À espera de Emma

Diante do cenário luminescente de matizes multicoloridos do céu ele se despiu do último cigarro, fazendo a brasa vívida brilhar contra a paisagem avermelhada dos bancos do bar. Da primeira baforada surgiu a frase entrecortada pela fumaça.

– Se há algo que não podemos controlar, Benny, é o ouvido alheio. Nada nos garante que o coração de quem ouve poderá compreender o que falamos, muito menos o que se esconde no vão das palavras. Como saber se a frase solta não vai encontrar um oceano de contextos na mente do outro? É verdade irmão, o ressentimento é uma capa que ao mesmo tempo em que nos protege sorrateiramente nos corrói a alma.

Sentado à sua frente Benjamin colocou uma colher a mais de açúcar no café fazendo o tilintar da colher entoar um dueto com os carros que passavam na rua. Seu olhar estava fixado na porta do bar na esperança de que Ethel viesse finalmente encontrá-los. A ansiedade pelo encontro enchia o bar acanhado de silêncios que, misturados com o aroma de café passado, traziam a todos a dor pesada de muitas nostalgias.

Benjamin descolou o olhar da porta e sorveu o primeiro gole de café. Enquanto absorvia o amargor adocicado da bebida fitou Mark ainda com a xícara tocando os lábios.

– Se ela entendeu dessa forma não há nada que você possa fazer, disse. Não adianta se martirizar. Se ela se magoou com aquelas breves palavras não cabe a você se culpar. Você sabe como são as mulheres…

Mark sorriu pela primeira vez.

– Não, irmão. Nunca saberei.

O tilintar dos sinos da porta de entrada anunciaram a chegada de Emma. Benny sabia que seu rosto na primeira imagem denunciaria seu propósito e o que ocorreria nas próximas horas. Vestia-se sobriamente e carregava uma sombrinha nas mãos. Seu olhar procurava a dupla que a aguardava até que finalmente atingiram em cheio os pupilas contraídas de Benjamin.

– É ela Benny?, disse Mark sem ousar virar o corpo.

– Temo que sim. Esteja preparado e boa sorte, brother.

Barry Wiedeman Harris, “The Portrait of the Devil”, Ed. Canvas, pág 135

Barry W. Harris foi professor de literatura medieval na Universidade do Novo México. Escreveu vários livros relacionados aos conflitos sociais derivados da imigração. Como homem de esquerda, foi membro do Partido Socialista da América e, quando do seu desmembramento em 1973, manteve-se filiado ao Comitê Organizador Socialista Democrático. Seus livros e crônicas abordam de maneira ácida o racismo e o preconceito de classe dos “WASPs” (White Anglo-Saxon Protestant) em contraposição aos sonhos e esperanças das comunidades latinas que vivem nos estados limítrofes da fronteira mexicana. Casou-se com Julieta Morejano, de ascendência Guatemalteca, e teve dois filhos, Pedro e Enrique. Morreu em 1998, vítima de um câncer de tireoide.

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