Modelos e mensagens

Quando eu era adolescente escutei durante uma aula de inglês uma lição com uma frase motivacional na forma de um ditado, que por meio século se manteve em minha cabeça: “There’s more to clothes than to keep warm” (existe mais nas roupas do que simplesmente se aquecer). Esta noção do corpo como veículo da sexualidade – e das roupas como sua moldura – custou a se configurar como certeza, mas bastou atingir a adolescência para que ela caísse como um meteoro sobre minha cabeça. Por entender o quanto nossas roupas são mensagens é que, vez por outra, eu me espanto ao escutar ou ler algumas frases especialmente engraçadas sobre as razões para usá-las:

“Eu não me importo com roupas. Uso qualquer coisa e não me interessa se os outros gostam ou não. Eu me visto apenas para me sentir bem”. diz a jovem de jeans rasgados e tênis da “Balenciaga” que custam o mesmo que um trabalhador da construção civil leva três meses para ganhar de salário.

Acho engraçado porque este tipo de afirmação dá a entender que “as pessoas se bastam”, são ilhas de autossuficiência, como entes impenetráveis à opinião alheia. Nada me parece mais arrogante que isso. Uma vez meu filho, aos 12 anos, me confessou “tudo que eu faço é para me exibir, para oferecer algo aos outros”. Rara sabedoria.

Em verdade, essas coisas que nos empacotam como produtos na prateleira da vida importam sim, e muito. Não por outra razão as indústrias da moda e da maquiagem são dois dos mais poderosos empreendimentos do mundo. A moda mobiliza 2.4 trilhões de dólares por ano e, se fosse um país, seria o sétimo mais rico deste planeta, movimentando somas astronômicas para cobrir nossa nudez, ao mesmo tempo que, sedutoramente, nos convida a desvelá-la. A indústria de cosméticos já atingiu 571 bilhões de dólares anuais e está em franco crescimento, prometendo esconder defeitos, ressaltar virtudes e estancar a sangria do envelhecimento.

Além disso, existem os terríveis efeitos colaterais que estas iniciativas promovem. A indústria do vestuário é a segunda maior poluidoras do planeta, atrás apenas do petróleo, e a que mais enriquece pelo trabalho escravo. São cerca de 100 milhões de toneladas de fibras processadas em nível global. Nesse setor, o Brasil é responsável pela 5ª posição mundial, e somente aqui são produzidas cerca de 100 mil toneladas de lixo industrial cada ano, segundo a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit). Tudo isso é gasto para deixar as pessoas mais atraentes e mais desejáveis, com mais pontos no mercado da atração sexual. Portanto, não é justo imaginar que toda essa fábula de dinheiro é gasta e as pessoas “não se importam” com o impacto que as roupas produzem no sexo oposto (ou no mesmo).

Outro problema está relacionado com as questões éticas de muitas empresas da moda e sua invasão sobre temas extremamente delicados como a sexualização da infância. A empresa Balenciaga está sendo atacada severamente pelo tipo de publicidade que usa para seus produtos usando modelos infantis. Eu acredito ser abominável qualquer exploração da sexualidade infantil produzida por roupas e cosméticos. Se a roupa é realmente isso – uma mensagem e um convite – a exploração da moda infantil que erotiza crianças é algo criminoso e perverso. A infância é curta demais para ser desperdiçada com adultização precoce.

Eu não seria tolo o suficiente para acreditar que o dinheiro gasto em aparência é mal gasto e não há nada de errado em gostar de roupas e do que elas representam, e isso é algo que se estabelece na primeira infância – como tudo que é significativo e persistente em nossas vidas. Eu só acredito que imaginar que as roupas que vestimos são desimportantes ou que sua intenção não é – em última análise – erótica, é um grave erro. Se a mola propulsora do mundo é mesmo o sexo e a manutenção dos nossos genes no pool planetário, qualquer ação que nos aproxime desse objetivo é válida. Entretanto, há que se entender que o desejo justo de aparecermos apetitosos aos olhos do mundo pode ter um preço alto demais para as outras vidas do planeta e, em última análise, a nossa própria.

Talvez seja o momento adequado para rever nossa compulsão em “renovar o armário” e passar a ter um consumo mais adequado para a capacidade de renovação do planeta. Visitar um brechó é um bom começo.

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