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Cirurgias e hegemonias

A Episiotomia (corte perineal para alargamento da vagina no parto), pelo seu significado histórico na medicina, será sempre defendida muito mais pelo que representa para a prática médica e menos pelo que promete fazer de benefício para a mãe e para o bebê. A moderna obstetrícia deve muito a essa cirurgia, que produziu o golpe de misericórdia na ação das parteiras do início do século passado e serviu como esteio ideológico para a supremacia médica na assistência ao parto.

O ocaso da história gloriosa das episiotomias, e o reconhecimento da fisiologia do parto como suficiente, representará um golpe duro na dominação hegemônica da narrativa médica sobre o processo do nascimento, e um reforço das perspectivas mais suaves, menos invasivas e baseadas em evidências clínicas consistentes.

Há mais de 30 anos sabemos da inutilidade das episiotomias como protetores do períneo feminino ou garantidores do bem estar de bebês. Defender a episiotomia, como ainda o fazem representantes da corporação médica, nada mais é do que um esforço para manter essa hegemonia intacta, pois que está vinculada ao próprio poder médico de discriminar sobre o corpo da mulher, sua vida, seu destino e sua sexualidade.

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Futebol

O futebol carrega em seu âmago uma brutal e incontornável contradição. Se futebol fosse encarado como as mulheres gostariam (ok, um exagero que serve apenas para este debate) ele seria arte pura. O problema é ninguém vai ao estádio para ver arte; vai para ver guerra. Queremos gladiadores carregando nossa bandeira. “Meio a zero de mão já me serve“, diz o apaixonado tresloucado torcedor enrolado na bandeira. Esse futebol em que todo mundo é civilizado prenunciaria a morte do futebol como nós o conhecemos.

Todo dirigente sabe que o torcedor precisa ser domado, controlado, cerceado em sua volúpia clubística …. mas não tanto. Se ele for domado a ponto de racionalizar o futebol ele acorda do seu sono futebolístico e começa a questionar porque paga 1 milhão por mês para um cara chutar uma bola. Futebol enquanto esporte de massas só (sobre)vive da nossa neurose. Ela é um torpor, um inebriamento, uma catarse irracional e poderosa. Civilizá-lo é matá-lo.

No jogo Brasil x França na copa em que perdemos de 1 x 0 para eles o jogador Roberto Carlos confraternizava com Zidane antes da partida no túnel de acesso (eram colegas no Real Madrid) e jamais foi perdoado por isso. Ser um pouco cordial é aceitável, mas ninguém suporta ver amizade entre as pessoas que lutam por nós. Essa é a contradição inerente desse jogo e o futebol se equilibra entre a razão e a paixão. É mesmo como o amor… precisa ser racional para não haver arrependimentos e tragédias, mas se passar da conta morre estrangulado pela própria racionalidade insossa. O futebol europeu é, via de regra, odiado pelo torcedor da geral, o sujeito que se exalta agarrado ao alambrado. Esse gosta da animalidade do grito, da lama, do sangue, da raiva e da conquista, mas também da depressão, da tristeza e dos sonhos de um porvir radiante.

Tratar o futebol como “arte” – para gente sofisticada e educada – determinaria o fim da paixão que torna o futebol o que é. Futebol é como o amor: se você traduz a paixão em palavras ou ideias racionais ele se desfaz como poeira diante dos seus olhos. Para mantê-los – o amor e o futebol – é necessário reconhecer que o universo em que habitam está muito distante do mundo dominado pelas nossas vãs filosofias.

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