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Um pouco da história tricolor

O time do Hamburgo, vencido pelo Gremio em 1983 na Final do Campeonato Mundial (que colocava frente a frente os campeões da Libertadores e da Champions League), era a base da seleção alemã que jogou o mundial de 1982. Era um time cheio de craques, mesmo que nos últimos anos seja um time apagado na Alemanha. Uma característica das antigas Libertadores (as Libertadores “raiz”) era que, naquela época, apenas dois brasileiros podiam jogar este campeonato – campeão e vice do campeonato brasileiro (a Copa do Brasil só começou em 1989, e foi o Grêmio quem a venceu). O Grêmio entrou nesta Libertadores por ter sido vice campeão do campeonato vencido pelo Flamengo de Zico, Júnior, Adílio, Raul e Nunes em 1982. Compare com hoje: até 9 clubes brasileiros (como em 2022) podem participar de cada edição da competição. Naquela época era  muito mais difícil chegar a uma final mundial.

Lembremos também que o Grêmio foi campeão da Libertadores em 1983 jogando contra o campeão mundial de 1982, o Peñarol de Fernando Morena. Foi campeão depois em 1995 jogando na Colômbia contra o Nacional de Medellin, de Higuita, base da seleção que foi à Copa de 1994. Depois foi mais uma vez campeão na Argentina, em Buenos Aires contra o Lanús, time que desclassificou o poderoso River Plate no Monumental de Nuñes.

Ou seja: ganhamos de grandes times das três maiores praças futebolísticas sulamericanas: Uruguai, Argentina e Colômbia, duas delas fora de casa. A Libertadores que ganhamos em casa foi contra o campeão do Mundo, o Peñarol. Depois disso, disputamos 3 finais mundiais e só perdemos para o maior Real Madri deste século, de Ronaldo e Casemiro. Ganhamos do Hamburgo e empatamos com o Ajax.

Para comparar, o nosso coirmão jogou uma final caseira contra o São Paulo e outra contra um time mexicano, ambas no Beira Rio. Nem de longe se compara à epopeia das Libertadores do Grêmio, que teve até a “Batalha de La Plata”, quando houve derrubada de alambrado pela fúria da torcida Argentina e espancamento de jogador gremista no túnel quando se dirigia ao vestiário. Os colorados jogaram apenas uma final de campeonato mundial, e na outra disputa que participaram perderam ainda na semifinal para um time do interior do Congo, cuja cidade ninguém lembra qual é. Esse time congolês hoje está imortalizado, dando nome a um viaduto de Porto Alegre.

Sejamos justos…. basta comparar as histórias.

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Inacreditável!!!

A BATALHA DOS AFLITOS

Em 26 de novembro 2005 ocorria um dos eventos mais espetaculares da história do futebol mundial. Sem precedentes. Não é exagero: isso nunca mais vai se repetir em lugar nenhum do mundo envolvendo grandes clubes na disputa por um campeonato em nível nacional.

As finais da série B daquele ano envolviam quatro equipes classificadas na fase anterior: Grêmio, Náutico, Portuguesa e Santa Cruz. Um gaúcho, um paulista e dois pernambucanos. Na rodada final e decisiva o Grêmio jogava contra o Náutico em Recife enquanto o Santa Cruz jogava na mesma cidade contra a Portuguesa de Desportos. Estas seriam as duas partidas do quadrangular final da série B daquele ano. Das 9 combinações de resultados possíveis para estas duas partidas 8 favoreciam o Grêmio. Só não podia acontecer uma combinação: a derrota do Grêmio combinada com a vitória do Santa Cruz. E aos 36 minutos do segundo tempo era exatamente isso que estava acontecendo. Vamos então recordar os acontecimentos daquele dia.

O Grêmio tinha um time horrível derivado da hecatombe da falência da ISL – uma empresa Suíça de marketing esportivo. Apesar disso, ali estavam Anderson e o garoto Lucas, mas o resto do time era composto de jogadores medíocres. O técnico era local, sem nome e sem história – Mano Menezes, que depois chegou até a dirigir a Seleção Brasileira. Costumo dizer que se o goleiro Galatto não fizesse o que fez Mano Menezes seria motorista de táxi em alguma cidade do interior do Rio Grande até hoje. Durante o campeonato fez muitas burradas, inclusive deixar Anderson – o melhor jogador do time – no banco. Foi criticado de forma contundente pela imprensa e até hoje eu o considero o técnico de futebol mais sortudo de toda a história do futebol.

Antes mesmo de se iniciar a partida o Náutico fez de tudo para prejudicar o Grêmio. Prenderam jogadores e comissão no vestiário, não permitindo o aquecimento no campo, mas antes se deram ao trabalho de pintar as paredes, deixando os jogadores tontos pelo cheiro forte de tinta. O clima era de uma verdadeira guerra, incendiado pela imprensa local que queria os dois times pernambucanos na categoria de elite do futebol brasileiro; os jogadores de ambos os times eram gladiadores preparados para toda sorte de infortúnio.

O jogo na primeira etapa foi sofrível. Pouquíssimo futebol sendo apitado por um juiz inseguro e tecnicamente ruim. Muitos anos depois foi envolvido em escândalos da polícia militar. Marcou um pênalti absurdo contra o Grêmio no primeiro tempo que não foi convertido. Teve sorte.

Enquanto isso na outra partida em Recife, a Portuguesa saía na frente, o que aliviava o Grêmio. Entretanto, não durou muito para o Santa Cruz empatar e virar o jogo. O alívio durou pouco.

No segundo tempo o jogo continuou horrível em termos de futebol, mas o Grêmio resistia. O jogo do Santa Cruz não parecia mudar em nada; estava definido. O destino do Grêmio seria mesmo nos Aflitos.

Em um contra-ataque do Náutico, o goleiro do Grêmio – Gallato, guarde esse nome – fez pênalti em Kuki mas o juiz não marcou, o que me deu a certeza de que não havia por parte dele interesse em ajustar resultados. Se quisesse favorecer o Náutico esse seria o momento. Os lances que ele marcava eram sob brutal pressão dos jogadores e da torcida. Estava perdido e apavorado.

Quando faltavam 9 minutos para acabar a partida o juiz Djalma Beltrame marcou um pênalti contra o Grêmio de forma absolutamente equivocada. Nessa hora já tínhamos perdido um jogador, Escalona ao 26 min, que foi expulso ao levar o segundo cartão amarelo, mas estávamos resistindo. Nessa nova marcação de penalidade máxima equivocada o jogador Nunes do Grêmio se virou de costas após o chute do adversário e o juiz apontou para a marca da cal de forma imediata. Não foi falta, e as milhares de repetições na TV confirmaram. Indignação total de toda a nação tricolor. Ele provavelmente marcou este pênalti para compensar o fato de não ter marcado o pênalti anterior.

Surgiu-se um brutal o confronto e os jogadores do Grêmio foram sendo expulsos de campo, um após o outro, por indisciplina. Antes da cobrança mais três acabaram indo para rua. Ao todo 4 jogadores saíram: Escalona (antes do entrevero), Nunes, Patrício e Marcel. O juiz ficou cercado, a polícia entrou em campo, dirigentes dos dois clube também. Brigas, empurrões e o Grêmio já estava diante do pior cenário que um clube pode enfrentar: partida final do campeonato, com 6 jogadores apenas na linha, o adversário completo, um pênalti contra si, na casa do oponente, com o estádio lotado e faltando apenas 9 minutos para acabar a partida. As imagens marcantes que antecedem a cobrança são da torcida do Náutico de mãos dadas rezando, em silêncio reverencial.

Do outro lado, no time Timbu, sobreveio uma crise. Ninguém queria bater a penalidade. Os jogadores mais experientes “pipocaram” e serão para sempre cobrados por isso. Era muita responsabilidade: a bola do jogo, aquela que daria acesso à “série A”, o grupo de elite do futebol brasileiro. Acabaram determinando que um jovem lateral, um menino recém saído da base, batesse o pênalti. Ademar seu nome.

Era visível seu pânico ao se posicionar para a cobrança. Um garoto diante da possibilidade de acesso de seu clube à série A. Depois de muitos minutos de brigas, empurrões, discussões, ameaças e tensão o juiz apita. A respiração da torcida do Grêmio é interrompida e o silêncio se faz em todo o Brasil. Ademar caminhou trôpego para a bola, enquadrou o corpo para bater de esquerda. Disparou o chute e…

Galatto!!!! Inacreditável!!!! Seu corpo caiu para a esquerda, mas mantendo o pé no centro conseguiu tirar a bola para escanteio. A maior torcida do Rio Grande gritava de euforia, mas eu permaneci quieto e apreensivo. Tínhamos 7 jogadores em campo contra 11 do adversário. Quatro jogadores do Grêmio já haviam sido expulsos: Escalona, Nunes, Patrício e Domingos. Se já é difícil equilibrar um jogo com um jogador a menos imagine com 4 jogadores faltando! Era possível que o gol do Náutico ocorresse até no escanteio que ocorreria em sequência, com tantos jogadores a mais em campo. Não havia muito para se tranquilizar, e os 9 minutos restantes seriam um século, mesmo que o empate ainda nos garantisse o segundo lugar e o acesso para a série A.

Foi então que o mais improvável aconteceu. Depois do escanteio a bola espirrou para a esquerda e caiu nos pés de Anderson. Ele se livrou do adversário com um drible e na sequência foi atropelado pelo zagueiro Batata, sendo arremessado violentamente para fora de campo. O juiz não teve alternativa a não ser dar o segundo cartão amarelo e expulsar o defensor do Timbu, mas ainda restavam 9 jogadores vermelhos contra 6 gremistas na linha. Todavia, o time do Náutico estava tão perturbado que não sabia o que fazer em campo. A cobrança da falta foi tão rápida que chegou a enganar o cinegrafista. Anderson saiu correndo solitário em direção ao gol adversário, livrou-se do zagueiro com um jogo de corpo, entrou área adentro e desviou do goleiro, colocando a bola no fundo das redes.

Impossível, milagre!!!!! Exatos 71 segundos após a defesa de Galatto o Grêmio marcou um gol espetacular. Sete bravos guerreiros (1 goleiro e mais 6 na linha) contra os erros de um juiz em pânico, uma torcida que lotou o estádio e um time com 9 adversários na linha. A torcida foi à loucura em todos os cantos do mundo!!! A essa hora o jogo do Santa Cruz já havia terminado e os jogadores do time “cobra coral” chegaram a dar a volta olímpica, iludidos de que haviam conquistado o campeonato da série B. Ledo engano!!! O Imortal tricolor jamais se entrega até o apito final.

Depois do gol do Grêmio baixou uma incrível apatia no time pernambucano. Nos 9 minutos que se seguiram não houve sequer uma situação de gol, mesmo com tamanha diferença numérica. Os jogadores do Grêmio se multiplicavam em campo, obstruindo as investidas, e assim o fizeram até quando Beltrame terminou o jogo e o Rio Grande do Sul veio abaixo.

Ali se confirmava a lenda da imortalidade cantada meio século atrás por Lupicínio Rodrigues no hino tricolor.

Saí da casa do meu pai onde assisti o jogo e fomos para a avenida Goethe, próximo de onde era a antiga Baixada, estádio do Grêmio até os anos 50. Uma multidão enlouquecida lá reunida dizia em uníssono “Eu não acredito“, “Não é possível“, “Milagre“. Nenhum título poderia ser mais comemorado, não pela taça em si, mas pelas circunstâncias de bravura, luta, heroísmo e enfrentamento das adversidades.

A Batalha dos Aflitos é o ápice do heroísmo no futebol. Nada parecido isso aconteceu jamais ocorreu no âmbito do futebol profissional. Ela deve ser valorizada por por sua façanha épica sem paralelo no mundo esportivo. E não esqueçam que o futebol não vive de campeonatos que são vencidos com quatro rodadas de antecedência, mas de fatos improváveis, vitórias inesperadas, derrotas humilhantes e retornos triunfantes.

O futebol não vive da qualidade e da excelência, mas da paixão e da superação.

Por esta razão, para chegar a essa epopeia em Recife, foi necessário uma série imensa de erros e incompetências, e isso deve ser lamentado. Inclusive não se deve esquecer dos erros na concepção do time e as mancadas absurdas do técnico. Portanto, não é justo analisar o evento da Batalha dos Aflitos com maniqueísmos; a “batalha” deve ser exaltada pelo heroísmo inédito, pelas circunstâncias e contextos, pela superação e pela magia que a cerca. Todavia, precisa ser lamentada pelos erros, pelas falhas e equívocos que levaram a ela.

De qualquer maneira, esta data ficará na lembrança de todos os gremistas como a maior prova de que é preciso lutar e acreditar até o último instante, porque se a vitória se afigura impossível e distante….. “até a pé nós iremos!!”

Para quem quiser entender mais sobre esse momento épico do futebol mundial veja este clip….

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