Mérito

Vejam bem… as mesadas do meu pai, todas juntas, dos 12 aos 20 anos, seriam capazes de comprar apenas uma passagem de avião para o nordeste, desde que eu jamais gastasse um tostão sequer em um cachorro quente, um ingresso para o cinema, uma calça Topeka, um kichute, uma camisa da Gang ou uns discos do Emerson, Lake & Palmer.

Pois eu vi agora no Facebook a história de um jovem empreendedor que durante anos guardou a mesada de seu pai, e cujas “sobras” foram suficientes pra comprar um apartamento (!!!) e depois abrir sua primeira “startup”. Quando li isso acompanhado da sua conclusão – “só não é rico quem não quer” – percebi que ele não pode estar usando o mesmo conceito de “mérito” que eu acredito ser justo.

Essas histórias de gente muito rica que tem inteligência econômica para ficar mais rico ainda servem apenas como ironia, ao estilo “ela é minha sobrinha, mas a promovi porque é muito capaz”. Ou a famosa história da Bettina da Empiricus, que depois soubemos se tratar de uma fábula inverídica sobre “começar do zero”. Ignorar o fosso existente entre as castas brasileiras, e as oportunidades completamente diversas que são oferecidas a cada uma delas, é não se dar conta da enorme iniquidade que nos caracteriza e que nos separa, neste apartheid social que nos formou.

A verdade é que existe, sim, meritocracia para os milionários e até entre os abastados da classe média. Há ricos que não se mantém assim, enquanto há outros que multiplicam sua fortuna através de trabalho e talento. Não há como negar estes fatos. Todavia, essa é uma comparação que só se torna possível entre eles, e não quando os comparamos com a imensa maioria do povo que os sustenta.

Os ricos podem fracassar em vários empreendimentos que sempre haverá de onde tirar mais; o contrário acontece com os pobres que desejam vencer. O melhor exemplo para essa realidade é George Bush Filho, que era alcoolista, usuário de drogas, mau aluno e que jamais teve um emprego até os 40 anos, quando então se tornou o novo mandatário do país mais poderoso do mundo por ser filho de um ex presidente. Por muitas vezes ele pôde errar, fazer más escolhas, desistir, errar de novo, fracassar, afundar-se no vício e ainda assim sua classe social o acolhia e lhe oferecia uma nova oportunidade.

Já o pobre, se quiser ser rico, não pode errar jamais; o cavalo passa encilhado uma única vez. Ele só tem uma bala no cartucho, e não há nova chance caso venha a falhar. Seu tiro precisa ser certeiro e único, ao contrário dos ricos burgueses que podem errar indefinidamente até acertarem – para então, quando finalmente têm sucesso, nos dizerem que chegaram lá por “méritos próprios”.

Não, definitivamente as condições iniciais são muito diversas para que o esforço do pobre e aquele que se exige dos ricos possa ser emparelhado e comparado.

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