Um homem chamado Hans está jantando, já de madrugada, com sua esposa Helga e suas duas filhas, Gertrude de 15 e Mathilda de 19. Na mesa da cozinha estão dispostos os pães, a margarina, o queijo e os assuntos do dia. Em uma pausa entre uma fala e outra ouviu-se um barulho vindo da entrada da casa. Parecia alguém tentando abrir a fechadura.
“Psiu!!”, disse ele, e todos suspenderam os comentários e a própria respiração. O silêncio tomou conta da acanhada cozinha, fazendo os grilos subitamente fazerem parte do ambiente. Mais alguns segundos e o barulho novamente surgiu, como se um artefato estivesse sendo forçado na abertura externa da porta. Os cabelos dos braços se ergueram, e os olhos se arregalaram, e podia-se sentir o cheiro de adrenalina sendo expelida pelas suprarrenais em alvoroço. No entanto, nenhum som se escutou quando a esposa de Hans se abraçou às duas filhas e mirou em súplica aterradora para os olhos do nosso herói.
Hans mais uma vez repetiu o “psiu“, e encaminhou a mulher e as filhas para a sala contígua. Levantou-se e, caminhando em direção à porta de entrada, quando subitamente parou… Enquanto caminhava para o que poderia ser o encontro último de sua vida, onde poderia encontrar a morte na porta que teimava em fazer barulho, subitamente parou a dois passos da porta e percebeu o quão machista era sua atitude.
“Porque eu tenho que averiguar a porta? Porque eu tenho que garantir a segurança da casa? Não seria mais justo se todas as tarefas fossem compartilhadas, se todas as funções fossem igualmente distribuídas, para que o poder fosse repartido de forma igual entre os gêneros? Não seria correto que também a função de proteção fosse repartida, para que as mulheres tivessem igualmente este tipo de responsabilidade? Mas, se tanto lutamos por equidade, porque foi tão natural a atitude de levantar e me dirigir para a porta, enquanto minha mulher se abraçava às filhas, à família? Por que me parece tão normal protegê-las?”
Olhou para trás e pôde ver sua mulher espiando-o, abraçada às meninas, enquanto permanecia estaqueado no meio do corredor que terminava exatamente na fatídica porta. Mais uns poucos segundos de tensão e terror, até que uma folha de papel surgiu por debaixo da porta. Ainda tremendo curvou o corpo para frente e, com inusitado cuidado, abriu a folha de papel cuidadosamente dobrada ao meio.
“Caro vizinho, percebi seu carro está com os faróis acesos no estacionamento. Não quis bater na porta para não acordar a família. Procure apagá-los assim que possível. Abraços, Simone“