Arquivo da tag: Violência

Violência e Imprints

Uma pesquisa recente na Finlândia (mas não vejo porque seria diferente no Brasil) mostra que as crianças violentas ou vitimadas pela violência tem uma probabilidade muito maior de se tornarem adultos desajustados e violentos. O primeiro grupo é formado por crianças e adolescentes que foram “saco de pancada” na infância, em especial na escola, aqueles que sofreram bullying, que foram maltratados por serem gordinhos, pequenos, fracos ou pouco “inteligentes”. O outro grupo era o dos seus abusadores, os espancadores, os “bullies“, os “malvadões“, os opressores. O estudo descortina o fato de que tanto os agressores quanto as vítimas de bullying tinham um risco aumentado para crimes violentos, quando comparados às pessoas que não haviam intimidado outras pessoas. O bullying é um assunto de extrema importância, até do ponto de vista da economia dos países industrializados. No Reino Unido 16.000 entre 11 e 15 anos crianças faltam à escola, sendo a principal razão os maus tratos dos colegas, e 78.000 quando o bullying é uma entre outras razões.

Ambos os grupos são marcados pelas duas pontas da violência, seja aplicando-a ou sendo vítima dela; imagina-se que a violência seja replicada nos espancadores pelo gozo recidivante de oprimir e nas suas vítimas pela necessidade de vingança, para limpar de sua história as humilhações do passado.

Mas estas ainda são marcas da infância, do tempo da escola ou do início da socialização. Que marcas ainda mais profundas – que os psicólogos contemporâneos chamam de “imprints” – são produzidas quando a violência ocorre na primeira infância, no período pré-verbal e sendo perpetrada por aqueles que mais confiamos e dependemos, como nossas mães e nossos pais? É lícito imaginar que as cicatrizes dessas experiências precoces são ainda mais profundas e mais facilmente produzem comportamentos violentos, derivados das inúmeras dores recalcadas. Nos últimos cinco anos, 35 mil crianças e adolescentes foram mortos de forma violenta no Brasil, segundo levantamento do Fundo Internacional de Emergência das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. No subgrupo de crianças de 0 a 4 anos ocorreu aumento de 27% nos casos. Em 90% dos casos o agressor é da família. Mas, e os sobreviventes? Que tipo de visão de mundo terá uma criança que sofreu agressões durante o período mais frágil de sua vida e ainda por intermédio das pessoas que mais deveriam cuidá-la e protegê-la? Isso sem falar das agressões tão precoces que são capazes de transformar a chegada a este mundo em um trauma poderoso – as violência no parto.

Apesar disso, em uma pesquisa de 2020 realizada com 7038 cuidadores de crianças de 0 a 5 anos residentes em 16 municípios cearenses, incluindo a capital, Fortaleza 84% dos pais acreditam que os castigos físicos e gritos (ou ambos) são importantes e necessários para a educação de crianças. Uma fração enorme dos pais e cuidadores de crianças desta região acreditam na violência como método pedagógico necessário para colocar as crianças no caminho. Acreditam mesmo que a violência, por produzir resultados imediatos como o silêncio e a obediência, seriam capazes de moldar o caráter das crianças, quando na verdade apenas desenvolvem personalidades cujo medo é o sentimento preponderante e a violência sua reação mais natural. Resta-nos questionar como se contrapor a essa proposta, tão arraigada em nossa cultura, que conecta educação e caráter com violência física e psicológica em crianças.

Com o fenômeno do crescimento de organizações de extrema direita fascista no mundo inteiro – onde o estímulo ao armamento e à violência faz parte do ethos desses grupos – é importante questionar de onde estes jovens retiram material subjetivo para sustentar estas ideias. Outro fato marcante é a presença de pessoas de terceira idade nos “acampamentos” em frente aos quartéis pedindo aos militares a decretação de uma nova ditadura. Homens e mulheres de 60-70 anos que certamente foram educados com a severidade das surras, das humilhações e dos castigos, e que hoje afirmam impávidos nas redes sociais “apanhei muito, mas não virei marginal”. A resposta talvez esteja nesta violência muito precoce que sofreram ou impuseram, que ao criar este “imprint” na tessitura maleável da alma infantil, faz desabrochar na juventude e início da vida a opção pela violência física e moral.

Não lhes parece?

Deixe um comentário

Arquivado em Causa Operária, Violência

Paixão pela mudança

Se a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é se tornar opressor, como já dizia Paulo Freire. Se a gente não combate o abuso em si, mais cedo ou mais tarde todos iremos exigir nosso quinhão de opressão no mercado da violência. Se a luta contra o arbítrio só nos inflama quando toca nossos interesses – ou nossas feridas – então não é paixão pela mudança, é apenas oportunismo.

Deixe um comentário

Arquivado em Pensamentos

A Banalidade do Arbítrio

Lembram quando o Moro violava as leis, atropelava a constituição, fraudava provas, escolhia promotores, grampeava advogados e atacava adversários políticos? Enquanto fazia isso ele era exaltado pela mídia burguesa, pela direita, pelos fascistas de verde-amarelo, pelos bolsonaristas e até por setores da própria esquerda, então entusiasmados com a “limpeza” prometida na corrupção do país, mesmo quando ficaram evidentes que as ações eram ilegais, inconstitucionais, contrárias à ética e politicamente determinadas.

Lembram quando esse mesmo ministro atacou Bolsonaro, mandou prender Daniel Bombadão, mandou trancafiar Sara Inverno e boa parte da esquerda aplaudiu suas ações de “enfrentamento”? Alguns jornalistas de esquerda aplaudiram suas ações e passaram a tratar o ministro careca como um “corajoso defensor da democracia”.

Pois agora o mesmo ministro aponta sua metralhadora de censura para todos os lados, atingindo o próprio PCO – radical de esquerda revolucionária – por ter opiniões contrárias à sua atuação. Mais ainda, o PCO é atacado pelo Ministro (chamado de “skinhead de toga”) por defender que o STF é um instrumento antidemocrático e que sua dissolução seria a melhor ação a ser promovida – trocando por um poder popular, legitimamente eleito e sem a característica vitalícia que hoje tem.

O monstro que a própria esquerda exaltou – ou foi conivente – mostra suas garras, como o corvo que come os olhos de quem o alimenta. Hoje o ministro ataca os advogados do Daniel – o Reaça do Whey – violando direitos fundamentais da advocacia. A figura horrorosa e nauseante desse fascista com esteroides não nos permitiu perceber que os ataques abusivos contra ele por um poderoso ministro do STF acabariam atingindo a esquerda e a própria liberdade de expressão.

Hoje o Brasil é governado pelo STF e por um presidente corrupto e inepto, mas só esse último recebeu o beneplácito dos votos em uma eleição (mesmo que esta eleição tenha sido fruto de uma manobra ilegal liderada pelo próprio STF). Alexandre foi indicado por Temer, um presidente que chegou ao poder por um golpe mais do que assumido. O próximo governo deveria tocar nessa ferida e entender que o Brasil não pode se tornar refém de um grupo de ministros comprometidos com o atraso, o abuso e a violação de direitos.

O que o ministro Alexandre Morais fez ao impedir as publicações do PCO não é sequer censura, é DITADURA. Nem a ditadura militar de 64 teve coragem de fechar jornais desta forma. Se a esquerda não reagir a isso em pouco tempo qualquer crítica ao STF ou ao governo vai ser considerada ilegal. É a própria barbárie. Alexandre Morais inventa leis em benefício próprio e atropela o princípio da livre expressão.

Estamos sendo controlados por canalhas.

A atitude ditatorial deste ministro medíocre e fascista tornou um pequeno partido revolucionário de esquerda como o assunto mais debatido do momento. Essas atitudes reforçam várias verdades que insistimos em negar. A primeira delas é de que o proibicionismo é burro e ineficiente. Não funciona com a maconha, antes dela com a bebida e não vai funcionar para a destruição das esquerdas, em especial os socialistas, que já foram por tantos anos proibidos e continuam a crescer nos corações e mentes.

A segunda verdade é que a censura e o “calaboca” dizem mais sobre o opressor e seus temores do que descrevem o oprimido, pois esta atitude pusilânime desnuda as verdades que os primeiros insistem em esconder. A censura desse ministro apenas expõe suas fragilidades, seu caráter autoritário, sua fraqueza jurídica e suas falhas “Morais”.

A maior propaganda feita ao PCO está ocorrendo pelo ataque covarde e inconstitucional que parte de um ministro que só ocupa este cargo porque foi indicado por um presidente golpista e porque o STF foi conivente e apoiador do golpe contra uma presidenta legítima e que jamais cometeu qualquer crime.

O PCO continuará firme e forte mesmo que esta barbárie prevaleça. Sairá das mídias para as ruas e vai crescer no imaginário da classe operária como o partido que representa suas legítimas aspirações e que não teme a arrogância de ditadores de toga.

Deixe um comentário

Arquivado em Pensamentos, Política

Humor e crítica social

Quem quiser se divertir vendo a repercussão do tapa de Will Smith entre os comediantes americanos aqui está uma amostra. O que chama a atenção é que eles “dobraram a aposta”. Se o Will Smith desejava proteger sua esposa das piadas “maldosas” dos comediantes sua atitude foi a mais estúpida da história do xô-biz.

Para mim, a forma como a comunidade dos comediantes reagiu é mais importante e significativa do que debater a própria agressão. Quem apostou que uma agressão poderia fazer o humor ficar constrangido, comportado, domesticado e menos “ácido” perdeu, brother. Essa amostra abaixo é o que virá para as próximas décadas, e aqui estão as piadas mais politicamente incorretas possíveis. Não veja se isso o incomoda…

O humor vai vencer porque ele é uma expressão de liberdade. Quem vai perder desta vez é a “comunidade woke”, que já está fazendo hora extra na cultura desse planeta.

PS: Melhor comentário: no próximo Oscar todos os participantes deverão mandar uma lista de suas condições médicas atuais assinada pelo médico assim como uma relação de piadas que aprovam para serem contadas sobre si mesmos. Tudo isso para evitar ferir as almas sensíveis de milionários e demais canalhas presentes

Deixe um comentário

Arquivado em Pensamentos

O Pote Cheio

O futebol não ocorre num vácuo social e não pode ser isolado do circuito simbólico onde está inserido. A violência nos estádios é a encenação desta cultura, assim como as lutas de gladiadores eram para a sociedade romana. Como válvula de escape das frustrações, ele será um dos primeiros sinalizadores de situações limítrofes. O futebol é depositário e disseminador dos valores culturais, mas também da nossa neurose social.

Os surtos de violência de torcedores que agora ocorrem em vários pontos do país são reflexos de uma conjuntura social que está doente. Entender estas manifestações como “fatos isolados” é ignorar o grande contexto e perder de vista que, o que vemos agora, é tão somente a manifestação local de uma enfermidade sistêmica que se abate sobre toda a sociedade.

Claro, a imprensa agora bate na tecla da necessidade de “punição exemplar” aos criminosos, sem perceber que, sem tratar a doença de base, este fenômeno tende a se repetir. Os que hoje agridem e apedrejam são aqueles sujeitos que depositam no futebol as suas frustrações e martírios, transformando o time adversário nos representantes de suas mazelas pessoais cotidianas. As manifestações violentas que agora vem à tona nada mais são do que o espelho de uma sociedade no seu limite, a água que transborda pela última gota que cai sobre um pote cheio.

Não é o futebol que se enfermou, somos todos nós…

Deixe um comentário

Arquivado em Violência

Imperdoável

Muito melhor do que “Não olhe para cima” é o último filme da Sandra Bullock, “Imperdoável”. Relata a história de uma mulher que sai da prisão após duas décadas de encarceramento e sua busca para resgatar o que resta da sua vida. Muitos momentos do filme foram preciosos, mas em uma de suas fala ela responde a alguém “As pessoas da prisão são iguais às daqui“, e isso sempre me pareceu uma verdade que tentamos esconder.

Para aceitar as ações selvagens e indignas impostas aos prisioneiros é necessário desumanizá-los, enxergá-los como animais ou como se fossem de outra espécie, diferente da nossa. Esta é a mesma estratégia que usamos ao tratar os inimigos em uma guerra ou os escravos que nos servem. Apenas quando criamos uma barreira entre a nossa essência e a deles é que se torna possível aceitar a violência que lhes impomos, seja produzindo ou testemunhando

Deixe um comentário

Arquivado em Pensamentos

Ainda Fogueiras

Apesar de não gostar de fogueiras creio que o debate nacional sobre violência obstétrica é oportuno e essencial, em especial através de um programa de tamanha audiência como este, o Fantástico na Globo. Espero que, mais do que uma ação punitivista, este seja um passo importante para a consolidação de propostas para a erradicação da violência de gênero, em especial no parto e nascimento.

Creio que precisamos de mais participação da família, escolhas informadas, pré natal de qualidade, confiança nos profissionais (e nos pacientes), uma mídia consciente, um judiciário atento às evidências científicas e mais parteiras e doulas na atenção ao parto de risco habitual. Precisamos também de uma mídia menos sensacionalista e mais responsável, assim como uma maior proteção aos profissionais humanistas, que são as pontas de lança das transformações no cenário do parto.

Acho que um passo – a exposição crua da realidade triste da violência obstétrica – foi dado hoje. Espero que tenha sido um momento decisivo em direção a uma interação mais respeitosa entre cuidadores e gestantes.

Que assim seja.

PS: Agora fica difícil conter a pressão dos ressentimentos represados. Espero apenas que a mobilização (que infelizmente vem pelo escândalo) não se contente com o mero punitivismo, mas ofereça uma perspectiva de sairmos desse processo histórico de violência de gênero. Assim estes fatos tristes não mais ocorrerão com tanta frequência.

Porém, é importante tomar cuidado; muitas vezes as punições são uma forma de não-mudar, de conter a transformação, colocando as falhas estruturais nas costas de um único sujeito, para que as pessoas não percebam a arquitetura corroída que sustenta todo o sistema. O que precisamos mudar é o modelo autoritário de atenção ao parto que não ocorre de forma isolada; pelo contrário, é uma das marcas da assistência ao parto no Brasil.

Deixe um comentário

Arquivado em Parto, Violência

Afeganistão livre

Para ponderar sobre as repercussões da iminente retomada de Kabul e a expulsão dos gringos do Afeganistão.

Sim, partidos marxistas comemoram a vitória do povo afegão contra o Imperialismo, depois de vinte anos de lutas e 2 trilhões de dólares gastos no esforço de uma guerra inútil e perdida. Aliás: imaginem apenas o que poderia ter sido feito para a modernização do Afeganistão e seu povo se o dinheiro americano não fosse gasto para matá-los, mas para desenvolvê-los…

Mas, espere aí… teremos de volta os Talibãs? Ora, “eles são machistas, misóginos e bárbaros!!” Como em “The Kite Runner” veremos de novo o menino Amir tendo que fugir do seu país para se proteger dos abutres e pedófilos? Como podemos comemorar esta vitória sabendo que isso significará uma série de retrocessos, em especial para as mulheres?

Bem, minha posição pode ser entendida da seguinte maneira: se os Estados Unidos invadissem o Brasil e Bolsonaro fosse o presidente, a atitude óbvia e natural de um partido marxista revolucionário seria JUNTAR-SE a Bolsonaro no combate ao imperialismo! A questão Bolsonaro – assim como a questão Talibã – deverá ser resolvida internamente e a posteriori, mas a emergência em devolver o país ao seu povo é muito mais importante – e grave. Por certo que qualquer processo revolucionário significa muita dor, mas não há país que possa se desenvolver sendo dominado e escravizado, por “melhores” que sejam seus invasores. A guerra do Afeganistão e o surgimento dos Talibãs – “estudantes“, em pachto – se deu na esteira da entrada dos Estados Unidos na região após a retirada dos soviéticos. Os talibãs são apenas o resultado ruim de uma intervenção catastrófica, mas a expulsão do Império era uma questão de honra para o povo afegão.

O mesmo sentimento eu tive quando da revolução iraniana em 1979 e a queda do Xá Reza Pahlavi – com o surgimento do Aiatolá Khomeini e o fundamentalismo xiita. Da mesma forma, eu sabia que haveria um retorno a valores que se contrapunham a minha visão ocidental, mas ainda achei melhor que assim fosse do que ver a imposição de um estilo de vida ocidental em um país subjugado ao Império. O mesmo com a revolução haitiana ou cubana; é melhor ser livre e poder lidar com suas contradições internas do que manter-se escravo e incapaz de se afirmar como nação.

Ou ainda existe quem justifique as aventuras imperialistas que, a pretexto de levar “democracia” (leia-se expropriação dos recursos) e “modernidade” para países em crise, acabem por espalhar uma visão homogeneizante de sociedade baseada nos valores ocidentais? Continuamos achando justo espalhar a varíola do capitalismo e da “democracia liberal” em troca de oferecer camisa do Vasco para os índios e sutiãs para suas esposas? Bíblia para todos? Saias curtas para as moçoilas do Irã?

Além disso, o Brasil não tem nenhuma condição moral para apontar dedos em direção ao Afeganistão. Se existem problemas sérios em relação aos direitos das mulheres, não somos nós os mais adequados para acusá-los. Existem mais mulheres na política afegã do que no Brasil, e isso deveria nos fazer pensar o que os nossos “talibãs tupiniquins” – fanáticos fundamentalistas – estão fazendo com os direitos das mulheres por aqui. Comecemos esta batalha por aqui mesmo…

Deixe um comentário

Arquivado em Política

Corações e Mentes

Quando eu estava no primeiro ano do ensino médio nossa professora de português nos levou ao cinema para ver um filme recém lançado que se chamava “Corações e Mentes”. Tratava-se de um documentário sobre a guerra do Vietnã, produzido um ano após a retirada das tropas americanas da Indochina e um ano antes da “Batalha de Saigon”, que selou o fim da guerra em 1975. Entre 1 e 3 milhões de vietnamitas perderam a vida nos combates, numa luta insana pelo direito de escolherem seu próprio destino após séculos de dominação estrangeira.

O filme me marcou profundamente pelas cenas de bombardeios, a crueza das torturas, o depoimento tocante dos soldados – que eram obrigados a despejar bombas sobre vilarejos – e tantas outras crueldades. Entretanto, nada me chocou mais do que a fala de um general americano chamado William Westmoreland – curiosamente seu sobrenome significa “mais terras para o oeste” – tanto é que suas palavras e sua expressão apática não me saíram da memória passados já mais de 40 anos. A fala que tanto me impactou se situa no final do documentário. Em breves segundos ele dizia textualmente que “Os orientais não dão o mesmo alto valor à vida que um ocidental. Para eles a vida é abundante e barata. A filosofia do Oriente expressa isso: a vida não é importante”.(minuto 1:43:15 do documentário de 1974 “Hearts and Minds”)

Para mim foi um choque, mas é possível entender perfeitamente as motivações desse general. Para quem pode determinar com um simples aceno de quepe a matança de mulheres e crianças em um vilarejo pobre da Indochina a única forma de suportar tamanha crueldade e covardia é criar a fantasia de que, aquilo que chamamos “vida”, para eles tem um valor menor. Assim, as lágrimas de uma mãe americana sobre o caixão do filho que volta morto da guerra têm muito mais valor do que aquelas vertidas por uma mãe oriental que carrega seu filho sem vida descarnado pelo Napalm. Desta forma, desumanizando o inimigo, é mais fácil cometer as mais brutais atrocidades, pois criamos uma barreira que nos impede o acesso à empatia. Tratamos os inimigos – incluindo seus anciãos, mulheres grávidas e crianças – como gado, ovelhas, para que o extermínio de suas vidas não nos cause dor, culpa ou remorso.

Quando eu presenciava alguém fazendo acusações criminosas contra os palestinos dizendo que usam os próprios filhos como “escudos humanos” – sem uma prova qualquer dessa barbárie – eu sempre lhes perguntava: “Se uma nação estrangeira viesse ocupar sua cidade você colocaria seus filhos na janela de casa para serem o alvo das balas inimigas?” e a reação era sempre um sonoro “NÃO“. Eu, então, questionava: “E por que acha que um palestino faria isso com seus próprios filhos?” e a resposta que se seguia cursava a mesma linha do General William Westmoreland citada acima: basicamente, “a vida tem um valor no centro do Império e outro para as colônias. Matar servos não é muito diferente de sacrificar animais”.

Para perpetuar os massacres covardes contra crianças, bebês e famílias inteiras em todos os lugares destruídos pelo Imperialismo é necessário criar e disseminar um projeto de desumanização dessa população. Só assim o odor de sua carne em brasa se torna suportável, suas perdas insignificantes e seus atos monstruosos aceitáveis. Chamar de “terroristas” todos os povos que lutam por sua terra, por sua autonomia, pela sua liberdade e pelo fim do Imperialismo é tão equivocado quanto usar a mesma palavra para descrever a Resistência Francesa e os bravos Vietcongues, que fizeram exatamente o mesmo. Criar a falsa narrativa de desapego dos insurgentes à vida dos próprios filhos é uma covardia sustentada por uma farsa. O mundo precisa enfrentar o imperialismo e o colonialismo racista que nos asfixia, se é que ainda temos esperança de sobreviver enquanto espécie.

Aqui o link para o documentário completo que pode ser visto no YouTube.

1 comentário

Arquivado em Causa Operária, Palestina, Violência

Cultura da dor

Nossa cultura sempre tenta associar parto a dor, sofrimento e angústia. Essa é uma forma fácil de apavorar as mulheres diante de sua própria fisiologia. Quanto mais apavorada, mais fácil lhe vender a alienação do cuidado médico. Mulheres com medo são presas fáceis de uma cultura de afastamento, onde são controladas e destituídas de autonomia.

Não compare parto com sofrimento; compare com êxtase.

Uma conhecida minha foi ao Cabo Kennedy assistir o lançamento de um foguete da NASA. Quando o descreveu para mim disse assim: “Foi espetacular, maravilhoso e lindo. Parecia um…. parto”.

Achei justo. Aliás, escrever pode ser difícil e ao mesmo tempo prazeroso. Como um parto.

Uma vez fui dar aula na turma da Odontologia e um aluno desculpou-se por ter chegado atrasado informando que ficou preso no consultório por causa da extração de um siso que mais pareceu “um parto”. Disse a ele que não era justo comparar um ato tão prazeroso como parir uma criança com o ato brutal de arrancar um dente. Além disso, parto é algo que uma mulher faz, e um dente é algo que arrancam dela.

Autonomia é o conceito chave para dar sentido às dores de um nascimento.

Deixe um comentário

Arquivado em Histórias Pessoais, Parto