de medo, e não produz cidadãos saudáveis e produtivos. Não condeno quem bateu, até porque eu também apanhei; condeno a ideologia da violência banalizada contra os pequenos, como se fosse algo inócuo ou parte do desenvolvimento normal das crianças.

Deixe um comentário

Arquivado em Pensamentos, Violência

Educar sem telas

Para mim o debate “educar sem telas” é semelhante ao debate “educar sem violência” com o qual convivemos nas duas últimas décadas, pelo menos. Quando este assunto surgiu no nosso meio as reações eram muito semelhantes. Achava-se inviável; argumentava-se que as pessoas não conseguiriam impor “respeito”, prevenir “erros” ou evitar “mau caminho” sem que fosse usada a força e – mais do que isso – a violência, que é a força usada para submissão. Há 30 anos acreditava-se que sem as palmadas seria impossível educar e colocar as crianças nos “eixos”.

Não há dúvida que a palmada funciona. Sua eficiência é incontestável. Uma criança que apanha aprende a se calar diante da força bruta, baixar a cabeça e obedecer. Criamos gerações de homens e mulheres ensinados a ver no uso da violência uma solução para dilemas e embates. O resultado vemos agora.

Todavia, cabe perguntar: o que conseguimos com isso? Resposta: uma sociedade que reproduz estas ideias.

Sobre as telas, apesar de serem agressões diversas, a mesma lógica pode ser aplicada. É inegável que um celular e um tablet com jogos e músicas hipnótica “funcionam”, assim como a TV igualmente funcionou para a minha geração. As crianças entorpecidas pelas cores, imagens e sons param de observar o mundo ao redor e focalizam no jogo. Entretanto, cabe mais uma vez perguntar: a que custo? As mesmas perguntas sobre o uso abusivo de TV agora recaem sobre os pequenos computadores de mão.

Pesquisas já mostram inúmeros malefícios com seu uso em termos de cognição, aprendizagem e questões afetivas. Por certo que a limitação do uso é um grande desafio, em especial porque não temos mais as mães do passado que devotavam toda a sua vida a cuidar dos filhos. Hoje são mulheres ativas com múltiplas funções e tanto elas quanto os pais sofrem a sedução cotidiana de oferecerem uma tela aos filhos como “tempo de descanso” para quem os cuida.

Esta é, por certo, uma decisão extremamente complexa, mas não há mais como – a exemplo das palmadas – questionar os malefícios da exposição superlativa. Organizar a melhor forma de disciplinar o (inevitável) contato é a grande decisão a ser tomada.

Deixe um comentário

Arquivado em Pensamentos, Violência

Palmada

Violência Crianças

Deixe um comentário

6 de outubro de 2014 · 04:24

Cesárias e Palmadas

palmada1

Muitas vezes uma cesariana é como uma palmada.

Conta menos a necessidade de quem recebe do que a falta de preparo e a impaciência de quem aplica. Uma cesariana mal indicada economiza tempo para quem a realiza, assim como uma palmada em uma criança irrequieta. Ao invés de amparar, cortar; ao invés de compreender, bater. Cesarianas e palmadas oferecem a sedução de um atalho rápido para um objetivo imediatista. Se o caminho parece inútil, que mal há em chegar logo ao final?

A questão é que o trajeto é constitutivo. Uma mãe é moldada por cada contração; ela se constrói no interstício de suas dores. Partos não fazem apenas bebês, como diria Barbara Katz Rothmann, mas também mães fortes e capazes para enfrentar os dilemas da maternagem. A paciência necessária para o trabalho com o nascimento é provavelmente o mais sofisticado dos talentos requeridos nesta arte. Para a criação de uma criança a mesma lei se aplica: o aprendizado se dá na compreensão lenta e gradual dos valores embutidos em cada ação, das mais banais às mais complexas. Uma palmada cala, mas a paciência ensina.

Houvesse mais aptidão para escutar, aguardar, confiar e esperar tanto as cesarianas quanto as palmadas não seriam aplicadas da forma abusiva como vemos em nossa sociedade.

*PS: Ah, e antes que digam que “existem cesarianas necessárias, mas não existe palmada justa”, eu diria que uma cesariana necessária e bem indicada corresponde a um “banquinho do pensamento”, onde não há culpados, mas um lugar onde é importante refletir sobre todas as circunstâncias que cercaram a necessidade da cirurgia.

Deixe um comentário

Arquivado em Medicina, Parto