Violência doméstica

Em relação às violências domésticas em que o homem é a vítima eu lembro de uma história contada há mais de uma década, mas que me marcou muito. Quem me contou o caso foi uma paciente, advogada que trabalhava como defensora pública, o qual me fez repensar os estereótipos de “homens maus, mulheres inocentes”.

Neste relato ela diz que um homem veio lhe procurar pedindo ajuda. Era um senhor idoso, por volta de 80 anos casado com uma mulher bem mais jovem, por volta dos 50, a qual por sua vez tinha uma filha adolescente de um outro relacionamento. Esta mulher era uma cuidadora de idosos e havia tomado conta da falecida esposa do homem durante sua doença, e após a morte desta eles resolveram se casar, até para que ele tivesse alguém para passar sua pensão de militar. O homem dizia que, durante a doença da esposa, se afeiçoou muito à sua cuidadora, e resolveu ficar com ela depois do falecimento da companheira para garantir um futuro para sua filha pequena, agora adolescente.

Depois de alguns poucos anos ela passou a maltratá-lo, pedindo que saísse de casa (que era a SUA casa) e exigindo que mantivesse o sustento da mãe e da filha. Batia constantemente no idoso por qualquer razão e não tinha nenhum pudor em chama-lo de “velho”, “traste”, “impotente” e de deixar claro que não tinha qualquer interesse sexual nele. É óbvio que, por vergonha e por pudor, ele jamais pensou em dar queixa da mulher pelos maus tratos que recebia. Isso simplesmente não cabia na sua imagem de homem e militar.

Um dia esta mulher chegou à delegacia com os braços queimados e fez uma queixa de violência doméstica. Disse que o idoso seu marido havia jogado uma panela de água fervente nela, com o objetivo de queimá-la e talvez até causar sua morte. Imediatamente depois deste relato foram tomadas as ações de praxe nessas situações: afastamento, impedimento de entrar dentro da SUA casa (construída por ele mesmo com a ajuda da falecida esposa), ordens restritivas e um processo por tentativa de homicídio. Assim dita a Lei Maria da Penha.

Felizmente, por morarem em uma rua de casas muito próximas, um vizinho presenciou toda a briga e contou para a advogada que a verdadeira história da agressão e das queimaduras era bem diferente da versão contada pela mulher. Em verdade, naquele dia ela teve um novo surto de violência contra o marido, mais uma vez baseado em banalidades. Agrediu verbalmente e depois partiu para os ataques físicos, com tapas e socos. Como ele era muito menor, conseguia apenas se defender com os braços. Num ápice de raiva ela pegou uma panela com água quente no fogão e jogou sobre ele, mas errou o alvo e a água derramou sobre os seus próprios braços.

Parecia mesmo que ela desejava alguma reação violenta dele que deixasse uma marca física no corpo – um soco, um tapa ou, porque não, uma queimadura – para poder materializar a queixa que desejava fazer na delegacia da mulher. Quando viu seus braços vermelhos e ardentes percebeu que isso já era suficiente. Foi à delegacia e as funcionárias de lá imediatamente compraram sua versão falsa da história, acreditando que seu marido de 80 anos era o agressor e ela a pobre vítima.

Eu entendo que, diante de uma história como essa a tendência é acreditar na mulher. Afinal, de cada 100 queixas que chegam numa delegacia da mulher, talvez uma apenas seria referente à agressão de uma mulher no ambiente doméstico. As outras todas seriam violências masculinas, tendo a mulher como vítima. Por outro lado, sempre que julgamos alguém em função da religião, da cor da pele, da orientação sexual, colocando esse pertencimento acima dos fatos, isso tem um nome: “pré-conceito”. Neste caso a mulher se aproveitou do fato de a violência doméstica ser predominantemente masculina para criar uma falsa narrativa, cujo objetivo era expulsar um idoso de sua própria casa. Num ambiente pré-conceituoso – onde as palavras e a versão das mulheres têm valor de verdade – é fácil perceber como os abusos se tornam sedutores.

É claro, como eu já disse, que a violência doméstica contra a mulher na vigência do patriarcado é um problema muito mais urgente e muito mais dramático do que as agressões provenientes das mulheres. Entretanto, essa maior prevalência de agressões na direção “homem —>mulher” não pode nos deixar cegos à existência crescente de violências e até mortes na direção oposta.

Se rejeitamos preconceitos de cor, orientação sexual, identidade sexual e religião é importante que não nos deixemos levar por preconceitos de gênero, até porque mulheres e homens são igualmente capazes de mentir, fraudar e enganar, tanto quanto de seguirem uma conduta verdadeira, honesta ética e amorosa. Qualquer ideia que se afaste desta realidade é puramente sexista.

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