
Já tentou entender o horror que é para um artista quando o único tradutor possível para os rabiscos e ideias que escreve ou desenha é ele mesmo? Consegue imaginar a solidão de ser o único falante de um idioma que desapareceu e nunca foi compartilhado?
Meu irmão Mikael, durante seu último surto, mostrava com a ponta do indicador um minúsculo ponto localizado entre os olhos e me indagava: “Você consegue imaginar a sensação de ter todo o conhecimento do universo concentrado bem aqui, uma matéria tão densa e tão pesada que se torna impossível de conter? Consegue entender a dor de saber o que a ninguém é dado conhecer? Percebe a solidão que a verdade me condena?
Não, Mikael, dessa dor só você pode falar. A mim não foi dado ter essa clarividência; minhas verdades são minúsculas, pessoais, passageiras e fugazes. Mas, se me fosse oferecido o benefício da escolha, ficaria com a mediocridade das minhas pequenas mentiras. Não me vejo capaz de suportar o martírio das verdades cruas e brutais.
Wolfgang Hübner, “O Imperador das Estepes”, ed. Dexter, pág. 135
Wolfgang Hübner é um escritor austríaco, nascido em Viena em 1⁰ de Janeiro de 1900. Cresceu na cidade que era o centro da cultura europeia no início do século XX e foi testemunha ocular dos acontecimentos determinantes para a ascenção do nazismo. Graduou-se em literatura na Universidade de Viena e foi professor de escolas secundárias durante boa parte de sua vida. Dedicou-se à literatura escrevendo colunas sobre arte e política nos jornais vienenses e posteriormente passou a se dedicar aos romances. Seu livro de estreia foi “Bleib zu hause, geh nicht raus” (Fique em casa, não saia às ruas) onde descreve a agitação na sociedade alemã na década de 20 relacionada ao crescimento da extrema direita. Escreveu 10 romances no período entre a primeira guerra mundial e o fim da segunda, a maioria deles ambientados na Áustria ocupada e na crueza da luta pela sobrevivência. Em “O Imperador das Estepes” ele descreve as agruras do jovem serralheiro Amadeus que busca fugir da ocupação alemã na Áustria em direção à Bélgica, carregando consigo o irmão esquizofrênico Mikael, que ficou sob seus cuidados após a morte dos pais e da irmã Helga. Wolfgang Hübner morou a vida inteira em Viena, nunca teve filhos e morreu em 1951, de câncer na laringe.