Se há uma coisa que me arrependo na juventude é não ter investido pesadamente nos momentos de lazer e alegria com meus filhos. Eu era muito jovem quando fui pai, e o acúmulo de atividades (faculdade de medicina e sete empregos simultâneos) aliada à escassez de recursos me dificultavam o convívio com os pequenos. Eu sei, são desculpas, mas é o que me resta e me dá conforto. As férias eram sempre entremeadas com trabalhos fora de hora, plantões que pagavam bem mas que ninguém queria fazer (carnaval, Natal, etc..), e eu sempre me sentia compelido a aceitá-los. Hoje em dia eu tenho um remorso danado dos momentos que poderia ter usufruído, mas que deixei passar por me preocupar com coisas menores e muito menos importantes do que estar ao lado dos filhos.
Vivemos em um mundo em que o trabalho desempenha um papel central em nossas vidas. Era assim que eu o via. Estudar para me qualificar, me qualificar para trabalhar, e trabalhar para “ser alguém na vida”. O trabalho define e mostra quem a pessoa é, e como se situa no mapa social. Entretanto, eu vejo com preocupação na sociedade contemporânea uma supervalorização do trabalho como tendo o “sentido mais importante na vida de um sujeito”.
Eu creio que esta questão é complexa, e não pretendo esgotá-la em meia dúzia de frases. Se posso entender o significado da função social do trabalho, também posso entender que as relações afetivas e as responsabilidades que temos com aqueles que por nós se afeiçoam não podem ser desprezadas. E na sociedade em que vivemos, trabalhar de forma ininterrupta tornou-se uma meta acima de todas as outras. Não só trabalhar, mas ser fanático pelo trabalho, doente por ele, obcecado pela produtividade e pela excelência, mesmo que esta função social assuma a posição de destaque, acima dos outros objetivos de nossa vida. No mundo atual “workaholic” – aquele que trabalha em excesso e de forma insana – passou a ser um elogio, uma marca indefectível oferecida para os “vencedores”.
Pois eu vejo de forma diferente. Acredito que trabalhar demais é para os pobres de espírito. A cultura do “workaholic” é uma mitologia para burros de carga, que valoriza e coloca em um pedestal o indivíduo que situa seu trabalho acima das relações pessoais ou de seus afetos. É uma forma sutil de escravidão moderna, onde os grilhões não são mais de ferro, mas de mitos e preconceitos urbanos. “Fulano é espetacular, um workaholic obstinado, determinado e incansável” Não, em verdade ele não passa de um tolo!!! Trabalhar acima da conta é um desrespeito consigo mesmo e com a família. Trabalhar acima do que é razoável é para trouxas ou escravos. O trabalho deve ser gratificante e produtivo, lúdico e desafiador. Ele não pode ser um FIM, mas um meio para ser útil ao mundo que nos cerca. O dinheiro que dele advém deve servir apenas para oferecer segurança, tranquilidade e conforto, e não para ser um brinquedo perverso de colecionadores de moedas.
Adrenalina sim, mas jamais sem o contraponto da ocitocina. Se é importante a influência fálica e desafiadora no mundo, onde o trabalho o esforço e a criatividade terão destaque, também serão fundamentais a placidez, o compartilhar, o descanso e o prazer. Sem essa dualidade, em que ambos os aspectos de nossa vida tem espaço para se expressar, seremos autômatos infelizes, semelhantes ao pobre operário de Chaplin em Tempos Modernos.
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