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Mamiferizar

Apesar de eu mesmo me considerar um humilde discípulo de Michel Odent a sua ideia de “desumanizar” o parto e de “mamiferizar” o nascimento será a grande discordância que terei com sua obra. Não há, no meu modesto ver, sentido em tornar o parto como ele ocorre entre os animais, mesmo entre os mamíferos.

Como diria Lacan, “a palavra matou o real” e é absolutamente impossível tornar o parto um processo “natural”, pelo simples fato de que é impossível abrir mão do mundo simbólico e voltar ao mundo da natureza. Mamiferizar seria assistir o parto dentro da realidade dos mamíferos, portanto, dentro da natureza de onde fomos sumariamente expulsos pelo acesso à linguagem, ao raciocínio e ao mundo simbólico. A metáfora bíblica da expulsão do casal primordial do paraíso – para toda a eternidade – deixa claro que a saída da natureza pelo acesso à razão nos impede de retornar para um mundo de perfeita harmonia – e submissão – com a natureza.

Não existe volta nesse caminho. O parto humano jamais voltará a ser “mamífero” ou “natural” pois que o acréscimo de neocórtex desenvolvido para nossa espécie – se pode ser diminuído momentaneamente, como no sexo – não poderá jamais ser abolido sem retirar de nós o que verdadeiramente nos constitui como humanos.

O parto humano só pode ser exercido dentro da contingência psíquica que nos estrutura, humano e formatado pela linguagem, jamais através de um retorno ao “paraíso perdido”.

Humanizar o nascimento é o caminho, mesmo que esse caminho seja respeitando – mas não copiando – nossa ancestralidade mamífera.

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Cabelo Natural

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Qual sua proposta para solucionar o dilema do “Cabelo Natural”?

Vou contar uma história que talvez possa nos oferecer uma elaboração útil até para outras questões…

Um determinado sujeito – genial – inventa um xampu milagroso que cura a calvície de forma incontestável. Um tratamento adequadamente testado, aprovado e comprovado. Entretanto, ele levou 40 anos pesquisando e quer receber pela sua dedicação e trabalho. Resolve colocar o xampu no mercado e percebe (é claro!) que faz um grande sucesso. Pelo seu esforço e dedicação incansáveis ele cobra caro pelo tratamento de renovação capilar, mas mesmo assim constata uma fila enorme de pessoas que se dispõe a pagar pela solução do seu problema.

Entretanto, surge um questão facilmente previsível. Muitas pessoas gostariam de vencer a calvície, porque foram por décadas maltratadas por ela, porém não tem dinheiro suficiente para o tratamento. É claro também que, fosse mais barato, o médico não teria tempo e nem sossego para atender todos os seus pacientes; o preço é uma forma de diminuir a demanda e respeitar a lei de oferta e procura. Todavia, o inventor – que é uma boa pessoa – ensina alguns colegas a fabricar o xampu e a fazer o adequado tratamento, que é difícil e demorado. Outros profissionais chegam, mas o problema se mantém: como levar a descoberta a todos?

Ele se esforça, através de publicações e demonstrações, para que o governo tome conhecimento de que descobriu a cura da calvície, mas o governo tem outras prioridades. Afinal ser careca não é tão ruim assim, não é verdade? Existem coisas mais importantes a tratar. A imensa maioria dos colegas deste profissional ganha um bom dinheiro vendendo perucas e poucos estão realmente interessados na descoberta revolucionária. Por outro lado, quem teve o cabelo de volta sente-se muito agradecido, e coloca relatos e vídeos na Internet, o que só faz aumentar o número de interessados. Os poucos especialistas que se dedicam à nova descoberta ganham bem pelo tratamento, mas muitos pacientes sem recursos continuam carecas, enquanto outros acham que peruca é legal, pois o importante “é ter algo cobrindo a cabeça“.

Com o tempo os especialistas que restauram o cabelo são alvo de perseguições e difamações pelos colegas, os mesmos que lucram com as perucas. São atacados, vilipendiados, difamados e maltratados. Entretanto, colecionam sucessos e ficam conhecidos. São os “cabelistas“, que se contrapõem aos “peruquistas“, pelos quais são odiados. A associação de profissionais convoca reuniões para mostrar que são as próprias pessoas que escolhem usar perucas, pois o tratamento natural para restaurar cabelo é demorado e impõe uma certa dedicação do paciente. Além disso, se apressam em mostrar como as perucas são modernas, tecnológicas, feitas com fios “quase naturais”, não tem risco algum e são lindas.

O Movimento do Cabelo Natural, apesar de todos os ataques e mentiras, ganha as ruas, a mídia, os clientes e seduz cada dia mais profissionais, cansados de vender perucas para sujeitos que poderiam ter seu próprio cabelo. Esses pacientes são a melhor propaganda do novo tratamento, pois melhoram sua auto estima e impõem um novo direcionamento para suas vidas. “Se eu posso ter meu cabelo de volta, agora posso vencer qualquer desafio“, dizem os orgulhosos pacientes.

Ainda assim pessoas são condicionadas a comprar perucas, pois os profissionais mais conservadores não querem se reciclar ou não desejam perder tanto tempo com um tratamento que as vezes pode até não funcionar. Preferem continuar vendendo perucas, um tratamento simples e rápido, mas com inúmeros efeitos colaterais. Eczemas, dermatites, infecções, retração do couro cabeludo e até morte (3,5 x mais comum do que no tratamento capilar) pela anafilaxia causada pelos produtos de fixação da peruca.

Como fazer para que todos os carecas, não só os que tem recursos, possam ter o direito assegurado a um cabelo natural e mais seguro? Como garantir liberdade de escolha para ter seus cabelos naturais, ou para ter uma peruca (para quem assim escolher)? Como forçar os “peruquistas” a utilizar o tratamento mais natural se muitos não querem, não sabem ou não se interessam?  Como lidar com o fato de que os intermediários pagam o mesmo pelo cabelo natural ou pela peruca, mas esta última se coloca em 30 minutos, enquanto um tratamento natural leva meses?

Mas… a culpa pela falta de profissionais para tratar os carecas menos abastados é dos poucos profissionais que se dedicam e se expõe oferecendo a terapia mais lógica, segura e racional? Ou é do sistema? Ou será dos pacientes, que não se mobilizaram para garantir o direito a um cabelo sedoso, abundante e natural pago pelo governo?

Qual sua proposta para a encruzilhada do cabelo natural?

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Híbridos

Partolandia

No link abaixo pode-se escutar uma entrevista de um médico em período de transição, o que é interessante de analisar do ponto de vista das modificações lentas e graduais nos paradigmas e no “campo simbólico” que governa o nascimento humano. O profissional é o que se poderia chamar de “híbrido”: de um lado mantém-se colocado ao lado do paradigma médico intervencionista, mas percebe-se o seu real interesse em estabelecer uma crítica a este modelo. Ao mesmo tempo em que apoia o protagonismo do nascimento e as posições verticalizadas (o que infelizmente é raro entre os profissionais médicos) ainda insiste no mito da “cesariana humanizada”, usa o termo “parto cesárea“, investe na tese dos “riscos possíveis do parto na água“, e outros ideias que julgo ultrapassadas. Diz que não gosta do termo “parto humanizado”, e que prefere o “parto natural”.

Minha posição clara e histórica a este respeito é pela impossibilidade absoluta de seres humanos terem “partos naturais”, exatamente porque seres humanos dotados de linguagem são incapazes de se inserir no mundo natural. Seres humanos não são objetos da natureza, mas agentes, sujeitos de seu destino. A entrevistada também insiste na ideia de que o parto humanizado “não precisa ser vaginal”, pois que a cesariana também pode ser feita sob este paradigma.

Os pontos positivos aparecem na ideia de não interferência no processo e na postura clara de “restituir o protagonismo”. Durante a sua fala cita até “partolândia”, um termo consagrado há muitos anos em nossas falas. Ao que parece está cada vez mais claro que a humanização do nascimento, como há muito tempo reclamamos, parte de uma visão de direitos humanos reprodutivos e sexuais, onde o DIREITO de escolha por parte da mulher ocupa a posição central. “Humanização do Nascimento é restituir o protagonismo a mulher, o resto é apenas sofisticação de tutela”, já me dizia o colega Max há mais de 30 anos.

A entrevista mostra que é impossível ficar alheio à humanização do nascimento e as transformações inerentes a este novo paradigma quando se trabalha no dia a dia com um novo padrão de “clientela”. As MULHERES – únicas e legítimas proprietárias desta revolução – estão mudando a cabeça dos médicos aos poucos. Não há como voltar atrás: esta revolução veio para ficar.

http://www.ebc.com.br/infantil/para-pais/2015/03/parto-humanizado-e-como-todo-o-parto-deveria-ser-diz-obstetra

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