“Cuida como vives; talvez sejas o único evangelho que teu irmão lê”.
Consigo enxergar essa frase escrita com a inconfundível letra desenhada de minha mãe. Seu sentido era dar a devida importância ao exemplo de vida, atos e palavras cotidianas, que têm o enorme poder de influenciar os nossos semelhantes.
Lembro de uma curta caminhada com meu pai pelo centro da cidade aos 5 anos de idade quando lhe perguntei porque não comprava vários bilhetes coloridos de loteria. “Podia a gente acertar o número e ficar rico”, disse-lhe eu na sintaxe infantil, pensando nas riquezas possíveis para um garoto daquela época – carrinhos, gibis e balas. Sem diminuir o passo ele respondeu: “Nenhuma riqueza pode vir se não for pelo trabalho”. Ele não notou – e por certo não lembra – mas ali fazia brotar a semente de um pequeno coração comunista.
De minhas brevíssimas conversas com Michel Odent, Marsden Wagner, Moysés Paciornik, John Kennell e Robbie Davis-Floyd (esta última não tão breves) retirei fragmentos que a eles não passaram de palavras, as quais sequer se detiveram a reter na memória, mas para mim significaram enormes setas de luz a indicar o caminho por onde seguir. Por esses pedaços de frases devo nada menos que a minha eterna devoção.
Digo isso porque ontem à noite uma moça me escreveu contando sua história de transformação através dos partos. Não me conhecia pessoalmente, mas leu muito o que postei nos últimos 20 anos e criou coragem (“o vinho ajudou”, disse ela) de escrever diretamente. Partindo de uma cesariana mal indicada chegou ao seu parto vaginal como “turning point” e ganhou ainda de bônus a bênção de ajudar uma vizinha a parir antes da chegada do SAMU. Agradeceu a mim por tê-la inspirado.
A frase que minha mãe escreveu e colocou na parede continua hoje plena de sentido. Hoje podemos influenciar pessoas do outro lado do mundo e de forma instantânea, sendo nossa experiência o evangelho que elas consultam diante dos seus dilemas. Nossos atos – e o que escrevemos – são adubo para o solo fértil de quem deseja aprender. O mundo de agora nos oportuniza encontros que jamais seriam possíveis há poucas décadas, o que só aumenta a responsabilidade que todos carregamos.
Olhados de cima, esses encontros são como linhas de luz a tecer a teia luminosa da vida por onde circulamos. As pontes luminescentes que são lançadas – para o bem e para o mal – acabam nos alcançando e sendo amplificadas. Que sejamos fiéis portadores do brilho que recebemos graciosamente da vida.