Drama feminino

Eu também acho que calcinhas e – principalmente – os famosos protetores de calcinha são profundamente danosos à ecologia íntima das vulvas. Em uma leitura superficial parece se tratar de uma simples questão de “higiene”, mas tal postura está claramente relacionada ao mito das vulvas dentadas, devoradoras de homens e perigosas. O próprio cheiro vulvar normal é tratado com piadas e de forma chistosa pelos homens – e até mesmo por mulheres. Mulheres são levadas a reclamar da menstruação e seu cheiro, mas também da menopausa e seus incômodos. Ser mulher é pagar o preço por um corpo mal feito e defectivo.

Digo isso porque concordo com algumas campanhas que estimulam mulheres a abandonarem o uso da calcinha em casa. Sou parceiro dessa ideia, principalmente porque um dos maiores problemas da saúde sexual feminina é o aparecimento de fungos. Ora…. fungos precisam de glicogênio, calor e umidade para se multiplicarem, e o abafamento das “preciosas” (aqui um epíteto do bem) só poderá produzir o ambiente ideal para a sua multiplicação. Permitir o pleno arejamento da região perineal é uma atitude correta, fisiologicamente falando.

Todavia… por trás do uso de protetores perfumados e calcinhas existe toda uma construção social demeritória e defectiva da mulher – isso sem falar de um comércio multimilionário de produtos de beleza e de “higiene íntima”. É por serem mulheres que seus odores são questionados – e combatidos. É por não serem homens – o padrão da correção fisiológica e anatômica – que a menopausa é chamada de “falência ovular”, e as menstruações tratadas como “escapes”, defeitos de um motor mal aparafusado. Não há como negar que toda a visão do corpo feminino é feita usando os homens como comparação, e o que elas tem de diferencial – menstruar, gestar, parir, amamentar, menopausar – é visto como doença e objeto de tratamento pela medicina – um braço de apoio e manutenção do patriarcado.

Por esta razão é que, ao contrário das mulheres, nenhum evento fisiológico masculino é tratado como enfermidade ou se tornou merecedor da atenção da medicina. É fácil imaginar que, em um mundo paralelo onde as mulheres tivessem barba e os homens não, esta condição seria tratada como uma doença, “hipertricose facial”, e seria evitada, para que não surgissem no rosto das mulheres estes “pelos nojentos, perigosos e desagradáveis a prejudicar a estética”. Haveria uma enorme quantidade de fotos em livros de medicina de mulheres que morreram de “foliculite seguindo-se sépsis” causada por esse distúrbio, “não tão raro quanto parece”.

A condição de “ser mulher” é que está como pano de fundo dessa inconformidade. A cultura, que sempre temeu o poder da sexualidade feminina, é pródiga em oferecer epítetos demeritórios aos órgãos sexuais femininos, com a exceção da infância – quando ainda são inofensivos. Extirpar a nomenclatura “suja” e diminutiva de todos os elementos relacionados à sexualidade feminina ocorrerá em sequência à emancipação plena das mulheres e o livre exercício da sua sexualidade. Para isso é preciso que o patriarcado deixe de ser o padrão de nossas civilizações, mas para que ele caia…. bem, aí é outra conversa.

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