Enquanto escrevo essas palavras podemos mentalmente nos despedir de mais um médico que tirou – em algum lugar do planeta – sua própria vida. Sim, em média um médico por dia se suicida no mundo. O estresse de lidar com o “twilight” entre a vida e a morte, o medo de ver sua carreira destruída por um erro ou um mau resultado, a perseguição perversa e vingativa de pacientes e colegas e a pressão por parte de uma corporação mais interessada em poderes e dinheiro… acabam, com o tempo, destruindo o que existe de humano nos médicos.
Os sobreviventes muitas vezes se refugiam no cinismo e no desinteresse. A morte das paixões muitas vezes ocupa o lugar da morte do corpo, mas transforma estes homens e mulheres em zumbis que olham sofregamente para o relógio aguardando a aposentadoria que lhes oferece, pelo menos, um pouco de paz.
Quatro centenas de médicos no mundo dizem “chega” à própria vida todos os anos. Perdi alguns colegas desta forma, alguns da minha especialidade, mas o suicídio de pessoas que deveriam ser o primeiro apoio a quem pensa em tirar a própria vida mostra que estamos falhando. E estamos matando o que existe de transcendente na medicina. Humanizar a medicina é humanizar também o trabalho de quem cuida. O modelo de “crime e castigo”, punitivo e cruel, anacrônico e inútil, é um dos que mais contribuem com tal tragédia.
Quem sabe no futuro possamos mudar a mentalidade para uma visão mais acolhedora e curativa, ao invés de investir na abordagem mutilatória que aplicamos nos profissionais da medicina, a qual arranca deles o que de mais nobre e justo podem oferecer à sociedade.