Do livro “Adélia e outras histórias”…
“Ele voltou o olhar para ela logo após seu desabafo. Dos olhos dela fugiam faíscas luminescentes de indignação. Não havia nenhum ensejo de paz enquanto seu corpo se projetava à frente e seus lábios cuspiam dor e ressentimento.
Não pensou sequer em dar o abraço que tanto precisava. Naquele momento de dor seus braços seriam os polos magnéticos opostos ao dela. Limitou-se a falar.
– Como poderia eu retirar-lhe o ódio, único alimento possível para sua alma sofrida? A mim não cabe criticá-lo, Adélia, apenas permitir que sua energia se gaste lentamente, como o fogo que se vai quanto mais incandesce. Impedir sua raiva é ignorar o quanto ela ainda lhe protege. Sua cólera cega lhe resguarda do seu maior medo: a culpa. Enquanto você carregar seu ódio com tanto cuidado e tratar dele com tanta ternura, sua culpa se manterá adormecida.
Lançou para Adélia seu derradeiro sorriso, e deixou para ela uma pergunta, da qual se seguiu um silêncio.
– Que direito tenho eu de despertar o monstro da sua culpa? Como permitir que o silêncio dos seus ódios faça acordar o mal que tanto esconde? Como roubar a muleta que lhe sustenta, Adélia?”
Adélia ofereceu apenas o vazio como resposta.