Recebi da minha amiga Germana Piripkura o print acima e acredito que vale a pena uma análise…
Bem, “discordar de quase tudo” pode ser entendido como uma virtude; as ciências que mais evoluem são aquelas dotadas de forte entropia e choques violentos entre os paradigmas em disputa. No caso da obstetrícia, eu vejo exatamente o oposto. Os obstetras operam (em nível inconsciente, por certo – esta não é uma análise moral) numa espécie de religião onde a discordância é vista como uma ação de extrema gravidade. Basta ver como as práticas obstétrica no mundo ocidental não variam. Pegue uma foto de parto na Suécia e num hospital em Cuzco e a imagem será praticamente idêntica; existe um consenso “forçado” baseado na coesão do grupo. Mas se entendemos o parto como parte da vida sexual de uma mulher, como podemos imaginar que a sexualidade das mulheres desse planeta seja tão padronizada? Por que não há “tantos partos quanto existem mulheres no mundo”?
Ora, porque o parto foi delas…. expropriado.
Em verdade, a obstetrícia é guiada por dogmas que são tratados como pontos intocáveis. São eles:
* Parto é um ato médico
* Parto é um procedimento hospitalar
* Parto é mais bem executado por médicos
* Parto é um ato duplamente arriscado (mãe e bebê) cujos riscos diminuem quando controlados pela medicina em ambiente altamente tecnológico.
Nenhuma das afirmações acima possui evidências científicas que garantam sua validade e universalidade. Não obstante, é repetida à exaustão pela comunidade obstétrica com inegável aceitação. Qualquer médico que discordar desses pontos será visto como um herege, uma ameaça, um infiltrado; se for da área da enfermagem, um invejoso. Toda a aceitação e preponderância social dos obstetras repousa sobre a narrativa de que sua ação é essencial para resgatar as vidas sob seu cuidado do risco produzido por uma natureza incompetente e madrasta.
Lembrei da frase de um professor de obstetrícia da corrente “liberal-reformista” quando falava aos seus alunos da residência: “As pacientes caminham sobre um cabo de aço entre dois edifícios há 30 metros de altura, e vocês são a rede”, uma frase que mostra a onipotência e o “entitlement” inabaláveis destes profissionais, pois que sequer as evidencias científicas são suficientes para demovê-los de suas crenças.
Sobre as “fontes discordantes”, penso que o que ela quis dizer é que os profissionais não concordaram com ela quando se referiu à atenção ao parto de risco habitual, mas engana-se quem imagina que existem debates intensos na academia sobre estes temas. Há um silêncio tácito sobre estas questões, porque tocar nos pontos nevrálgicos da estrutura da obstetrícia contemporânea significa colocar toda sua edificação ideológica em perigo. Poucos tem a coragem de enfrentar os monstros e colocar-se na posição de párias.
Eu bem que gostaria que houvesse realmente esse “tremor” na academia, com debates acirrados e veementes sobre o modelo de atenção ao nascimento, mas a percepção hegemônica sem dúvida ainda – e por muito tempo – se assenta sobre os pilares citados acima. A fração mais conservadora acredita nos malefícios do parto e nos seus riscos inquestionáveis, enquanto a vertente liberal revisionista crê que uma atenção médica baseada em evidências diminuiria as intervenções e, por conseguinte, a morbimortalidade associada a elas, tanto físicas quanto emocionais.
Minha vertente, por certo, é a revolucionária, com o abandono da ilusão reformista (que insiste na opção médica) e a adoção de um modelo humanístico de parteria baseado na atenção do parto eutócico por parteiras profissionais. Aliás, o modelo de melhores resultados no planeta, mesmo quando a avaliação leva em consideração países ricos e pobres.
Claro que, assim como em outras batalhas, morrerei sem ver este modelo instituído. Mas, de que vale a cidade não for pelas boas causas?