Ícaro

Ícaro, caindo ao solo, após se aproximar deslumbrado do sol que, pelo calor, derreteu suas asas de cera.

Nas duas últimas semanas o Brasil percebeu como era a vida antes do Bolsoverso ao entrarmos de novo no universo racional. Não houve lives amadoras, motociatas, jetskyatas, discursos e perdigotos no cercadinho, mentiras à granel, insinuações de golpe e ameaças à democracia. Pela primeira vez em 4 anos se dissipou a nuvem densa de autoritarismo, de violência e golpismo do campo simbólico da nação. Passamos a respirar um ar mais limpo.

Bolsonaro perdeu 94% das citações no twitter. Para um visitante recém chegado, parece que ele nunca existiu. Ninguém mais fala seu nome, e isso foi determinado pelos próprios ex bolsonaristas, pois a ideia é desvincular a extrema direita da figura de Bolsonaro. Afinal, ele sempre foi apenas tolerado, inclusive pelos militares, que nunca confiaram na sua capacidade de liderar seus interesses. Ainda reverbera em nossa lembrança o mantra de 4 anos atrás que repetia: “Não votei no Bolsonaro; votei no Guedes” ou “Ele é idiota e talvez corrupto, mas o importante é tirar o PT“. Pois agora, sem utilidade, a própria direita joga Bolsonaro na lata do lixo; não deixaram esse gostinho para a esquerda.

Não duvido que se repita com ele o mesmo que ocorreu com Eduardo Cunha. Durante muitos anos o baixo clero comeu na palma de sua mão, e a direita o adorava. Ele controlou, com muito dinheiro sujo, os votos do congresso para impor pautas bombas e sabotar o governo Dilma. Gritavam seu nome nas ruas e o tornaram ídolo dos golpistas. Hoje ele amarga um triste ostracismo depois de ter sido até preso, mas não se furtou de concorrer mais uma vez (desta vez perdeu) e declarar um apoio entusiasmado a Bolsonaro, explicando aos jornalistas que é um ferrenho “antipetista”. Ninguém mais se importa com o outrora poderoso presidente da Câmara.

Bolsonaro talvez tenha o mesmo destino. Depois de usado pelas forças burguesas para implementar um projeto entreguista e de destruição nacional – partindo da educação e passando pelo meio ambiente, segurança e indústria nacional – ele será jogado aos leões, feito carniça. Alguns dizem que está deprimido; outros (que o consideram psicopata), acreditam que está atuando, fugindo das consequências e se escondendo. De qualquer maneira, ele sabe o destino triste que o aguarda, em especial porque agora vem a “volta do cipó de aroeira” através dos processos que chegarão na primeira instância.

Eu creio que Bolsonaro e filhos devem estar pensando que estes 4 anos foram o mais absurdo dos erros. Poderiam continuar na obscuridade, gerenciando seu Império de rachadinhas e mantendo o controle das milícias cariocas. Todavia, como Ícaro, sua arrogância e deslumbramento os fez voar perto demais do Sol, derretendo suas frágeis asas de cera. Alçaram voos para os quais não tinham competência, e agora despencam de forma espetacular. Tivessem se mantido na sua segura mediocridade, estariam ainda hoje fazendo a política rasteira, homofóbica, racista e preconceituosa que sempre os caracterizou.

Por outro lado, não tenho ilusões em relação à direita e até sobre sua franja radical: os fascistas. São muitos e são organizados. A direita em suas múltiplas vertentes alcançou a assombrosa marca de 58 milhões de votos no Brasil. É evidente que estas marcas só puderam ser alcançadas pelas manobras eleitoreiras imorais e ilegais que ocorreram à revelia da Constituição vigente, mas ainda assim é um número que impressiona. São uma força política muito coesa no Brasil de hoje, basta ver as mobilizações dos seus elementos mais delirantes. Serão uma força muito organizada e forte nos próximos anos.

Para além disso, o namoro da mídia com Lula não vai durar muito. Em breve, ao ver seus privilégios ameaçados, a burguesia mostrará os dentes e o fascismo entrará de novo no cio. Agora mesmo, quando Lula sinaliza o combate à fome e a proteção às famílias mais pobres do Brasil, o “mercado”- leia-se os patrões, os rentistas, os financistas, a Faria Lima, os bancos e o agronegócio exportador – já ensaiam críticas e ataques ao projeto de regeneração nacional de Lula, mostrando que o caminho para recuperar a nação será árduo e espinhoso. Não será nada fácil, e a luta não será bonita de ver, mas a recuperação da imagem desse país necessita passar por esse embate.

A esquerda deverá estar preparada para o que virá no futuro, mas Bolsonaro já pode ir colocando “as barbas de molho”…

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