Um dos mais importantes conceitos nas ciências sociais aplicados ao parto e nascimento é o de “conhecimento autoritativo”, noção extremamente importante quando encontramos a interface entre a medicina moderna e sua ação sobre o parto e o nascimento e seu choque com os saberes ancestrais que lidaram com os desafios do ciclo gravido-puerperal desde o início da humanidade. O conhecimento autoritativo define o domínio de um determinado saber que é socialmente reconhecido. Um exemplo fácil de entender para quem atua na atenção ao parto em zonas mais afastadas dos grandes centros: um residente de medicina com 25 anos de idade e com 20 partos atendidos em seu possui tem conhecimento autoritativo, que o capacita para dar atenção às pacientes, enquanto uma parteira com 30 anos de experiência e 500 partos atendidos em sua larga história como cuidadora não o tem.
Assim, o conhecimento autoritativo é aquele que efetivamente faz, aquele que tem suporte das instituições, configurando-se em um saber autorizado socialmente. As parteiras acumulam conhecimento empírico autoritativo em suas comunidades, mas de caráter não autoritativo quando se deslocam de sua base de influência cultural. Uma parteira tradicional quando vai à cidade “perde seus poderes”, passa à clandestinidade, deixa de ter suas habilidades reconhecidas.
O que a antropóloga americana Robbie Davis-Floyd nos diz é que os conhecimentos e saberes não autoritativos não devem ser descartados como sendo “anacrônicos”, “ultrapassados”, “sem valor” ou “inadequados” mas incorporados e observados através do método adequado, para oferecer uma diversidade maior de abordagens, adequação cultural e respeito aos conhecimentos sedimentados por milhares de anos de experimentação.
Desta forma, conhecimento autoritativo (como o nome diz) está relacionado ao poder e à autoridade no controle da narrativa cultural. Todavia, isso não significa que os saberes autoritativos são necessariamente “científicos”. Não, eles são tão somente “respaldados” pela cultura e pelas forças que a regulam. Um exemplo clássico: médicos frequentemente promovem cesarianas em excesso e desmame precoce de bebês e possuem conhecimento autoritativo sobre os temas do parto e da amamentação, apesar destas ações não possuírem base científica. Pelo contrário; o abuso de intervenções – em especial a cesariana – e o desmame prematuro são problemas de saúde pública causados pela própria medicina, e precisam ser entendidos dessa forma: ações “iatrogênicas” (causadas pelo médico). Por outro lado, parteiras e avós podem apoiar o parto fisiológico e a amamentação alicerçadas em seus valores culturais, porém possuem um saber não autoritativo. Elas não tem força ou poder para mudar condutas, mas nestes casos específicos suas condutas e posturas têm total respaldo científico.
Portanto, o “conhecimento autoritativo” não necessariamente significa “conhecimento acadêmico”, apesar de que ele normalmente está relacionado ao respaldo oferecido pela academia.
Por exemplo: numa guerra existem os oficiais que vieram da Academia, e os sargentos que estão lutando lá há algum tempo no front de conflito. Muitas vezes o jovem oficial dá uma ordem e os soldados olham para o “sargentão” para saber se devem mesmo cumpri-la, uma vez que na guerra a experiência – mais do que o academicismo – tem mais valor autoritativo. Nesse contexto o sargento tem poder autoritativo e o “tenentinho” recém saído da Academia, não.
Quem é mais velho lembra do “Recruta Zero” e o personagem “Tenente Escovinha”, ambos do desenhista americano Mart Walker, que ironizava a organização militar do exército do Império americano. Pois o tenente Escovinha era tratado como um oficial a quem ninguém dava bola por ser muito novo e sem experiência. Enquanto isso, o “Sargento Tainha” era o sujeito com voz autoritativa para o grupo de recrutas, entre eles o engraçadíssimo e fanfarrão “Beatle Bailey”- o Recruta Zero.
Conhecimento autoritativo é aquele efetivamente reconhecido como capaz de agir e produzir em determinada circunstância. Na nossa sociedade ele é frequentemente associado àquele adquirido na Academia, mas nem sempre.