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Adoecimentos

O problema do adoecimento ao contrário do que muitos acreditam, não é dos cirurgiões ou dos clínicos; será sempre do sujeito doente. Foi ele quem o fez, quem o construiu; também quem o albergou e acalentou, às vezes por anos a fio. A negação sobre a responsabilidade das doenças pode servir de proteção para o psiquismo, em especial para quem está desconcertado diante da perspectiva da morte, mas não passa de ilusão. As doenças são construções do sujeito, obras que ele mesmo realiza no sentido – por vezes desesperado – de alcançar equilíbrio.

As enfermidades não são o “desafio dos médicos”, mesmo que deles dependa o tratamento e, algumas poucas vezes, até a eliminação dos sintomas. Alienar-se dessa responsabilidade apenas atrasa a compreensão dos sentidos últimos da enfermidade por parte dos enfermos, assim como de sua imensa potencialidade transformadora.

Ao dizer isso nada mais faço do que uma contestação à ideia prevalente de que a resolução dos problemas da saude repousa no outro, quando na verdade a doença é uma construção subjetiva. Por certo que os fatores ambientais adoecem o sujeito, porém o ambiente é também uma construção dos sujeitos sociais e só eles podem modificá-lo, não uma força mistica externa a eles. Assim, a responsabilidade pela saúde será sempre dos sujeitos através do cuidado próprio e de sua ação na sociedade.

Esther Ackerman, “Silente Healing” (Cura Silenciosa), ed. Chamonix, pág 135

Esther Ackerman é uma neurocirurgiã nascida em 1976, formada por Princeton e que fez residência médica na Case Western Reserve University, em Cleveland. Durante a gestação de sua segunda filha foi diagnosticada com leucemia e, na época, foi aconselhada a realizar um aborto para iniciar de imediato seu tratamento. Diante da negativa de começar o protocolo medicamentoso antes do parto ela mantece a gestação e, meses após, nasceu Victoria, uma criança saudável porém prematura, que precisou ficar alguns meses internada para ganhar peso. No período que se seguiu ao parto começou seu tratamento para o câncer, ao mesmo tempo em que dava suporte à sua filha recém nascida. Abandonou por dois anos a prática de consultório para se dedicar a estas tarefas e quando sua filha já estava estabilizada, e ela mesma livre do câncer, escreveu “Silent Healing”, onde descreve o turbilhão de emoções que surgiram com a gravidez, o câncer, a internação da filha prematura e o tratamento para sua doença. Seu livro mistura uma abordagem subjetiva do “precipício emocional” no qual foi jogada pela ocasião do seu diagnóstico, mas também uma análise muito objetiva das trajetórias possíveis que se oferecem às pessoas que se encontram diante de escolhas dramáticas. O livro recebeu o “Medical Writers Award” e foi posteriormente adquirido pela Paramount para se transformar em filme, com filmagens programadas para iniciar em 2024, com Sandra Bulock no papel de Esther. Mora em Boston com seu marido Samuel Hodgkin e as filhas Priscilla e Victoria.

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Medicina e Medo

”The Doctor”, 1891; Samuel Luke Fields (1844-1927), Óleo sobre tela, Galeria Tate – Londres. (*)

Qual a razão da crescente insatisfação de tantos pacientes com os abusos cometidos por uma medicina cada vez mais alienante, técnica, fria e desumana, onde a intervenção e o uso de drogas assumem a característica mais marcante dessa atuação? Hoje em dia a cena ancestral do médico compassivo, atencioso, dedicado e atento que, ao lado do leito, anota em silêncio as queixas e sinais dos enfermos, dá lugar aos exames, as cirurgias e as drogas, alienando progressivamente o paciente de sua própria cura.

Quando os médicos atuam de forma abusiva – em especial no parto, onde a intervenção se tornou a regra e a fisiologia ocorrência rara – assim o fazem para garantir a sua proteção, e não por serem pérfidos, interesseiros ou ignorantes. Se um médico resolve esperar diante de um impasse clínico e algo inadequado ocorre a culpa será invariavelmente considerada sua e, a partir de então, sua vida se tornará um inferno com os ataques que surgirão da própria corporação. Por outro lado, se ele intervém e o paciente – como resultado da intervenção – tem algum problema grave (ou mesmo vem a óbito) a responsabilidade se dilui, e a perspectiva que sobressai é de que o resultado funesto foi devido ao risco natural e inexorável de qualquer procedimento, o qual ocorreu apesar do tratamento médico adequado. Isso porque a tecnologia é um mito, e por isso não pode ser jamais questionada.

A isto costuma-se chamar de “imperativo tecnocrático”, que determina que a existência de tecnologia para tratar um determinado caso obriga a sua utilização, mesmo que os resultados desta intervenção não sejam comprovadamente melhores, e aqui a cesarianas ocupam um lugar de destaque como grande exemplo deste tipo de tendência. Muito mais do que evidências científicas, a profissão é levada a agir por defesa, aumentando gravemente os riscos para os pacientes – mesmo que os diminua para os médicos.

Ou seja, o uso de tecnologia vai sempre blindar o médico, dar-lhe segurança e oferecer a ele proteção profissional. Na obstetrícia, as cesarianas são “salvo condutos” para garantir segurança aos profissionais. Raríssimos médicos são processados por cesarianas abusivas mas qualquer um que ouse atender partos, mesmo quando dentro de parâmetros reconhecidos no mundo inteiro, incorre em sério risco profissional. A escolha pelo tratamento mais seguro para si é compreensível em qualquer profissão – médicos não são kamikazes – apesar de não ser justificável sob qualquer parâmetro ético; médicos atuam sob o signo do medo e sabem o quanto um mau resultado pode destruir uma carreira tão arduamente construída.

Desta forma, não são os médicos que precisam mudar; é a própria sociedade, seus valores, seu sistema jurídico, sua mídia, seu sistema de saúde e os próprios pacientes, que invariavelmente não vão titubear em deslocar a dor e a frustração de uma perda para a pessoa do médico, em especial quando a postura deste é contra-hegemônica e agride o modelo tecnocrático e intervencionista da medicina capitalista. Imaginar que a mudança na atenção é uma responsabilidade dos médicos é injusto e inútil; eles apenas fazem a Medicina que a sociedade lhes solicita e autoriza. Para mudar a atenção à saúde é necessário suplantar o capitalismo e transformar a Medicina, para que ela deixe de ser mercantilista e baseada no lucro das grandes corporações, e passe a ser um sistema de cuidados centrado na pessoa, e não nos ganhos obtidos com a doença.

Só então poderemos constatar que, quando a sociedade se transforma, os médicos (juízes, advogados, políticos, policiais, bombeiros, militares, etc) se transmutam como consequência. Porém, essa mudança é dialética, pois que o exemplo de alguns profissionais também vai moldar a forma como a sociedade enxerga os evento da atenção à saúde, gerando assim mais consciência, que por sua vez será agente de transformação. Não existe, portanto, justificativa para que os médicos não se mobilizem para que a sua ação médica seja impulsionadora da mudança.

A prática médica é a síntese dos valores da sociedade onde atua, não sua causa precípua. Sociedades violentas produzem uma medicina truculenta e intervencionista; nas sociedades baseadas na paz e na democracia a Medicina vai fomentar uma saúde centrada na pessoa e na responsabilidade compartilhada entre cuidador e paciente. Entretanto, sempre devemos cobrar dos médicos que compreendam a verdadeira amplitude de sua ação social, e não se permitam sucumbir às pressões desumanizantes a que são submetidos.

(*) O quadro nos remete a um momento dramático na vida do pintor Samuel Fields. Nele está retratada a morte de seu filho na noite de Natal do ano de 1877, mas também está expressa a homenagem ao médico, atento, circunspecto e prestativo, que assistiu seu filho até o derradeiro momento quando, por fim, a vida do menino evadiu-se do corpo. Na imagem podemos ver seu estúdio, os móveis, o ambiente lúgubre que aguardava o desfecho mórbido, o desespero da mãe e o olhar apático do pai – o próprio Samuel. Apesar de ser uma imagem que nos remete ao dramático e trágico da existência ela igualmente nos mostra que a função do médico não é “curar os doentes”, mas estar ao seu lado, aliviando as dores e sofrimentos, curando quando for possível, mas sendo sempre a mão fraterna a oferecer o cuidado – o elemento ancestral que nos transformou em humanos.

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Sentidos

Eu vi muito da busca insaciável por sentido quando o tema é a morte. Diante do impacto que as despedidas oferecem aos que ficam, as pessoas não buscam descobrir a realidade da morte, do adeus, do infinito de separação inexorável; elas querem conferir à morte um sentido. Para isso precisam negar muito da realidade, não apenas sobre quem se foi mas também sobre a própria morte, como e porque ocorreu, de quem foi a culpa e a responsabilidade. Para conseguir este sentido não se furtam de colocar a morte numa linha de causalidade tão fantasiosa quanto aliviante e consoladora. Assim fazendo, pedem às mentiras que ofereçam um lugar seguro para, assim fazendo, garantir sentido ao caos.

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As Armadilhas da Identidade

Há muitos anos me debato com a questão do identitarismo, até porque sempre fui um homem imerso em um universo absolutamente feminino, e seria normal e compreensível que sempre fosse visto com uma certa estranheza. Por esta razão, não foram poucas as vezes que me defrontei com silenciamentos, exclusões e com o indefectível argumento do “lugar de fala”.

Por certo que muita besteira eu disse nessas três décadas de debates sobre partos, amamentação, puerpério e os próprios aspectos da sexualidade ligada ao parto, mas eu via nas inúmeras interdições – veladas e explícitas – um cancelamento indevido de vozes cuja aparente dissonância em verdade oferecia a possibilidade de se criar uma melodia muito mais rica e complexa. Sempre acreditei que estes múltiplos pontos de vista poderiam compor uma paralaxe benéfica para fortalecimento das ideias. Todavia, muitas vezes preguei no deserto.

Assim, o livro “Armadilhas da Identidade” de Asad Haider, caiu como uma luva sobre minhas inquietações, em especial porque trazia a resposta para uma antiga indagação. Em uma parte do livro – onde comenta sobre a realidade do racismo que atinge os negros americanos – ele observa que em muitos lugares (como em Milwakee, por exemplo) a maioria dos policiais é negro. Surge então a questão: como poderia a polícia se manter violenta e racista se os indivíduos que a compõem são do mesmo grupo vitimado por esta instituição?

Quando li isso me veio à mente outra violência que acompanhei diuturnamente durante mais de três décadas: a violência de gênero que se expressa na assistência ao parto, onde a imensa maioria das atendentes – inclusive as obstetras, que se situam no ápice do sistema de poderes – é composta por mulheres. Aqui sempre esteve presente a mesma pergunta: por que mantemos uma assistência violenta e misógina mesmo depois da obstetrícia se tornar majoritariamente feminina?

Não seria de se esperar que a violência diminuísse a partir do momento em que negros vigiassem negros e mulheres acolhessem mulheres? Não haveria uma obrigatória identificação com o outro, objeto de nossa ação?

O resultado dessa maior representação – conforme testemunhei durante décadas – foi ausente ou pífio. Não há até hoje nenhuma diferença mensurável entre as ações de policiais negros ou de obstetras mulheres no que diz respeito à violência de sua prática. A explicação para esse fenômeno é porque, muito mais importante do que os sujeitos que estão presentes nestes atos, são as instituições e os valores que elas representam. A polícia existe para impor à sociedade pela força uma divisão brutal de classes, enquanto a obstetrícia vai marcar as mulheres com o signo da submissão feminina dentro da sociedade patriarcal, inobstante os atores que emprestam seus corpos e mentes para essa função.

Colocar indivíduos negros na polícia e mulheres na obstetrícia – garantindo a esses grupos uma maior representatividade – em nada auxilia na transformação radical do sistema que os sustenta. Em verdade, as políticas identitárias que se resumem a colocar mulheres e negros em posição de destaque são parte do sistema de dominação – e não sua real oposição.

O grande equívoco é mantermos nossa visão obscurecida pelo gênero e raça e não percebermos a estrutura capitalista que subjaz, a mesma que fabrica a misoginia, o racismo e outros preconceitos como ferramentas para manter a sociedade de classes. Esse erro se espalha e se reproduz quando colocamos a culpa no branco e no homem, como se estes personagens fossem os culpados pelo sistema de opressão do qual eles também são vítimas.

Por esta razão creio que um movimento unificado que suplante os identitarismos seria a grande saída para o fortalecimento das lutas. Aliás, a proposta de colocar homens, cis, brancos e heterossexuais como “os inimigos a serem destruídos” é um roteiro que só pode levar ao fracasso, como visto até agora.

O fim do racismo e do machismo vai ocorrer quando houver a superação da sociedade de classes através da luta de todos, acima das identidades, em direção a uma sociedade sem divisões artificiais.

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Querer e deixar de querer

Não pode simplesmente uma vela apagar porque o pavio terminou, sem que alguém precise soprá-la?

Encontrei essa frase, dita por alguém muito jovem, e achei que merecia um comentário, exatamente porque acredito que muitas vezes os elogios que os homens fazem às mulheres são, em verdade, ofensas…

Essa concepção de relacionamento parte de uma visão ingênua, para dizer o mínimo: os relacionamentos acabam porque os homens não agradaram adequadamente as suas mulheres. Pois eu pergunto: por que não poderiam acabar porque uma mulher não tratou bem seu homem? Ou por que não poderia uma mulher tratada como uma princesa pelo seu parceiro simplesmente encher o saco do “grude” que está com ela? E, mais importante ainda, por que precisamos encontrar razões racionais para explicar algo profundamente inserido nos estratos inferiores da mente, e que não tem e nem precisa uma explicação racional – como o amor, a paixão e o desejo?

Um homem NUNCA perde uma mulher para outro?” Sério? E os dois milhões de casos que me vem à mente justo agora foram todos culpa dos homens? Nenhuma mulher falhou ou falha nesse terreno? Todas são perfeitas e o sucesso ou o fracasso depende exclusivamente do esforço masculino? Ou mais ainda…. precisa alguém “falhar” para que um relacionamento termine? Não pode simplesmente uma vela apagar porque o pavio terminou, sem que alguém precise soprá-la?

Come on…. a frase foi feita por um adolescente. É biscoiteira até a raiz. Parte da idealização das mulheres, como seres perfeitos, e que o fracasso das relações só pode ser debitado na conta do homem malvadão que “deixou a desejar”. Essa concepção, repito, é ofensiva com as mulheres, porque as coloca à reboque das ações masculinas. Elas não têm desejo, apenas respondem ao que recebem do seu parceiro. Assim, ela são seres reativos, passíveis e moldáveis, adaptando-se à boa ou má conduta que a elas é oferecida. Não sobra espaço para que elas simplesmente desejem ou deixem de desejar, pois que apenas respondem às ações masculinas, únicas condutoras do processo.

Se eu fosse mulher ficaria ofendida. E gritaria: “Os relacionamento podem acabar também porque, apesar do príncipe maravilhoso, lindo, gentil, atencioso e nobre que está comigo, eu simplesmente não quero mais, mesmo que nenhuma culpa possa ser atribuída a ele. Em verdade, deixei de querê-lo, e minha vontade e o meu desejo contam”.

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Faturas

As vezes penso que as alegrias que a vida oferece nada mais são do que adiantamentos da Deusa Álea – a divindade das incertezas – com a garantia de uma futura cobrança, em um jogo de soma zero onde para cada felicidade momentânea conquistada surgiria no futuro uma fatura a pagar com juros de tristeza, dor e decepção.

Por isso a culpa; por isto nenhum gozo é livre. Um freio que se puxa diante do sorriso dos miúdos, do convívio, no compartilhar, na imensa fortuna de assistir uma criança abrindo os olhos ao mundo, enquanto você, ali ao lado, assiste os milagres brotando diante dos seus olhos incrédulos.

E depois o medo e a tristeza de lembrar que a conta tem de fechar, que esta dívida precisa ser paga, zerada, e que é preciso a dor, a miséria e a penitência caso queira sorver da vida o que ela pode lhe dar.

A culpa pelo prazer é dos maiores fardos. Livrar -se desse peso é uma tarefa estupenda, cujo esforço por vezes ocupa uma vida inteira.

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O perdão impossível

Infelizmente parece mesmo que só os pastores evangélicos conseguem acolher pessoas que cometem erros, mesmo os mais terríveis. Enquanto isso, a sociedade só joga pedra. Acusa, destrói, promove vingança e é sempre inexorável nos seus julgamentos. Nao adianta mofar anos na prisão, é preciso incinerar, picotar e cuspir em cima. Aqui, esquerda e direita se encontram, no submundo dos sentimentos mais rasteiros.

Já os evangélicos, muito mais por marketing do que por virtude, recebem os “pecadores” e lhes oferecem o benefício (ou a possibilidade) da “redenção”. O resto da sociedade joga pedra na Geni. “Enquanto existirem Suzanes todas as minhas maldades e perversões serão aliviadas”. As Genis são tão odiadas e desprezadas quanto…. necessárias.

Não reclamem, pois, pelo crescimento acentuado do fundamentalismo mais tacanho e emburrecedor no nosso meio; participamos desta bestialidade ao oferecer aos párias sociais apenas esta possibilidade de ler os ensinamento cristãos – e a esperança do perdão, que é universal.

O que nos incomoda em Suzane é ver que não somos tão diferentes dela quanto gostaríamos…

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À espera de Emma

Diante do cenário luminescente de matizes multicoloridos do céu ele se despiu do último cigarro, fazendo a brasa vívida brilhar contra a paisagem avermelhada dos bancos do bar. Da primeira baforada surgiu a frase entrecortada pela fumaça.

– Se há algo que não podemos controlar, Benny, é o ouvido alheio. Nada nos garante que o coração de quem ouve poderá compreender o que falamos, muito menos o que se esconde no vão das palavras. Como saber se a frase solta não vai encontrar um oceano de contextos na mente do outro? É verdade irmão, o ressentimento é uma capa que ao mesmo tempo em que nos protege sorrateiramente nos corrói a alma.

Sentado à sua frente Benjamin colocou uma colher a mais de açúcar no café fazendo o tilintar da colher entoar um dueto com os carros que passavam na rua. Seu olhar estava fixado na porta do bar na esperança de que Ethel viesse finalmente encontrá-los. A ansiedade pelo encontro enchia o bar acanhado de silêncios que, misturados com o aroma de café passado, traziam a todos a dor pesada de muitas nostalgias.

Benjamin descolou o olhar da porta e sorveu o primeiro gole de café. Enquanto absorvia o amargor adocicado da bebida fitou Mark ainda com a xícara tocando os lábios.

– Se ela entendeu dessa forma não há nada que você possa fazer, disse. Não adianta se martirizar. Se ela se magoou com aquelas breves palavras não cabe a você se culpar. Você sabe como são as mulheres…

Mark sorriu pela primeira vez.

– Não, irmão. Nunca saberei.

O tilintar dos sinos da porta de entrada anunciaram a chegada de Emma. Benny sabia que seu rosto na primeira imagem denunciaria seu propósito e o que ocorreria nas próximas horas. Vestia-se sobriamente e carregava uma sombrinha nas mãos. Seu olhar procurava a dupla que a aguardava até que finalmente atingiram em cheio os pupilas contraídas de Benjamin.

– É ela Benny?, disse Mark sem ousar virar o corpo.

– Temo que sim. Esteja preparado e boa sorte, brother.

Barry Wiedeman Harris, “The Portrait of the Devil”, Ed. Canvas, pág 135

Barry W. Harris foi professor de literatura medieval na Universidade do Novo México. Escreveu vários livros relacionados aos conflitos sociais derivados da imigração. Como homem de esquerda, foi membro do Partido Socialista da América e, quando do seu desmembramento em 1973, manteve-se filiado ao Comitê Organizador Socialista Democrático. Seus livros e crônicas abordam de maneira ácida o racismo e o preconceito de classe dos “WASPs” (White Anglo-Saxon Protestant) em contraposição aos sonhos e esperanças das comunidades latinas que vivem nos estados limítrofes da fronteira mexicana. Casou-se com Julieta Morejano, de ascendência Guatemalteca, e teve dois filhos, Pedro e Enrique. Morreu em 1998, vítima de um câncer de tireoide.

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Maçaneta

A cafeteria jogava sobre nós seus vapores de café enquanto Max ajeitava o cabelo cada vez que aproximava a boca da xícara. Tive ímpetos de dizer-lhe, pela milésima vez, que já era hora de cortar seu cabelo. Max mantinha o mesmo penteado desgrenhado de quando estava na faculdade, mas agora os fios de cabelos brancos estavam em franca vantagem contra os originais. Logo me dei conta de que este comentário seria apenas mais uma tolice minha; criticar os cabelos de Max era uma intromissão em um assunto absolutamente privado. Pior, temo que sua resposta seria: “respeite seu lugar de fala, careca”. Dizer-lhe para cortar o cabelo seria o mesmo que pedir para Salvador Dali aparar o bigode, ou para Einstein pentear seu cabelo. Não se mexe em marcas tão fortes de uma personalidade. Ainda prefiro o incômodo de vê-lo ajeitando o cabelo insistentemente do que correr o risco de ver seu espírito questionador e inquieto esvair-se no chão de um barbeiro

– Eu sei do que falas, Ric. Se o que move estas pessoas. Sei como sofrem e porque é tão complexo o perdão. Sei também que, por mais que estas pessoas sejam confrontadas com a realidade, tal encontro não é capaz de produzir nenhuma transformação significativa. O que se obtém de forma irracional e afetiva não pode ser extirpado pela razão.

– Sim, eu compreendo, e me resigno. Sei que não há muito o que dizer diante de uma construção emocional tão poderosa. Não se joga fora uma bengala de uma hora para outra. O ódio e o desprezo servem como potentes apaziguadores da alma quando a dor é intensa e sobre ela não existe consolo possível.

Max jogou-se para trás na cadeira e ficou me olhando fixamente por alguns instantes. Nunca entendi exatamente o sentido destas paradas abruptas, o enquadramento do corpo como a preparar um bote seguido de um movimento rápido para frente em que arrojava seu corpo sobre a mesa e dizia algo sem tirar seus olhos dos meus. Funcionava como um script preestabelecido do qual ambos sabíamos como funcionava.

– Eu já te falei a história de Dulcinéia? Não a namorada de Dom Quixote, uma outra, muito mais triste.

Neguei com a cabeça, sem desviar os olhos de Max.

Ele sabia que eu não desviaria o olhar até o final de sua narrativa. Max domina a arte de criar suspenses e contar histórias.

– Dulcinéia era uma mulher triste. Era casada e tinha três filhos. Eu a conheci nos primeiros anos depois de sair da residência em um ambulatório da prefeitura.  Nos primeiros quinze minutos da consulta ela me contou as mentiras previsíveis que as pessoas contam na frente do médico, como um teatro tosco de olhares cruzados, histórias escolhidas, pausas, palavras sonegadas, atos falhos e enganos.

Interrompi Max abruptamente com a mão espalmada à frente.

– Para lá, Max. Não venha me dizer que as pessoas procuram médicos para mentir. Você não pode reduzir as consultas a interrogatórios, como se os pacientes estivessem acossados por um agente da lei, procurando encontrar as palavras menos incriminatórias, buscando subterfúgios para não dizer a verdade.

– Caro Ric, você descreveu muito bem como funciona uma consulta. Este encontro está regulado pelas necessidades humanas, por suas dores e medos e pelo nosso sentido de urgência. Entretanto, o que o paciente nos traz como demanda, como queixa e como sofrimento, é tão somente a parte visível de um gigantesco Iceberg. Aquela pontinha branca que desponta da imensidão aparentemente calma do oceano é apenas uma fração minúscula do que se esconde por debaixo das suas águas plácidas. Infelizmente, o que aparece como gelo na superfície deveria ser o guia para a descoberta da massa gigantesca que o sustenta. O que o paciente traz como queixa deveria ser um sinalizador para que um cuidador isento de preconceitos pudesse investigar o que se esconde por debaixo da superfície do seu discurso dissimulador.

Como eu um flash milhares de pacientes, palavras, histórias, gestos, expressões e sorrisos passaram diante dos meus olhos confirmando a tese de Max. Havia muito mais do que a nossa vã observação era capaz de apreender em um encontro breve e tímido. Os pacientes escondem, até de si mesmos, um tesouro de emoções escondidas debaixo de grossas capas de proteção e o adoecimento, qualquer que seja, enfraquece essas barreiras e nos oferece a oportunidade única de encontrar o que se esconde por “debaixo do véu que nos separa do meramente manifesto aos sentidos grosseiros”.

Repeti para Max a frase que ele havia me dito há muitos anos e pela qual tinha uma certa afeição. Sim, Max se afeiçoava a frases como alguns tem paixão por cães e gatos. Pedi que continuasse a história de Dulcinéia.

– Permiti que Dulcinéia continuasse a contar as naturais mentiras enquanto nutria a esperança de que ela fizesse a “manobra da maçaneta” que é tão comum nesses casos.

Pedi que continuasse, mas com o compromisso de descrever a tal manobra mais tarde.

– Dulcinéia era triste, como já lhe disse. Tinha olhos azuis profundos e frios. Seu rosto era magro e seu corpo esguio. A pele era de um brancor ofuscante, onde ressaltava o azul de suas veias delicadas decorando de mármore a face interna de seus braços de cera. Seus gestos eram delicados, mas seu olhar para mim dizia muito mais do que suas pequenas mentiras. Ela carregava uma dor que não cabia em suas palavras, que não aparecia em suas queixas e que devia estar dormindo nos porões úmidos e escuros do inconsciente.

Tentei buscar alguma Dulcinéia em meu arquivo de imagens, mas preferi que a descrição pormenorizada de Max me ajudasse a criar uma nova. Siga, Max.

– Em um determinado momento, e não recordo exatamente porque a conversa chegou a este ponto, suas mãos se espalmaram sobre o granito da mesa e ela me disse com uma voz dura: “Eu sei o que é sofrer por um erro!

Max, depois de uma breve pausa – ele conhece como contar histórias com seus altos e baixos e esperando o momento certo para encaixar as palavras da narrativa – continuou.

– Preferi ficar em silêncio. Havia naquele momento um instante raro nos encontros adornados de puerilidades que somos obrigados a testemunhar. Uma vaga do oceano chocou-se contra a torre gelada que aparecia altiva no meio do oceano de placidez, e com isso descobriu uma porção maior do iceberg que a sustentava. Ali estava algo verdadeiro, uma emoção clara e forte; uma dor que não se conteve e mostrou sua face.

Esperei mais alguns momentos de silêncio e ela resolveu continuar. Disse-me que sua irmã foi vítima de um erro médico há muitos anos, e que este fato acabou por fazê-las desconfiar de todos os médicos com quem consultou desde então. Um médico do Pronto Socorro foi o responsável pelo sofrimento terrível que se abateu sobre sua pequena irmã, na época com sete anos. A dor produzida naquele momento de sua vida jamais a abandonara e ela não se sentia capaz de perdoar aquele que tanto mal havia causado à sua irmãzinha e à toda sua família.

Aguardei sem nada falar pelo seu relato, pois via que ela estava tocando uma parte dolorosa de sua vida, um momento de profunda dor e angústia. Ficava claro que deveria ser algo de muitos anos passados, mas a emocionalidade da descrição mostrava que a dor ainda era atual, apesar da distância de décadas que a separava do evento.

A tudo eu ouvia com atenção, mas meu coração disparava quando eu sentia na própria carne as emoções contidas no relato de Max.

– Que idade você tinha quando isso ocorreu? continuou Max em seu relato. Ela respondeu que tinha 16 anos quando sua irmã sofreu o grave acidente. Ela era uma irmã “temporona”, a mais mimada, a mais amada, a mais querida por todos na família. “Um anjo que a vida presenteou a todos nós”, disse ela.

Olhando seus olhos úmidos perguntei se ela desejava falar sobre esse caso, caso isso pudesse lhe trazer algum conforto ou consolo. Ela respondeu que sim com a cabeça, como que a desejando economizar palavras que lhe custavam a sair da boca rósea de lábios finos, que mais pareciam uma linha a cruzar transversalmente o rosto.

Foi um erro terrível do médico, disse ela. Ela foi atropelada quando voltava para casa de um passeio e levada imediatamente ao hospital. Chegou lá muito mal, entre a vida e a morte. Sofreu várias fraturas, em vários ossos, e chegou no Pronto Socorro inconsciente. Foi internada e começaram a fazer cirurgias. Uma depois da outra; nem lembro quantas foram feitas no período em que estivemos no hospital, lembro apenas que foram muitas. Ossos, hemorragias internas, reintervenções, drenos, soro, sangue, anestesias. Depois as complicações, os antibióticos e as febres. Ela foi desenganada várias vezes, os médicos foram perdendo as esperanças.

Dulcinéia continuava sua descrição da tragédia de ver uma irmã lutando contra um infortúnio, que não apenas se apossou de sua saúde, mas acabou levando consigo o brilho dos olhos azuis de sua irmã. Ela prosseguiu em sua narrativa.

Eu rezava todos os dias e fazia todas as promessas. Chorava copiosamente nos corredores do hospital. Não conseguia aceitar que uma criança sofresse tanto, alguém que jamais fez qualquer ato ruim contra ninguém. Agarrava-me a tolas crendices e palavras de estranhos, todas bem-intencionadas, mas essencialmente vazias.

Subitamente, algo aconteceu. Em princípio não quis acreditar pois não queria me agarrar a falsas esperanças. A febre cedeu, os rins voltaram a funcionar, as cirurgias não mais supuravam, a respiração parecia melhor e mais calma. Até seu rosto voltou a se parecer com a menina alegre e vívida que todos conheciam. Chorei demais de alegria, mas ainda mantinha minhas orações e meus pés no chão.

Os dias se seguiram e ela aparentava franca recuperação, e depois de mais de dois meses internada pela primeira vez os médicos usaram a expressão “alta hospitalar”. Conseguia sair do quarto na cadeira de rodas e, apesar das dores, ensaiava alguns sorrisos com as brincadeiras das enfermeiras e dos médicos. Meu coração exultava de alegria e esperança.

O dia finalmente chegou. Apesar de ainda restrita à cama e com muitos cuidados o médico nos procurou e avisou que daria a alta no dia seguinte. Ela precisaria de controle cuidadoso e muita atenção. Estava se alimentando com cuidado, havia perdido muito peso, não podia fazer nenhum esforço. Passei a noite no hospital aguardando para levar minha irmã de volta para casa no dia seguinte.

Então sobreveio a sombra que nunca mais me abandonou, disse ela com uma voz pausada e grave. Durante a noite minha irmã pediu um copo de suco de laranja. Solicitei a enfermeira que lhe fosse dado, já que iria para casa na manhã seguinte e havia passado o dia inteiro tomando uma dieta líquida; devia ter sido  apenas um esquecimento do médico. A enfermeira voltou com a informação de que ela estava sem dieta. Insisti com a enfermeira de que ela estava com sede e precisava beber algo “energético”, e ela respondeu que ligaria para o médico de plantão para saber se ele liberava o suco, diante do fato de que pela manhã ela iria para casa.

A autorização do médico foi dada.

Ela bebeu seu suco, me deu um beijo de boa noite e dormiu.

Nunca mais falei com minha irmã. Na manhã seguinte ela se sentiu mal, ficou com falta de ar, reclamou que estava difícil respirar e logo depois pude ver que estava ficando pálida. Chamei a emergência e ele foi imediatamente removida para a UTI. Ainda pela manhã, uma enfermeira conhecida voltou para o quarto onde eu aguardava informações, me deu um abraço e chorou comigo, avisando que minha irmã havia morrido. Não havia causa conhecida ainda, e só com o tempo poderiam descobrir.

Fez uma pausa para secar as lágrimas e levou as mãos ao rosto. As emoções de tantos anos voltavam como se tivessem ocorrido há poucos dias.

Que Deus a houvesse levado no dia em que morreu, Dr Max. Que tivesse ela ficado no chão, sem vida, atirada no asfalto quente da rua, mas porque foram me dar as esperanças de ter minha irmã de volta para depois ser arrancada dos meus braços assim?

Não foi difícil entender que a culpa era o suco de laranja. Sim, doutor, deram a ela um suco que não poderiam ter liberado. Deram para ela um “veneno” que a matou. Foi um erro grosseiro do médico por ter liberado um suco que não devia ter recebido.

Max pausou a narrativa nesse momento e voltou a colocar o corpo para trás, encostando a vasta cabeleira na parede atrás.

– O que você disse a ela Max? Acredita mesmo que aquele suco de laranja poderia estar implicado no que me parece uma embolia?

– O que eu penso não importa muito, Ric. A dor dela era verdadeira e a melhor resposta que eu tinha a lhe dar era o meu silêncio. Ela continuou sua triste história.

Processei o médico. Virei uma fera. Contratei um advogado que imediatamente encampou a minha causa. Levei o caso ao conselho de medicina. No dia da audiência eu o encontrei, alguém que eu jamais havia visto mas que odiava do fundo do meu coração. Ele se levantou e me cumprimentou constrangido, mas certamente foi capaz de ver as faíscas de ódio que saíam dos meus olhos. Sem saber o que falar, ele se limitou a dizer, sem raiva ou indignação, apenas com uma espécie de assombro.

– Por que está fazendo isso comigo?

Não consegui lhe responder tudo o que tinha em minha cabeça pois meu advogado me puxou pelo braço e pediu que eu sentasse e me acalmasse. Foi a única vez que o vi em minha vida.

Perguntei a ela o que havia acontecido com o caso e ela respondeu com uma risada de sarcasmo.

Ora, Dr Max, você sabe muito bem o que houve. Simplesmente nada. O conselho de medicina disse que não havia prova alguma de má conduta diante de um caso tão grave como o dela e encerrou o caso. Cheguei a pensar em levar adiante e processá-lo em todas as instâncias, mas meu advogado disse que a visão do conselho era muito forte, os juízes são muito incompetentes para entender casos médicos, haveria um desgaste ainda maior para a família e os custos subiriam, etc. Aceitei seu conselho e virei essa página, mas a minha dor e a minha indignação jamais terminaram, e sei que vou morrer com elas.

Fiquei olhando para aquela paciente sem saber o que dizer, sem ter como ajudá-la e sem poder debater sobre um caso que lhe trazia tanta dor, mais de 25 anos passados. Tinha vontade de lhe falar que não acreditava que o suco de laranja tivesse qualquer participação no óbito, que o mais provável era uma embolia, o que seria um diagnóstico provável diante de tanto tempo imobilizada e das fraturas que teve. Mas, de que adiantaria mexer nessa ferida sem ser capaz de lhe oferecer uma luz qualquer, e sem ter condições de trazer razão para um caso em que havia um domínio total das paixões?

Disse apenas que sentia muito por tudo que havia acontecido e que ela podia contar comigo sempre que tivesse o desejo de contar uma história que compõe o tecido sutil de sua vida. Ela sorriu, secando uma última lágrima dos olhos azuis.

Levantou-se e dirigiu-se à porta. Neste instante, sem saber exatamente o porquê, resolvi lhe fazer a derradeira pergunta. Em verdade, creio que a fiz apenas para tentar me solidarizar com sua dor, ou para encher de palavras o pequeno trajeto que separava a mesa onde estávamos até a porta.

– Como ela foi atropelada?, disse eu.

– Ela desceu do ônibus e atravessou a rua sem olhar. Soltou-se e correu para a calçada à frente, mas foi atingida por uma motocicleta em alta velocidade e arremessada há mais de 20 metros de distância.

– Soltou-se?, perguntei eu sem refletir

Dulcinéia colocou a mão na maçaneta e, olhando levemente para trás, respondeu

– Soltou-se da minha mão, Dr Max. Era eu quem havia saído com ela para passear. Foi de minha mão que ela se desprendeu.

Meu olhos se arregalaram diante do fim da história. Olhei para Max como a entender a manobra que ele me havia anunciado.

– A maçaneta, Max…. agora eu entendi.

Max ajeitou seus cabelos caóticos mais uma vez e sorveu o último gole de seu cappuccino. A brisa sombria entrava pelas frestas da porta à frente enquanto os sons da noite nos convidavam a um abraço e um até breve.

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Acusações

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Eu acredito ser justo que mulheres comentem atendimentos em que se sentiram mal atendidas, lesadas, desrespeitadas etc, inclusive dizendo o nome do profissional quando isso ocorrer em grupos fechados. Por outro lado sou contrário aos linchamento virtuais de profissionais para quem não se dá direito de defesa. Sempre que escuto essas histórias eu digo “é, pode ser, mas gostaria de escutar a outra parte“. Entretanto, nas poucas vezes que isso aconteceu, fiquei impressionado com as diferentes histórias apresentadas quando ambos os lados tem a oportunidade de se expressar .

Um exemplo: Uma apresentadora de TV foi demitida e escreveu uma dura carta acusando os diretores pela sua demissão. Fiquei bravo com eles. Hoje surgiu a versão dos diretores que a demitiram. Fiquei puto com ela. Qual a versão verdadeira?

Toda mãe sabe parir e todo bebê sabe nascer” são tão somente palavras de ordem que fazem sentido no furor do ativismo. Na vida real há problemas, intervenções necessárias, cesarianas e todo tipo de merda possível, que em boa parte das vezes não tem a ver com a violência do profissional, mas com o uso adequado de sua arte para oferecer segurança às mães e aos bebês. Muitas vezes esses pacientes sofrem pela fantasia exagerada que criam sobre seus partos e não por uma real falha do profissional que as atendeu.

Para ser justo é preciso escutar com a razão, e não apenas com o coração.

Entretanto, o que eu afirmo em nada invalida a existência de violência obstétrica, que quanto mais invisível é mais intensa se apresenta. A descrição das pacientes NUNCA deve ser desconsiderada, ao mesmo tempo que não se pode desconsiderar a fala dos profissionais. A experiência nos oferece a oportunidade de entender que um parto não depende apenas dos cuidadores. Eles são uma parte fundamental do processo, mas não podem garantir nenhum resultado. Infelizmente muitas mulheres acreditam que as equipes de atenção humanizada podem solucionar bloqueios de ordem psicológica e emocional, alguns deles com mais de 30 anos de construção.

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