Quando eu tinha 14 para 15 anos de idade minha mãe fez a viagem dos seus sonhos para a França. Como boa “francófila” passou a vida inteira sonhando com as ruas, os cafés, os “boulevards”, os museus, as estações de “metropolitain” e o ar que se respira na “cidade luz”. Pois, aproveitando o fato de que meu pai foi estudar na França, ela juntou-se a ele no final da sua viagem e passou um mês em pleno sonho, caminhando por cada ruela, cada praça e cada edificação resplandecente. Talvez este tenha sido o maior exemplo que tive na vida de um sonho a se cumprir…
Na volta ela nos trouxe presentes simples, mas que eram revestidos de um simbolismo especial. Um chaveiro, bugigangas do avião, imagens da cidade e coisas comuns que turistas compram. Entretanto, muito mais do que o valor de qualquer objeto, estava a impregnação que eles traziam de uma viagem de sonhos e de um projeto criado havia muitos anos em sua mente cheia de fantasias sobre a onírica e romântica cidade de Paris. Entre estes presentes estava um blusão, que hoje chamaríamos de “moleton”, em que se lia, em letras estilizadas, “Saint Michel et Saint Germain“.
Perguntei a ela do que se tratava, se eram apenas os nomes de dois santos especiais da cidade, ao que ela me respondeu, com um sorriso maternal, que estes nomes se referiam a um cruzamento de duas avenidas de Paris. “Nada de mais, meu filho, apenas um cruzamento por onde passei”. Imediatamente a minha cabeça de menino criou uma esquina cuja atmosfera era de magia palpável, um ar de sonho respirável e adocicado, um local onde as fantasias mais profundas se realizavam. Minha mãe havia cumprido o maior sonho de sua vida na esquina das ruas que eu carregava no peito. Por muitos anos, até ela ficar puída e pequena demais para um adolescente que se espichava, eu usei o blusão da cidade dos sonhos, a Paris que minha mãe amava e por quem ela tanto sonhou.
Hoje, passeando pelas ruas de Paris, tomei uma sopa de cebola em um pequeno restaurante próximo da Rue du Louvre, acompanhado de uma cerveja Leffe. Levantei-me e segui para a próxima esquina onde fica uma praça, chamada de Saint Michel. Ao lado dela a rua com o mesmo nome. Surpreso pela coincidência inesperada, continuei por ela, magnetizado ela possibilidade de encontrar o cruzamento que habita minha mente há quase 40 anos. Poucos metros adiante, próximo do Panteão, chego ao mítico encontro das ruas Saint Michel e Saint Germain. Como todo encontro por muito tempo esperado ele nos deixa com a sensação de que algo falta. “Onde estão os fogos de artifício, as dançarinas de can-can, as luzes, os cantores de rua tocando acordeon? Ora, pensei, nenhuma realidade seria capaz de acompanhar a fértil imaginação de um menino“. Entretanto, ali estava a esquina misteriosa, o encontro das ruas que povoaram minhas fantasias infantis. Queria muito que minha mãe pudesse estar aqui comigo para poder me contar como era Paris há 40 anos, o que ela pensou quando aqui realizou seu grande sonho e o que isso significou para sua vida.
Talvez seja melhor assim. O sonho ficou apenas para ela mesma. É bem provável que ela fosse absolutamente incapaz de traduzir em palavras o sentimento que teve ao visitar a cidade. É possível também que tais emoções só existam em um terreno em que as palavras não fazem sentido algum. Além disso, outra mera suposição, a minha emoção ao encontrar essa esquina talvez não tenha tradução, e tudo o que está escrito aqui é uma tola e ridícula aproximação dos sentimentos de um menino de 14 anos ao escutar as palavras de sua mãe, cheias de afeto, esperança e carinho.