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Torcedor

Criança: paiê, compra aquele brinquedo!!
Pai: não tenho dinheiro.
Criança: não precisa, passa o cartão.
Torcedor: presidente, compra aquele jogador!
Presidente: não há dinheiro.
Torcedor: não precisa, passa o cartão.

Torcedores são como crianças exigindo que o papai lhes ofereça o deleite de suas fantasias. Na condição de aficionados pelo nosso clube, agimos como garotinhos buscando a satisfação de nossos desejos sem perceber o custo implicado nessa tarefa. “Ora, os adultos que se virem para me garantir o que mereço”. Em verdade, muito mais chocante que a revelação da sexualidade infantil é a demonstração cotidiana da infantilidade renitente dos adultos. Por mais que venhamos a crescer, existem resquícios da nossa infância que não desaparecem jamais, tamanho o apego que devotamos ao nosso universo psíquico, infantil e dependente.

Esse é o grande dilema do futebol, na perspectiva do torcedor: para torcer por seu time é necessário abrir mão da razão e mergulhar de olhos fechados na absoluta irracionalidade das paixões. Por isso aceitamos o pagamento absurdo e doentio dado aos jogadores, tratados como príncipes, milionários e mimados. Por isso oferecemos aos jogadores tanto poder. Mas não apenas garantimos esta distinção a eles, como tambem para toda a legião de profissionais que vivem às custas dessa neurose coletiva, como comentaristas, repórteres, analistas, influenciadores, etc.

É por estas razões que qualquer sinal de racionalidade e bom senso no trato com as coisas da bola é visto como um ato perigoso, pois que toda a indústria do futebol se assenta sobre um personagem que precisa ser necessariamente impulsivo e infantil: o torcedor. Hoje, o futebol moderno aos poucos expulsa o sujeito comum das coisas do futebol. Não vai mais aos estádios, não compra a camisa oficial do clube e sequer convive com seus ídolos, escondidos em condomínios de luxo afastados da cidade. Agora o torcedor é buscado nas redes sociais, no Twitter, no Instagram, Facebook, etc. A respeito disso, há poucos dias vi uma discussão entre dois jogadores no fim de uma partida onde o xingamento utilizado, ao invés do tradicional filho da p*ta foi:

– Quem é você? Você nem tem seguidores!!!

Não importa se tem gols, defesas, campeonatos vencidos e taças erguidas. No futebol moderno – e no mundo dos boleiros – vale quem tem mais seguidores. Estes são os novos “torcedores”, mas não veja isso como um avanço; estes também precisam ser igualmente irracionais.

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Futebol

O futebol carrega em seu âmago uma brutal e incontornável contradição. Se futebol fosse encarado como as mulheres gostariam (ok, um exagero que serve apenas para este debate) ele seria arte pura. O problema é ninguém vai ao estádio para ver arte; vai para ver guerra. Queremos gladiadores carregando nossa bandeira. “Meio a zero de mão já me serve“, diz o apaixonado tresloucado torcedor enrolado na bandeira. Esse futebol em que todo mundo é civilizado prenunciaria a morte do futebol como nós o conhecemos.

Todo dirigente sabe que o torcedor precisa ser domado, controlado, cerceado em sua volúpia clubística …. mas não tanto. Se ele for domado a ponto de racionalizar o futebol ele acorda do seu sono futebolístico e começa a questionar porque paga 1 milhão por mês para um cara chutar uma bola. Futebol enquanto esporte de massas só (sobre)vive da nossa neurose. Ela é um torpor, um inebriamento, uma catarse irracional e poderosa. Civilizá-lo é matá-lo.

No jogo Brasil x França na copa em que perdemos de 1 x 0 para eles o jogador Roberto Carlos confraternizava com Zidane antes da partida no túnel de acesso (eram colegas no Real Madrid) e jamais foi perdoado por isso. Ser um pouco cordial é aceitável, mas ninguém suporta ver amizade entre as pessoas que lutam por nós. Essa é a contradição inerente desse jogo e o futebol se equilibra entre a razão e a paixão. É mesmo como o amor… precisa ser racional para não haver arrependimentos e tragédias, mas se passar da conta morre estrangulado pela própria racionalidade insossa. O futebol europeu é, via de regra, odiado pelo torcedor da geral, o sujeito que se exalta agarrado ao alambrado. Esse gosta da animalidade do grito, da lama, do sangue, da raiva e da conquista, mas também da depressão, da tristeza e dos sonhos de um porvir radiante.

Tratar o futebol como “arte” – para gente sofisticada e educada – determinaria o fim da paixão que torna o futebol o que é. Futebol é como o amor: se você traduz a paixão em palavras ou ideias racionais ele se desfaz como poeira diante dos seus olhos. Para mantê-los – o amor e o futebol – é necessário reconhecer que o universo em que habitam está muito distante do mundo dominado pelas nossas vãs filosofias.

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